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Educação e Humanismo
Livro O formalismo quirício e a estipulação em Gaio
Vida: 1949

O formalismo quirício e a estipulação em Gaio – parte 2

 
 

28. Sustemos a transcrição. As amostras já revelam bem a tomada de consciência, aquela familiaridade com a subtileza helênica pressuposta por Sokolowski. A reação de labregos, seu muito vangloriosa, de Sulpício, Cátulo e Antônio – que se julgam mui suficientes e altos sem filosofia nenhuma ou tanta – na verdade está pedindo uma explicação diplomática por que lhes melhorar o conceito a nossos olhos. O menoscabo das hamanidades helênicas era, neles, uma atitude necessária à defesa do prestígio na praça, do renome junto ao povo.

O encontro do helenismo com a romanidade realizou-se na camada superior, em que trabalhava a inteligência. Tinha sabor de clandestinidade. Antônio ou Crasso, e mais tarde Cícero, por exemplo, escamoteavam, ante o vulgo, o amor que tinham à civilização. É sabido como Cícero, nas Verrinas, confessa não entender muito nem prezar aquelas coisas de arte helênica, apesar de a realidade nos informar que se vivia arruinando, através do amigo Ático, no esforço de que sua domus fosse bela de estátuas gregas e não o envergonhasse entre os nababos cujas residências eram quase um museu de arte. Também se vê, na defesa de Árquias, quanto rodeou, quanto invocou nomes da mais nobre estirpe republicana, para se avalizar na ousadia, ante a opinião pública, de elogiar as humanidades.

Na verdade, Roma não era um ninho só de excelsos rostrários como Antônio e Crasso, vistos pelo olhar magnificente do cavaleiro de Arpino. O comum era a eterna massa plebe, na marcha invencível da sua tendência: um fluxo romano, em que sobrenadava o beato espanto patrício ante a beleza grega, adquirida suntuariamente para exibição; um espanto artificial e grosso, regido por uma lei da plutocracia, a qual mede com dinheiro a Arte e a Cultura que não pode viver nem construir.

O deslumbramento da civilização, emitindo a força polar que tem a luz, atraiu o romano. Houve uma simbiose a que o Ocidente deve a herança mediterrânea, mas simbiose imperfeita, lesada na ação de polaridade contrária – o espírito do concreto, a vocação do pragmático, a inabstratividade.

A descalagem temporal reduzira muito a fecundidade do cruzamento. Na força de sua plenitude assimilativa, Roma encontrou uma Grécia liqüidada. Pensando nas glórias de antanho, contemplava um grego ordinário, ardiloso, orientalizado, enchendo de manha a cidade que os importava. Viviam aumentando as razões da impertinência catoniana. Eram vultos de exceção um Crates Malote, um Polibio, um Panécio, um Carnéades. A maioria entrava, por mérito, na referência pejorativa com que reagia a gravidade romana e o instinto comum do povo, enquanto o patriciado basbaque lhes abria a porta. No De oratore, Crasso confessa que teve de fechar, quando censor, as escolas dos rétores, escolas de ousadia e impudência: et cum impudentiae ludus esset. Não eram gregos, eram gréculos, loquazes, ociosos, cuja comparação teme o bom romano: alicui graeculo otioso et loquaci.

Duzentos anos depois do tempo em que Cícero localizou os diálogos De oratore, Juvenal – que floresceu na época em que nascia Gaio, i. é, sob os reinados de Nerva, Trajano e Adriano – apresentaria esse gréculo sob a luz implacável do verso que a indignação lhe provocava: facit indignatio versum. Então nos apresenta o homem que vinha de Sicione, de Amidone, de Andros, de Samos, de Trales, de Alabanda, como homem que se fazia vísceras e futuro dono das grandes casas: viscera magnarum doinuum dominique futuri. Lépido, audaz, labioso, tudo sabe o gréculo faminto, que é gramático, rétor, geómetra, pintor, massagista, áugur, escoinóbata (funâmbulo), médico, mago. Ingenium velox, audacia perdita, sermo/promptus... grammaticus, rhetor, geometres, pintor, aliptes/augur, schoenobates, medicus, magus, omnia novit/graeculus esuriens. Subirá aos céus, se o mandares. In caelum, iusseris, ibit.

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29. No direito, o helenismo encontrou uma força organizada e subtil, cerne e seiva da árvore. Helenizado, o cidadão que também fosse jurista levaria aos tribunais um ou outro reflexo de sua atitude mental, perdido porém na concretice mesmista e nacional da rotina, cheia da poderosa inércia dos sacramentos de que sempre viveu a justiça distribuída.

O efeito helênico foi uma ação transecular de presença, ajudando a abalar a tradição, desatando o formalismo. O calor racional, mui devagar, amolecia aparências rituais, desvelando o pensamento lógico, a mens legis, articulando a vontade como objeto de consideração.

Enquanto o esplendor literário da era ciceroniana é influxo helênico em planta originariamente helênica, a dialética retórica, no direito, planta nativa e rija, foi como seiva absorvida por árvore adulta, em segredo de inaparência.

A jurisprudência, naquela idade áurea das letras, deve ter atingido esplendor e maturidade. A hipótese goza do beneficio de participação, admissível que tenha sobrado ao direito o vigor e agilidade comum de uma inteligência retemperada na luz e excitação que vinha de leste, no afluxo heleno-oriental.

Infelizmente é hipótese desamparada, pois o tempo consumiu a produção jurídica. Mas a julgar pela freqüente exemplificação no De oratore, a jurisprudência era leve e arguta, montada em linha de ângulos e nível de lógica muito iguais com a inteligência moderna. Era experiente e maliciosa, confirmando o que pretendem os romanistas ao declararem que tinha a palma em casuística.

Faltou aos antigos abstração, mas não lhes faltou análise – a visada particularizante, miúda, imaginosa. O formalismo acostumara-se à tendência aditiva. Na massa da mesmice esticada ao longo de séculos que mudavam, entremeada de símbolos que se esvaziavam por esquecimento, o direito pretório ia derrogando sem abrogar, respeitada ficticiamente uma espécie de eternidade da lei.

O direito adquiriu estrutura marcadamente aluvional, de crescimento por sedimentação, desprovido de argamassa onde veios de sentido geral apontassem o caminho da síntese.

Cícero colocou na experiência de Crasso algum sentimento desta dispersão, deste fracionarismo, quando no-lo faz contar que planejava algum dia ordenar o direito civil em poucos gêneros, que dividiria em espécies bem definidas: ut primum omne ius civile in genera digerat, quae perpauca sunt, deinde eorum generum quaedam membra dispertiat, tum propriam cuiusque vim definitione declaret. Em outro passo do livro, Antônio relembra Crasso ter prometido condensar e reduzir a fácil arte o difuso e dissipado direito civil: se ius civile quod nunc diffusum et dissipatum esset in certa genera coacturum et ad artem facilem redacturum.

De oratore foi escrito em 55, numa hora inquieta em que o máximo orador sublimava em beleza as frustrações de sua inquietude política, ao passo que César, lá fora, nas Gálias, assentava os alicerces de seu reino, sobre o túmulo das instituições republicanas. Depois viria a campanha de Augusto, e seu inútil esforço de replenar estruturas vazias.

O outro lado da análise, o divino poder da síntese, que porventura acenara a Crasso, não mais haveria de tentar o gênio romano. Libertos gregos esfuseiam e governam desde os palácios imperiais, mas não passam de gréculos. Há qualquer coisa que ainda se mantém, como ultravida junto à morte: é o corpo da grandeza romana. O cadáver de uma era histórica não esfria em dois tempos. Por mais de dois séculos perceberão os prudentes, sob a pele do Império, o calor que lhes permitiu veicular a tradição jurídica. Depois o corpo frio se desmanchou. E um dia, lá do Oriente, um grande espelho disforme refeltiu sobre o mundo a figura do gigante. Isto foi a glória de Justiniano e um feito de conseqüências imensuráveis, na história da civilização.

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30. Largos séculos de consubstanciação aditiva e um clima de inteligência nutrido de helenismo permitiram tentativas sistemáticas de que nos resta o solitário exemplo de Gaio. Marcam o fim do ciclo, o momento crepuscular e fecundo. Há um esforço de chegar a uma síntese. Depois da hibernia, a era justiniana (somado o exercício abstrativo da especulação cristã) talvez pudesse conseguir a grande generalização, não fora o tamanho espantoso do empreendimento, em medida com a modéstia dos tempos.

Hoje se diz que o direito é uma realidade objetiva, uma norma agendi, the law; ou um estado subjetivo, uma facultas agendi, the right. É um complexo de normas compulsórias visando o bem comum.

Essa idéia gerou-se em longa evolução e foi estranha ao romano. Tacteando e deduzindo até onde lhe permitiu seu limite, chegou a uma noção de justiça como a de Ulpiano: iustitia est constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi; ou de direito, ainda em Ulpiano: iuris praecepta sunt haec: honeste vivere, alteruan non laedere, suum cuique trib uere, idéia que Celso já transfundira no conceito mais vago do justo e do bem: ius est ars aequi et boni.

Discriminara o fas e o ius: o ius civile e o ius gentium em que a filosofia inserira o ius naturale; o ius publicum quod ad statum rei romanae spectat e o ius privatum – qui ad singulorum utilitatem pertinet.

Ao ius civile, ancião e majestoso, o ius honorarium, sob o influxo gentio, vai opondo exceções, ficções, concessões de utilidade, criando-lhe, sem abrogar, a flexibilidade conveniente ao progresso – emendas adiuvandi, supplendi, corrigendi causa, introduzidas por aqueles que foram a viva vox iuris civilis.

Finalmente, a jurisprudência confeiçoou a inteligência que dele nos ficou, pulindo e cristalizando, com aquela auto ridade fundamental que lhe foi dada: quibus permissum est iura condere.

Do formalismo ia emergindo o voluntarismo: da vontade sombra da palavra se iria passando à palavra como sombra da vontade. Celso dirá que scire leges non hoc est verba earum tenere, sed vim et potestatem. Digesto.1.3.17.

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31. Todo sistema jurídico está cheio de formalidade. Dominado de oralismo, o romano evolveu, sob a influência oriental, para o uso escrito, hoje vigente.

Em momentos antigos da evolução, a forma, corpo necessário, não teve maior valor, pois este cabia ao formalismo, à solenidade verbal. A marcha vagarosa do objetivo para o subjetivo constituiu paciente luta entre a expressão externa, sacramental, do direito, e sua expressão interna, contida na vontade.

Diz-se nas Doze Tábuas: o que a língua falou seja o direito: uti língua nuncupassit ita ius esto.

Desligado de seu tempo, o dispositivo tem aparência normal de lógica, pois a língua fala segundo a abundância subjetiva de que tira a forma da vontade. Levado às entranhas do código decenviral, logo se vê, em reexame, estarmos em frente a um imperativo formalista, submissa a vontade ao feiticismo verbal, pois se a língua, emlapso, disser o que não pretendia, fica o declarante, por encanto, empenhado no engano.

Além disto, quem tinha seu direito, em vez de cometer à língua o cuidado de o exprimir – no campo relativamente livre do consenso vocabular e da opção estilística – era obrigado a cometer a seu direito o cuidado de descobrir a fórmula cativa, preestabelecida. Daí a urgência do perito, primeiro um sacerdote, mais tarde um jurisconsulto.

O sacerdote, como o raizeiro que compreendeu a força íntima da mezinha, conhece, intérprete dos deuses, a energia secreta, a simpatia vocabular da fórmula, do meio que a divindade aceita para solver questões humanas sim, mas substancialmente coradas na caprichosa vontade dos entes sobrenaturais. Na progressiva laicização depois advinda, será o jurista quem arma, arte complexa, a coincidência do objeto jurídico e da fórmula de processo, que a rotina cristalizou.

Em tal regime havia de ser natural que a vontade não enchesse toda a fôrma ou não coubesse toda nela. Na deficiência ou no extravasamento iam os matizes da desproporção, ia o desgosto subjetivo, sofrendo ao longo da evolução, até que o direito o recebesse como elemento do negócio jurídico.

In principio erat verbum, escreveu Ihering, parodiando o evangelista. "À frente da história do direito poderia gravar-se esta epígrafe: in principio erat verbum. A palavra, quer escrita quer solenemente expressa, aparece nos povos jovens com um tanto de mistério, a que a fé ingênua atribui força sobrenatural. Em parte alguma, porém, essa crença foi tão profundamente sentida como na antiga Roma. O culto da palavra domina em todas as relações da vida pública e privada – na religião, nos costumes, no direito."

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32. Já nos referimos à misteriosa energia das palavras, quando conjugadas em fórmula sábia e recitadas em conveniência com o ritual prescrito. Sua magia anfitrópica é ímã para o bem, sua capacidade apotrópica afasta o mal, protege homens e lugares, como faz a inscrição contra incêndio na parede da casa.

Foi, de certo, a crença na virtude apotrópica a inspiradora de uma inscrição funerária onde se lê: huic monumen to dolus malus abesto. Que o dolo mau seja mantido longe desta sepultura. Curioso voto este, mui parecido com a clausula doli da estipulação, em que o pretor prevenia o engano doloso, a intenção de lesar, chamada dolus malus: dolum malum abesse adfuturumve esse.

A simpatia vocabular é uma herança ariana, envolvida no tabu das mil coisas proibidas e impostas, que alguém pode ou não pode ver, tocar, fazer, de tal ou tal modo.

Os dias são fastos ou nefastos, propícios ou não propícios ao exercício de atividades religiosas ou jurídicas. A categoria social do indivíduo limita sua liberdade, segundo o rigor da pureza em que há de viver. Um sacerdote de Jove, o flâmine dial, não toca em fava nem cavalo, não anda numa vinha, não usa anel senão rachado.

A força que têm as palavras é maior do que a vontade. Uma enunciação mecânica é suficiente, nem é preciso invocar, basta evocar, segundo a história do lupus in fabula: pronunciado o nome do lobo, em conversa, está aberto o risco de ele subitamente aparecer.

Assim como hoje, em sociedade, a metáfora e o circunlóquio rodeiam a noção, cujo nome direto se evita, por indecente à urbanidade – desde os povos antigos havia nomes não proferidos, nomes infelizes, produtores de desgraça. Dentro da unidade glotológica indo-européia, notaram os lingüistas que é difícil rastrear o apelido de certos animais e noções, pois segundo imaginação peculiar o povo, cortando o perigo da nomeação direta, disfarçava a referência nas alusões veladas, descritivas, munidas de intenções criptonímicas. Um animal perigoso como o urso tem sua designação variada pelo disfarce. Entre os nórdicos, por exemplo, seu nome é "o pardo" – que isto quer dizer a raiz de que o inglês tirou a palavra bear. Não existe um vocábulo indo-europeu com que nomear a lebre, animalejo de má simpatia, azarento. O nome latino lepus é de origem mediterrânea.

Enquanto a idéia "direita" – idéia do lado bom – apresenta irradiação normal, a idéia "esquerda" – idéia do lado mau – aparece contida em vocábulos que variam, sem comunidade temática, auxiliados por sinonímia evasiva, como laevus, scaevus, sinister. E é interessante frisar que a tradição românica prosseguiu na fuga: as palavras esquerdo, gauche, canhoto, não são latinas. Sinister, querendo dizer esquerdo, chegou às negras cores do sinistro. Esquerda, que incorporou o primeiro sentido de sinister, vai desgarrando, em corrida semântica, para os extremos do indesejável.

É sabido que o povo simples guarda esta precaução pavorosa, ou simpática, no uso de certos nomes. Assim, o diabo é diacho, cão, sujo, canhoto, capeta, tinhoso, pé-de-pato, pai-do-escuro, etc, para aqueles que lhe temem o nome diabo. O saxão puritano criou o juramento by Gosh, a fim de não jurar by God.

Aliás, com relação ao formalismo, o inglês é o povo que mais se parece com o romano antigo.

Apresentaremos dois exemplos, um tomado a Gaio, outro apresentado por Ihering.

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33. Diz Gaio no Comentário Quarto: As ações de uso entre os antigos eram chamadas legisações – ou porque fornecidas em lei, e então os editos do pretor, introdutores de muitas ações ainda não estavam em uso – ou porque tinham de estar acomodadas às palavras da lei, tão imutáveis como nela se continham. Quem movesse uma ação de vinhas cortadas, mencionando vinhas, tinha como resposta perder o negócio, pois havia de mencionar árvores, que assim está na lei das Doze Tábuas, reguladora do caso, onde não se fala em vinhas, mas em árvores cortadas – Unde eum qui de vitibus succisis ita egisset ut in actione vites nominaret, responsum est rem perdidisse, cum debuisset arbores nominare, eo quod lex Duodecim Tabularum, ex qua de vitibus succisis actio competeret, generaliter de arboribus succisis loqueretur (l 4.11). Portanto, se Numério Negídio, em hora talvez erma, talasse o vinhedo de Aulo Agério, por vingança ou fome de lucro ilícito, Aulo Agério, com todo o seu direito, perdia a clamação dos danos, se os pedisse de vinhas depredadas, viti bus succisis, pois o caso era de árvores cortadas, arboribus succisis.

O episódio inglês narrado por Ihering informa-nos que, vedando uma resolução do Parlamento ingerir bebidas espirituosas em dia de domingo, Lordsday, um contraventor, foi absolvido, ou melhor despronunciado, porque o texto da de núncia o acusava de ter cometido a falta em Sunday, O utro dispositivo do Parlamento determina que "os erros de ortografia acarretam nulidade do processo".

Mesmo entre os romanos, porém, o tempo mudara o espírito. Algumas páginas adiante do seu exemplo, Gaio de clara que as legislações caíram em antipatia porque a nímia subtileza dos antigos fazia perder uma lide pelo mínimo cometido. – Sed istae omnes legis actiones paulatim in odium venerunt: namque ex nimia subtilitate veterum, qui tunc iura condiderunt, eo res perducta est ut vel qui minimum errasset litem perderet (4.30).

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34. Era o direito naquele grau sensível, exterior, visível, tangível, de que fala Ihering. Disposto segundo as coordenadas do formalismo e da concretividade.

Da importância das palavras testemunha o código decenviral em mais de um passo, que a interpretação moderna configurou em artes de magia, quais malum carmen incantare, fruges excantare, segetem pellicere.

Malum carmen incantare era invocar a desgraça contra alguém, recitando-lhe uma espécie de reza brava, preparan do-lhe algum despacho verbal. Era crime execrando, san cionado com pena capital.

Fruges excantare era usar de receitas verbais poderosas, capazes de fazer secar uma seara alheia. E segetem pellicere era solicitar a plantação, também por palavras mágicas, a que passasse de um para outro campo.

Há um texto misterioso – e isto não é novidade nas Doze Tábuas – que diz: Cui testimonium defuerit is tertiis diebus ob portum obvagulatum ito. Traduzem alguns autores: aquele a quem falte testemunho, vá por três dias e pleiteie, gritando, em torno da casa. Assim está em Bonfante. Festo, citado em Forcellini, interpreta: h. e. tribus continuis nundinis eat ad domum adversarii sui ibique obversetur et cum clamore et convicio sua repetat. Arangio-Ruiz interpreta o dispositivo como sendo de magia lícita, direito de sanção que tinha o prejudicado contra quem negasse testemunho, recitando-lhe à porta, em altas vozes, fórmulas invocadoras dos poderes dos gênios maléficos. Assim entendeu o professor de Nápoles o ir gritar ante a porta – ob portum ohvagulatum ire – o co: vício e clamor que Festou achou.

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35. Tal momento, na evolução, corresponde a uma abundância vistosa de símbolos, a uma linguagem de espírito na infância. É uma escritura hieroglífica, diz Ihering, en quanto não se encontra a alfabética da representação abs trata.

Depois do esquecimento etimológico, perduram resíduos: o trigo chamado far dando nome à confarreatio, o ritual per aes et libram, a pederneira que servia de imolar o cerdo nos sacrifícios, a busca lance et licio...

A busca lance et licio, busca de objeto furtado, é de uma pitoresca e misteriosa formalidade. Gaio encena-a rapida mente depois de nos explicar o que é furto guardado (conce tum), furto oferecido (oblatum) e furto impedido (prohibitum). No furto impedido – furto que o suposto guardador impedia buscar – é que se dava a busca lance et licio, isto é, feita por homem nu, cingido de tanga, prato na mão: qui quaerere velit, nudus quaerat, licio cinctus, lancem habens (3.192).

Assim era a busca lance et licio, também chamada lance et linteo, conforme leitura preferida entre modernos, a julgar pelo recente Breviarium iuris romani (1943).

A tradução pacífica de lance é prato; mas licio discute-se. Licium é cordão, fio, fita. Na expressão referida, o DEL de Ernout-Meillet traduz licio por caleçon. Saraiva entende lance et licio por prato e braga. A tradução espanhola de Arangio-Ruiz diz en camisa, o que parece infidelidade, pois o rito era de homem nu – nudus quaerat. Paulo Diácono, apud Forcellini, explanava: Nudus intrabat, ne rem furti vae similem sub veste habere videretur, sed propter matrum- familias aut virginum praesentiam licio seu linteo virilia tectus erat. Ihering comenta esta busca em duas notas. Infelizmente só temos à mão, do Espírito do Direito Romano, uma tradução brasileira que, por muito ordinária, deve ser muito infiel. Para lance et licio, o texto indígena fala em "escudela" e "avental de couro" (!).

O texto de Gaio duvida: Quid sit autem linteum (licium) quaesitum est; sed verius est consuti genus esse, quo neces sariae partes tegerentur. Além disto, já não compreendendo o porque de tão estranho ritual, acrescenta que é tudo mui ridículo: quae res tota ridícula est.

Preferimos tanga; lance et linteo – ou lance et licio – será busca de prato e tanga.

Gostaríamos de encontrar uma explicação psicológica de tão exquisita cerimônia, mas só conhecemos a interpretação lógica, menoscabada, com razão, por Gaio. É a que está em Paulo Diácono. O aparato ou desaparato servia de impedir que o perquirente escondesse consigo um objeto igual ao furtivo. Para isto vai nu, apenas recobrindo, propter matrum - famílias aut virginum praesentiam, aquelas partes que uma tanga esconde, aquelas "de quem vergonha é natural reparo", como diria o Camões.

Deixaremos o caso, não antes de anotar que a dúvida de Gaio nos parece um glossema. Quid sit autem linteum quae situm est. Precisaria Gaio de perguntar o que fosse linteo, um pano linteo ou líneo, um lenço? Estamos porventura ante mexida de copistas. Segundo a preferência moderna, lê-se no texto linteo cinctus. Se imaginássemos a leitura licio cinctus, introduzido vocábulo mais raro, seria possível imaginar também que um escriba curioso glosasse: quid sit autem licium quaesitum est, etc., num glossema que depois se incorporasse ao texto.

Licium tem a seu favor o argumento de ser palavra que teve uso mágico: habet saepe usura in incantamentis, como se vê de exemplos tomados a Virgílio, Petrônio, Ovídio, Plínio, segundo nos informa o Forcellini. Quem sabe se estaria aqui a porta ou fresta por onde se entrar no valor simbólico do velho ritual lance et licio?

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36. Num regime dominado pela magia vocabular, a exigência miúda atingia inesperados pormenores. Vejamos o rigor de gênero com a palavra ovis. Segundo uma tradição do velho critério genérico indo-europeu, ovis era masculino ou feminino, conforme o eram também os nomes agnus, bos e sus. A importância gregária da fêmea fixou para ovis o gênero feminino. Entre as penalidades patrimoniais havia a que constava de uma ovelha, multa mínima. Quem a reclamava, porém, era obrigado a dizer um ovelha, unus ovis, no masculino; arruinava seu direito, dizendo una ovis. Nisi eo genere diceretur, negaverunt iustam videri multam, como depõe Varrão.

Relembremos que era nula a sponsio negociada em boca de peregrino, que não podia conjugar o verbo spondere, como nula seria, traduzido este em grego.

Vem-nos à mente um pormenor de sacralismo idiomático referido por Manuel Severim de Faria, escritor lusitano do século dezessete. Elogiando o amor da língua pátria escre ve ele: Os príncipes otomanos têm tanto respeito à sua que as promessas que não hão de cumprir mandam dar em língua estrangeira e as que hão de observar, na própria.

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37. A distinção entre direitos de senhorio e direito de obrigação foi um grande progresso jurídico, no primitivo mundo em que o eu está no pater, chefe supremo de seu clã, e o não-eu, para além da família pecuniaque, se projeta na esfera dos deuses ctônios – diariamente sensíveis no culto doméstico – e na dos deuses da luz, dos astros, da germinação, das intempéries, das forças naturais. São misteriosas entidades que propiciar, que bem dispor, que aliciar – diante ritos, sacrifícios, simbolismos, simpatias, fórmulas infinitas, religião de gente piedosa.

No seu livro Ends and Means, Aldous Huxley delineia retrato de uns índios pueblos quee olham como crime ser ambicioso ou querer ser importante. Entre eles não há Hitlers nem Kreuggers, Napoleões nem Calvinos. Esta aparência de paraíso levantaria inveja nas almas dos que vivem dentro de nosso mundo ocidental, torturado pela angústia da riqueza, da glória e do poder. Entretanto, virada a medalha, o autor nos mostra aquela gente absolutamente esmagada sob o fardo da tradição religiosa, amarrada a tudo que é antigo, aterrada por tudo que é novo e não familiar, gasta quantidades enormes de tempo e de energia nos ritos mágicos e nas fórmulas intermináveis.

Esse reverso de medalha faz pensar no romano antigo. Mas enquanto o pueblo se fechou no seu limite evolutivo, o romano, ao impulso de sua destinação histórica, soube criar uma civilização, um direito. Desde o interior socialmente fechado de seu clã, desde seu hortus – vocábulo que primeiro significou recinto murado e depois um jardim – o pater vai abrindo vias que levam, comunicativamente, a outro pater, na rude transação formal dos primeiros ensaios, cheios de firmeza campônia, envolvidos no escrupuloso cuidado das atestações divinas e humanas.

Os bens de seu valor são a terra, o escravo, o boi, o cavalo, o asno. São res mancipi, coisas que agarra manualmente, em gesto de domínio. E há ainda a passagem, a via para si e para a água da lavoura, e para os produtos de seu campo. As outras coisas têm menos importância, objetos de menor grau transativo, res nec mancipi. – Omnes res aut mancipii sunt aut nec mancipii. Mancipii res sunt praedia in italico solo, tam rustica qualis est fundus, quam urbana, qualis est domus; item iura praediorum rusticorum veluti via iter aquaeductus; item servi et quadrupedes quae dorso collove domantur, veluti boves muli equi asini. Ceterae res nec mancipii sunt. (Ulpiano).

A coisa de mancípio é a coisa que lhe vale o gesto de pegar, mancipare, manu capere. É um gesto ritual, simbólico, testemunhado, jurídico. Agora é gesto o que fora, outrora, ato violento, numa hora torva, ariana ainda, em que a fereza declinava confusamente o meu e o teu, ajuntando-lhe desinências de força. Hoje o romano toma erilmente a coisa, mancipat, e diz com direito – res mea est.

O vocábulo mancipium, antigo, foi cedendo lugar sinoní mico a dominium – ligado a dominus, oposto a servus, proce dente de domus, casa. Dominus é o senhor da casa, cognato semântico do grego despótes, dems-pot. Bem mais recente, imperial, é o vocábulo proprietas, que faz pensar em individuação, em pertença.

No volver dos tempos, com a expansão geográfica, a vontade de poder estará corando orgulhosamente a noção do domínio, a ponto de os intérpretes a resumirem, depois, naquele ius utendi et abutendi, da conhecida expressão.

O senhor dispõe à vontade do que é seu, inclusive mulher e filhos. Ele é um árbitro e destinador de sua coisa – suae rei moderator et arbiter. O direito sobre o domínio fundiário abre-se até o céu e até o inferno – usque ad caelum et ad inferos, como reza enfaticamente uma expressão.

Sua melhor riqueza é o gado, o pegulhal, como se disso outrora. Na cria, o valor de mobilidade ajuda o primeiro comércio: daí a palavra pecunia, dinheiro, e a palavra peculium, cabedal, conterem o sematema pecus, cabeça de gado.

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38. Se quer negociar alguma coisa de mancípio munfundo, um servo, um animal de tiro – o romano faz dele venda, mancipatio, com imponente cerimônia, um rito civil de que são indignos o peregrino, o cliente, o escravo. De primeiro, o emptor mancipi fazia pesar ao vendedor o preço da mercancia. Era no tempo em que o valor cambial tirava sua referência do aes rude, o cobre grosso, fundido em barras sécteis. A unidade era o as libralis, com o peso de uma libra, libra pondo. Um pedaço de cobre era raudus ou rudus, cujo diminutivo era raudusculum. Em tempos vizinhos da primeira guerra púnica (264/241), o dinheiro amoedado, parece, começou a circular, em peças de prata.

A mancipatio conhecida pelos romanistas vem já esvazia da de sua realidade, ato residual, imaginaria venditio, que a mesmice conservou, em solenidade capaz de invejar um britânico. Estão presentes cinco testemunhas, cidadãos romanos, púberes. Está o pesador ou libripende, com a balança ênea e o raudúsculo. Está o alienante, o adquirente. Está a coisa, talvez um servo. Segurando esta, diz o emptor, mui sabedor de sua fórmula: Declaro meu este homem, pelo direito quirício, e seja ele como comprado com este cobre e esta balança ênea: Hunc ego hominem ex iure quiritium meum esse aio isque mini emptus esto hoce aere aeneaque libra. Então o libripende lhe ordena: Fere a balança com o raudúsculo; raudusculo li bram ferito. Executada a ordem, o adquirente entrega a peça ao alienante, como símbolo do preço, em uma transação que, toda, se fizera fora dali. Mas era sacramento indispensável, como transcrição num registro de títulos.

Eis o que dissemos, em Gaio 1. 119: Adhibitis non minus quam quinque testibus civibus roimanis puberibus et praeterea alio eiusdem condicionis, qui libram aeneam teneat, qui appellatur libripens, is qui mancipio accipit, rem tenens ita dicit: Hunc ego hominem ex iure quiritium meum esse aio isque mihi emptus esto hoc aere aeneaque libra. Deinde aere percutit libram idque aes dat ei a quo mancipio accipit quasi pretii loco.

Entre as mancipações ou vendas, havia uma chamada compra, coemptio, por que marido e mulher se compravam. Coemptio e usus, repara Fustel de Coulanges, não eram formas de casamento, como por aí se repete, mas tão só meios de conseguir autoridade marital e paterna, chamada manus.

Agora nos interessa o formalismo. Na cena em que se invicem coemebant, dizia ele: Visne mini esse materfa milias? E ela dizia: Visne mihi esse paterfamilias?

Conta Varrão, através de Nônio, que a mulher levava três asses para esta cerimônia: o que tinha na mão, dava ao marido como preço de sua compra: o que trazia no pé, colocava na lareira, in foco Larium: o que estava no saccipério csacola, ia deixar na encruzilhada vizinha, in compito vicinali (Forcellini).

Possivelmente o depositasse em algum sacellum, um lugarinho sagrado, uma espécie de capela, que havia nos encontros viários, nas esquinas da cidade.

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39. Ao lado da mancipação havia outro negócio também só conhecido em seu aspecto residual, uma lis imaginária chamada in iure cessio – cessão em tribunal, ante o pretor.

Estávamos querendo dizer cessão no pretório, porque o tribunal é o do pretor, mas acontece que só na província tinha nome de praetorium o dicastério, desde onde o pretor distribuía a justiça. Praetorium, em Roma, era vocábulo castrense, pois era a tenda do general. Ir ao tribunal era in ius ire; ceder no tribunal, in iure cedere.

A jurecessão deve ter começado para coisas incorporais – manumissão, adoção, tutela. Depois se fez também em coisas de mancípio. Realizado o negócio, os autores ou atores iam ao pretor representar uma cena, em que o adquirente, sob aprovação do alienante, recitava a fórmula da vindicação: Hunc ego hominem ex iure quiritium meum esse aio. E o pretor adjudicava a coisa ao declarante.

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40. O regime legisacional, estreitamente formalista, foi o regime do antigo processo romano. Havia a ação de sacramento, a de postulação de juiz, a de emprazamento (denunciação da lide), a de apreensão manual, a de tomada de penhor. Lege autem agebatur modis quinque: sacramento, per iudicis postulationem, per condictionem, per manus iniectionem, per pignoris capionem. (Gaio, 4.12).

a) A ação de sacramento era geral. Começava com uma vindicação perante o juiz. Se a coisa reclamada era móvel, estaria presente. O vindicante segurava na mão a vindicta ou varinha, também chamada festuca. Agarrava a coisa e dizia: Hunc ego hominem ex iure quiritium meum esse aio secundum suam causam; sicut dixi, ecce tibi vindictam im posui. E tocava o objeto com a varinha. O contrário vindicava com o mesmo rito. Dizia então o pretor: Mittite ambo hominem. E eles largavam o homem. Perguntava aí o primeiro vindicante: Postulo anne dicas qua ex causa vindi caveris. Respondia o outro: Ius feci sicut vindictam impo sui. O primeiro vindicante: Quando tu iniuria indicavisti quingentis aeris sacramento te provoco. Respondia o outro: Et ego te. Finalmente o pretor constituía um deles possuidor, mediante garantia da lide e das vindícias, i. é, da coisa e dos frutos. (Cf. Gaio. 4.16) – Usavam uma varinha, explica o nosso institutor, em substituição da lança, antigo sinal para um domínio de direito, pois acreditavam ser donos, principalmente, do que tonavam ao inimigo. Festuca autem utebantur quasi hastae loco, signo quodam iusti dominii, quod maxime sua esse credebant quae ex hostibus cepissent.

b) Na postulação de juiz dizia o autor: Ex sponsione te mihi decem milia sestertiorum dare oportere aio; id postulo aias an neges. Negando o adversário, dicebat non oporter e, o autor continuava: Quando tu negas, te praetor iudicei postulo uti des.

Nesse tipo de ação, podia um negar sem sacramento: sine poena quisque negabat. (4.17).

c) A condictio era um emprazamento de trinta dias, para receber juiz; era uma denunciação da lide: condicere autem denuntiare est prisca lingua, informa Gaio.

Ita agebatur: Aio mihi sestertiorum decem milia dare oportere: id postulo aias an neges. Negando o adversário dizia o autor: Quando tu negas, in diem tricensimum tibi iudicis capiendi causa condito.

No trigésimo dia, deviam estar presentes. (4.18).

(d) O deitar mão no devedor, manus iniectio, era apreensão manual que a lei das Doze Tábuas permitia quando ele faltava ao decidido em juízo. Quando tu mihi iudicatus sive damnatus es sestertium decem milia, quandoc non solvisti, ob eam rem ego tibi sestertium decem milium iudicati ma num inicio.

Dizendo assim, o autor agarrava uma parte do corpo do outro.

O devedor não podia repelir o gesto; podia sim oferece um fiador, um víndice, vindex; não oferecendo, era levado à casa do credor e encadeado, vinciebatur.

e) Gaio nomeia casos em que era permitida a tomada de penhor, mas não nos descreve o rito. Tinha sua fórmula solene: certis verbis pignus capiebatur. Para uns era legisação, mas para outros não o era, por falta de certos requisitos: 1. não se fazia ante o pretor; 2. podia ser na ausência do adversário; 3. podia ser em dia nefasto, id est: quo non licebat lege agere.

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41. Todas essas legisações caíram em desagrado, in odium venerunt. A nímia subtileza dos que fundamentaram o direito fazia perder a lide, ao mínimo erro: vel qui minimum errasset litem perderet. A lei ebúcia e, depois, duas leis júlias assentaram definitivamente o processo chamado formular, per formulas, per verba concepta.

Ao formalismo sacramental e estrito sucedeu assim o formalismo flexível, arma de que se valeu o pretor, sob a pressão comum das transformações sociais e sob a ação cosmopolitizante do espírito gentio, para ir derrogando a orgulhosa e hierática sacralidade do ius quiritium.

Para isso foi criando fingimentos. Assim: na ação publiciana, quando alguém recebera coisa de mancípio mediante simples tradição, ou recebera a non domino, o magistrado concedia-lhe o fingimento de usucapião: garantia a posse da coisa como se houvesse decorrido o prazo prescriptivo. Na ação serviana, o comprador dos bens procedia como se fosse herdeiro – ficto se herede; na ação rutiliana, o fingimente era parecido, com relação ao comprador dos bens de pessoa viva; nas ações de furto, decretava-se ficção de cidadania do peregrino; em casos de dívida, era concedida ficção de não capitis deminutio por coempção ou adrogação.

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42. Um dia o romano, senhor absoluto de sua família e sua pecúnia, que vende seu escravo ou seu boi, descobriu que podia explorar o valor comercial de sua pessoa.

A idéia podia ter vindo da experiência penal com que o interesse ia resolvendo a satisfação do delito. Rezava a lei das Doze Tábuas: Si membrum rupsit ni cum eo pacit talio esto: se lhe rompeu um membro e não pactuou com o ofendido, seja o talião (sofra o mesmo prejuízo físico que causou). O pactuar com a vitima, pagar, dar-lhe a paz roubada com a ofensa corporal, em vez de ser em bens, poderia ser em trabalho, em serviço prestado. Poderia ter vindo daí a inspiração de algum necessitado: servir sem obrigação penal, servir ao credor a troco de um crédito, como quem servia por pagar em trabalho o que não pagara em moeda.

A matéria do nexum é muito escura e muito mal explicada nos tratadistas. Perguntam se era automancipação a prazo ou se era tão só autopignoração.

O que sabe a história, na dramatização de Tito Lívio, é que o regime teve larga voga. Dele se valiam, interesseiramente, os patrícios, com um intuito que ia além do anatocismo: escravizar socialmente a plebe, garantir monopólio político. A situação chegara ao limite das coisas incomportáveis. O povo, abafado, um dia extravasou num episódio que moveu o Senado.

Conta Lívio que Lúcio se achava sob domínio, em nexo, de um credor a quem o pai o dera em garantia. Escapando-lhe à maldade, Lúcio foi exibir na praça o corpo lanhado por tratos feros. Então o povo se foi ajoelhar aos pés dos senadores, exibindo-lhes aquela crueldade e desgraça, pedindo providências. Daí por diante foi que passaram os bens, não mais o corpo, a responder de uma dívida: pecuniae creditae bona debitoris, non corpus ohnoxium esse. Dispôs assim a lei petélia papíria.

"A verdadeira origem da obrigação moderna está referida, no direito romano, a uma data mui precisa, a data da lex poetelia, dada no ano 326 a. C." (Bonfante)

Difundiu-se o regime da sponsio, bem mais humano, pois o nexo constituía escravidão atual, enquanto a sponsio era uma promessa de servidão, no vencimento insolvente.

A resposta dos bens era forte, pois se licitava o patrimônio em bloco, arrematado por quem melhor compensasse o credor, sucedendo o bonorum emptor ao liqüidado. Com o tempo, a bonorum venditio foi substituída pela bonorum dis tractio, até satisfação do credor.

Chegara-se a uma distância notável do que dispunham as Doze Tábuas, quando o insolvente era conduzido ao cárcere particular do credor e peado com cadeias de quinze libras: nervo aut compedibus quindecim pondo. Teria fama de humano o que as empregasse mais leves: aut si volet mi nore vincito. Ao fim de três núndinos – três períodos de nove dias, o ciclo de três mercados – se não aparecia um víndice que o resgatasse, o infeliz era vendido além-Tibre ou supliciado de morte. Se o crédito era pluralício, os credores, entre si, repartiam o cadáver. Tertiis nundinis partis se canto. Não era fraude cortar a mais ou a menos. Si plus minusve secuerunt se fraude esto.

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43. Fora assim a lenta emergência do ius in rem, desprendendo-se do ius in re, do direito das obrigações a destacar-se do direito real.

Acostumado à satisfação direta que lhe dá o patrimônio; alimentado no rude ciúme do que tem, ao pater, naquele momento dilucular tão pouco iluminado, custa-lhe admitir respeito maior à pessoa do devedor. Se um dia trocou por ele, penhor, a parte em que se lhe desfalcou a pecúnia, também julga assistir-lhe a faculdade segura de o ter à vontade, mo derator atque arbiter suae rei. A pessoa do devedor era igual à quantidade por que o trocara, talvez de menos preço, no cálculo da utilidade. Eram duas quantidades fungíveis. Ressomada ao patrimônio, a pessoa trazia a reintegração ideal.

Entretanto, é curioso e notável o silêncio dos depoimentos com relação ao direito de corte, garantido por aquele dispositivo de açougueiro. Não nos consta um exemplo de credor, qual outro Shylock, a retalhar livremente as suas libras na carne daqueles muitos Antônios, apesar da tolerância proporcional de que não gozou o tipo shakespeariano.

Tais notícias, porventura, não se dão ou se perdem. Não nos faltam, porém, informações sobre o uso de seqüestrar cadáveres de devedores, coisa praticada ainda no quarto século de nossa era.

Foi nascendo o direito das obrigações, primeiro enleado no absolutismo domínico. Sua dureza inicial vem acusada no valor etimológico dos vocábulos obligatio, contrahere e solutio.

Obligatio, além da inteligência física suposta no semantema de ligatio, contém um elemento de ênfase no prevérbio ob-: ob-ligatio é ligação forte, apertada. Em contrahere obligationem, o verbo contém a idéia de puxar, mover, no ato de ligar. Se obligatio é a ligação, ato de amarrar, solutio é desvencilhamento, ato de soltar. Solutio é cognato de solvo e contém, representando o esforço liberatório, o prevérbio dc afastamento que se encontra em secerno se-cerno, seiungo se-iungo, seditio sed-itio etc., elemento que funciona como preposição no se fraude esto. Solvo so-luo já exprime, no semantema, a idéia de soltar, como no grego lúo, eu desligo.

No espírito de erilidade e na sugestão material do vínculo se compôs aquele conceito grosso e antigo, de obrigação. Era pessoal. E tão pessoal que não passava ao herdeiro, como se sabe da sponsio. Tão pessoal que dela se tirou a conseqüência de seqüestrar o cadáver do devedor, pois era dele pagar, com o corpo, ainda que defunto.

Com o progresso, o formalismo sacral da sponsio irá cedendo à stipulatio gentia. O direito eril, como ius in re, irá compreendendo melhor o ius in rem, adoçando o laço obrigacional, deixando crescer a pessoa no devedor, em conta mais humana. Um dia Florentino, contemporâneo de Gaio, apresentará uma definição assim: obrigação é vínculo jurídico por que nos adstringimos à prestação de uma coisa, pelo direito de nossa cidade: obligatio est iuris vinculum quo neces sitate adstringimur alicuius solvendac rei, secundum nostrae civitatis iura. (Cf. Justiniano, Instutiones. 3.13).

Ela contém os elementos da moderna concepção: dois sujeitos, vínculo, objeto.

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44. Sob o influxo do direito gentio e do tempo, que transmuda, o direito romano tem sua marcha assinalada pela simplificação do formalismo. A stipulatio vence a sponsio, a traditio tomará o lugar da mancipatio e da in iure cessio.

Muito antes, porém, de tais acabamentos, já se realizava, na intimidade do ius civile, entre a vontade e a forma, uma luta de conseqüências definidoras.

Tal antagonismo foi provocado pelo direito gentio e nutrido pela progressiva cosmopolitização.

Enquanto o direito nativo, solenemente armado em ritos de que emergia o efeito jurídico, trazia à cola a vontade – o direito gentio, desobrigado e plebeu, criava formas para a sua vontade.

No encontro do formalismo romano com a plasticidade gentia, nossa visada lógica propende à simpatia desta, lobrigando nela a racionalidade que se busca, louvando-lhe a matutina consonância viária com o jeito de hoje, ao acentuar a vontade substantiva junto à forma adjetiva.

Não nos esqueçam, porém, dois reparos: foi o mesmo romano quem amoldou a plasticidade do direito gentio. Foi também o formalismo tradicionalista que permitiu consolidar, por estrutura cristalizada, um direito criado em momento incerto e menos denso, da evolução humana.

A forma, notou bem Ihering, é, para os atos jurídicos, feito o cunho para a moeda. Seu mecanismo, sua pertinaz linguagem de símbolos, é uma obra de arte do espírito jurídico, é uma glória de quem a criou.

Aos homens incultos, observa Declareuil, muito lhes custa perceberem o instante em que a vontade se determina. Carecem de emblema sensível, espelho em que ela se reflita, projetada fora do sujeito, presa a um claro sinal, mais forte que as subtilezas da dúvida.

Na ordem tranqüila e férrea de suas legiões, bem como no imperium de seus magistrados, Roma transportava a substância da regra que impunha aos vencidos, imagem transigente da construção doméstica, dinamização extensiva do seu direito. Organizando o mundo à própria imagem e semelhança, ela foi original. Não teria quem imitar, se não Alexandre. Mas sua vocação é dela. Além disto, é notável a qualquer, naquele tempo faltavam destas escolas. Estavam por surgir os teoristas da expansão, os doutrinadores da prerrogativa dos fortes contra os fracos.

Antes de Roma, a história conhece exemplos de uma dominação que é predatória e estipendiária. Com as legiões da Águia, entrava na província aquele direito e configuração cuja utilidade o povo da Urbe experimentara.

Na superação do espírito municipal, na abrangência ultralindeira do regime, esteve outra revolução genial, com seu germe do Estado moderno.

A intuição prática ia distribuindo em redor, num círculo que se alargará rumo à coincidência plenária de Caracala, em 212, o título de cidadania, com sua função de alma que vitaliza, na unidade e na coesão, o corpo enorme do Império.

Os romanos tinham consciência do ofício, e dele se orgulhavam, comparando-se ao grego a quem reconheciam diferente missão, no construir do mundo comum. Outros fundirão maciamente um bronze que parece respirar, ou conformarão no mármore fisionomias vivas. Serão melhores oradores, marcarão a compasso os caminhos do céu, determinando os surtos siderais. Tu, romano, lembre-te reger os povos com tua autoridade. Eis teus meios: determina leis à paz, poupa os submissos e debela os soberbos. – Excudent alii spirantia mollius aera... vivos ducent de marmore vultus / orabunt causas melius caelique meatus / describent radio et surgentia sidera dicent. / Tu regere imperio populos, romane, memento. / Hae tibi erunt artes: pacique imponere mores / parcere subiectis et debellare superbos. Virgílio. Eneida 6.847/853.

Modelando os povos, Roma sopesava-lhes os costumes vários, com o respeito de limites que a sabedoria ou a contingência inspiravam.

É de perguntar o que seria do direito, si tivesse faltado ou falhado este pormenor do programa imperial, entregue o ius ao amorfo conflito gentio.

E que seria ainda, se o ius quiritium, ante a pressão internacional do gentio, se houvesse desagregado, informe e subjetivo, na fraca densidade social daquele tempo.

À plasticidade do direito peregrino, o romano opôs outra plasticidade: aquele jeito de se adaptar, sem negar ou renegar o princípio civil. Aquela oportunidade das inovações pretórias, na viva vox iuris civilis que era o magistrado.

Essa plasticidade do direito honorário acomodou progressivamente o ius civile e o ius gentium. Este não seria o que Cícero abstraiu da filosofia helênica – um ius quod natura docuit – porém sim um código emergente, seqüência de adaptações com o peregrino, regradas por um pretor do direito não civil que era, antes de tudo, um romano.

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5. À medida em que a luz do amadurecimento ia clareando os desvãos formulares, povoados de magia pela imaginação feiticista, os laços vocabulares e rituais iam deixando ver a linha da vontade, entremostrada no começo da era clássica, no melhor esplendor do espírito romano, aquecido ao lepor helênico da dialética e da retórica, fontes da claridade e da elegância que via Cícero na jurística de Sérvio Sulpício.

O exemplo sempre referido é a causa curiana, um caso de substituição pupilar que deixou lembrança. Aconteceu durante a infância de Cícero, ali por 95 a. C.. Atuaram na causa dois gigantes – Lúcio Licínio Crasso, orador, e Quinto Múcio Cévola Pontífice, jurisprudente.

Gaio traz-nos um modelo de fórmula pupilar: Titius fi lius meus mihi heres esto; si filius meus mihi heres non erit sive heres erit et prius moriatur quam in suam tutelam vene rit, tunc Seius heres esto. (2.179).

A questão curiana surgiu do fato de um tal Marcos Copônio haver designado certo Mânio Cúrio para substituto pupilar, na herança, de um filho por nascer. Si filius mihi genitur isque prius moritur ... (Cícero. De oratore. 2.32).

Morre Copônio, não lhe nasce o filho imaginado e então Mânio Cúrio pede a herança, patrocinado por Crasso, enquanto os intestados se defendiam por palavra e arte do Pontífice.

Este, defendendo a fórmula, sustentava que se o filho póstumo não tinha nascido, o herdeiro substituto não existia. Crasso, porém, sustentava que a vontade do testador estava em ter um herdeiro – o filho, e na falta deste, o substituto pupilar.

Clarissima Manii Curii causa Marcique Coponii nuper apud centumviros quo concursu hominum, qua exspectatione defensa est, cum Quinto Scaevola, aequalis et collega meus, homo omnium et disciplina iuris civilis eruditissimus et ingenio prudentiaque acutissimus et oratione maxime limatus atque subtilis atque, ut ego soleo dicere, iuris peritorum eloquen tissimus, eloquentium iuris peritissimus ex scripto testamentorum iura defenderet, negaretque nisi postumus et natus et antequam in suam tutelam venisset mortuus esset, heredem eum esse posse qui esset secundum postumum et natum et mortuum heres institutus – ego autem defenderem hac eum mente fuisse qui testamentum fecisset ut, si filius non esset qui in suam tutelam veniret, Manius Curius esset heres. (De oratore. 1.39.)

... como eu defendesse ter estado na mente do testador que Cúrio fosse o herdeiro: cum ego defenderem hac eum tum mente fuisse qui testamentum fecisset ut Manius Curius esset heres.

Crasso ganhou a questão. Venceu, pois, o critério subjetivo da vontade, contra a objetividade formal que Cévola defendia.

Disse Antonio que isto conseguira o tribuno por sua eloqüência. Ganhara com sal, lepor e facécias: ac mea quidem sententia multo maiorem partem sententiarum sale tuo et lepore et politissimis facetiis pellexisti. (1.57).

Já nos referimos à agudeza racional com que se discute matéria jurídica neste tratado de Cícero. Era uma liberdade capaz de inclinar alguém à tese de Sokolowski.

Mas é possível que tenha sido aquilo um ponto alto da curva, o esplendor de um instante no milênio jurídico. E não nos esqueça a miséria do prêmio concedido ao livre pensamento. A saturação procelar já pesava nos horizontes. Os efeitos do desequilíbrio faziam tremer os alicerces da república, na indigestão social do Oriente. Se Crasso morrera em tempo, levado numa oportuna pleurisia, após um violento discurso contra o cônsul Filipe, entretanto o grande Cévola, juntamente com Marco Antônio, foram vítimas das proscrições marianas. O mesmo Cícero, então adolescente, quarenta anos mais tarde perderá a cabeça, negociada, estranha coincidência, entre o moço Otávio e o neto de seu admirado Marco Antônio.

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46. O direito romano continuou dominado por sua vocação de concreteza e tipicidade. Na ação inespeculativa está sua força. Na fórmula é que lhe aparece a vida. Ela é nele uma alma segunda, seu duplo, seu cá – o gênio de cada homem na superstição egípcia.

Em vez de interpretação, busca do que se quis, há um esforço de identificação da coincidência entre um ponto de referência e os pormenores do caso concreto. Em vez de teoria, casuística.

Se a fórmula se esvazia e o rito perde a transparência, ainda assim eles continuam, segundo aquele prudente amor da rotina em que se catalisa o poderoso ritmo da evolução.

Não haviam de desaparecer tão simplesmente os matizes da simpatia e realidade que a ciência etimológica rastreia, em palavras fundamentais da jurídica: actio, cedere in iure, coemptio, confarreatio, contrahere, fiducia, interdicere, iusiurandum, mancipare, habere nomen, ogligare, sacramentum, solutio, spondere, stipulari, vindicare, etc.

a) Actio, actus, agere, palavras de sentido geral, gene ralia verba, sempre guardaram o conteúdo de sua dinâmica e rito, feitos de movimentos e gestos consagrados.

b) De cedere – que para nós é ceder – basta lembrar que em latim era caminhar. A jurecessão, in iure cessio, anda caracterizada, nos manualistas, como o ato de ceder ante a vindicação do adquirente, consentido que o pretor lhe adju dicasse a coisa. Mas não podemos deixar de imaginar que tal consentimento, este cedere, devia ter simbolismo. Do mesmo modo que o adquirente, rem tenens, apontava ritual mente o seu direito, assim também a demonstração consen siva teria seu gesto, segundo manda crer o valor ambulatório de cedere.

c) Da coemptio já fizemos referência em outra parte. Era imaginária, mas fora real, fruto nascido da pátria potestade, nisto empregada, comumente, em certa hora arcaica da evolução, nos agrupados humanos.

d) A confarreatio era muito antiga. Devia ser anterior à civitas, herança de um comum legado ariano, pois seu tríplice rito muito se parece com o do himeneu helênico.O nome liga-se ao vocábulo far, pois a fase culminante estava no panis farreus, um pão de espelta ou – para que usemos de palavras moraisianas – uma fogaça de escândea. Era oferecida a Jove Fárreo, conforme depõe o Gaio: Quoddam genus sacrificii quod Iovi Farreo fit, in quo farreus panis adhibetur, unde etiam confarreatio dicitur. (1.112).

Precediam os esponsais, contractus stipulationum sponsio numque, em que o pai da noiva estipulava, e o pretendente prometia, ir a donzela a matrimônio: eam in matrimonium datum iri. – Traditio, deductio in domum e confarreatio eram os três momentos do casório. Abrangiam a entrega da nubente pelo pai, o cortejo nupcial com facho à frente, hinos, parada ante a casa do nubente, apresentação do fogo e da água, dedução da noiva, abraço, pelo noivo, através da porta, sem que ela tocasse no limiar, enfim, ante os deuses lares e as imagens ancestrais, um sacrifício, uma libação e o consumir do bolo fárreo.

Quando, no átrio, lhe apresentava ele água e fogo, ela dizia: Ubi tu Gaius ibi ego Gaia.

No rito grego, à hora da deductio in domum, gritava a noiva e fingia correr, também fingindo que a defendiam as donzelas do cortejo. Em Roma, um dos pormenores cerimoniais era três jovens não órfãos simularem que raptavam a noiva até a casa do noivo.

e) Já nos referimos a contrahere, obligatio e solutio. Ajuntaremos uma observação de Declareuil, tomada a Huvelin: em vocábulos como obligatio, nomen, damnatio, vê mais conteúdo que, por exemplo, em obligatio, a pura vinculação material. Conteriam intenções mágicas.

A proposição é aceitável desde a primeira vista. Seja bastante relembrar a importância da magia, tão grande que foi matéria da codificação decenviral. Por certo que tinha meios de invocar a desgraça contra o devedor infiel à obligatio um povo que acreditava na eficiência de um carmen ou fórmula capaz de deslocar colheitas e deuses, que vivia em busca de augúrios e até dos nomes os tirava, nomen omen, que nos recrutamentos começava a chamada por quem tivesse nome significativo como Valerius, que no recenseamento iniciava com o Lacus Lucrinus, por sua idéia de lucro.

f) Habere nomen, ter crédito, era estar preso ao credor, vinculado pela dívida. O credor, primeiro, é que habebat nomen, é que tinha o nome do devedor, e habere teve um sentido material, como pode imaginar-se no fato de sua raiz se confundir com a do verbo capere, agarrar.

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47. Mas não havemos de tentar aqui um dicionário de semântica e etimologia. Por mais leve e subtil que seja um vocábulo, sempre se lhe encontra, em fase anterior, algum instante sensível, de valor concreto. Como num grupo social, quando há progresso, a língua marcha em ascensão abstrativa.

A caminhada romana foi longa e batida, pés firmes na realidade. Sua vantagem foi poder refletir, mais fortemente que uma lua, a claridade solar que vinha da Hélade.

Na luta de desprendimento e libertação, entre o formalismo opaco de seu direito e a transparência luminosa do progresso racional, a plenitude clássica deu o passo conveniente ao tempo e ao meio. A vontade se irá soltando de seus enleios, definindo-se o animus: animus donandi, contrahendi, legandi, adimendi, novandi, etc. Papiniano dirá: In con ventionibus contrahentium voluntatem potius quam verba spectare placuit. (Digesto. 50.15.21).

Um dia Justiniano fez remover a poeira e cinza que três séculos haviam acumulado sobre o grande monumento, grande, mas prostrado e inútil. Reuniu-lhe os membros disjectos. Emanava deles uma tepidez vital. Na fungibilidade que lhes notou Savignv, corria uma seiva de constância dinâmica, uma firmeza de linhas, uma polaridade definida, uma harmonia solene, tudo a fremir ainda, sob os dedos dos homens de Triboniano.

Estranha inspiração a desse príncipe de ancípite virtude, princeps ancipitis virtutis, esse Imperator Alamannicus Francicus Germanicus Anticus Alanicus Vandalicus Africa nus etc. etc.! De oeste, recebia os ecos da fermentação inquieta de um império que se esbarrondara, sob a trotada fera e dura dos germanos. Junto às fronteiras de seu Oriente, o alarido dos citas e a audácia dos sassânidas. Em casa, a mediocridade aparatosa, de luminosidade suspeita, na sua bizantinice essencial, entre as intrigas da imperatriz Teodora, dos azuis e dos verdes, dos ruaceiros, dos heresiarcas... E o predestinado homem achou tempo e jeito de conquistar a glória, alevantando, na chatice morna e crepuscular de um poente sem graça, o farol do Corpus Iuris, que os séculos reacenderiam, para iluminar o Ocidente!

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48. Assim foi o romano conseguindo:

(1) uma visão prática, distintiva entre o direito de senhorio, absoluto, eficaz contra todos – erga omnes – e o direito de obrigações, direito relativo a determinada pessoa, com a lenta evolução da resposta corporal para a resposta patrimonial;

(2) a instituição formular, humanizando progressivamente um direito sacerdotal, enleado em mistérios sancionais e palavrório mágico, pois a fórmula, abrandado o calor supersticioso da oralidade total, abriu caminho à flexibilidade paciente com que o pretor adaptava aos tempos o direito, sanando males de um intolerável arcaísmo;

(3) a sabedoria pretória, que emendava o hieratismo civil sem o abrogar, fazendo valer o que não valia quiritariamente, criando, sob a pressão social, um direito que não podia criar, sancionado, após um precedente, pela sagrada força da rotina, chamada mos;

(4) a infatigável ação dos prudentes, que assediavam o pretor e assessoravam o juiz com as subtis e agudas interpretações, entrando nelas, através do aperfeiçoamento intelectual, a evolução purificadora em que se cristalizaram os elementos da grande construção. Sob o Império, mudado o regime, Augusto soube confiar à guarda de tais sacerdotes o precioso legado. Se o pretor foi a viva vox, os jurisconsultos foram os conditores iuris civilis;

(5) a contribuição de simplicidade, lenta e parca, do direito peregrino, cuja heterogênica, na sua profanidade e amorfia, permitiu a configuração não solene, a forma nua bastante para que se exibissem as linhas da vontade. Houve contaminação inevitável, hahilmente canalizada pela flexibilidade pretória;

(6) a marcha rumo ao termo do voluntarismo jurídico, escura luta entre a formalidade – continente objetivo em que se envolvia o direito desprendido da pessoa – e o impulso fonte, a disposição subjetiva. Segue rota mal assinalada, mas deve ter começado com a era clássica, sob o influxo racional do helenismo, sofrendo extravio com o ensaio de repristinação augustéia e o temor reverencial, de efeito estático, em que se nutriu a onipotência imperial. Mas ia, de certo, alimentando-se em um novo orientalismo – a difusão filosófica do clima cristão, sempre mais adensado.

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49. Entretanto o romano, incapaz de categoria geral, não teve abstração para nos construir unia teoria do negócio jurídico, essa complexa concepção da dogmática moderna. Seu método aditivo das iterações típicas acabava em plural, como iura leges obligationes usucapiones mancipationes tra ditiones. Sua redação em singular contém valor individuativo, sem aquela intenção abstrativa, abrangente, como quando dizemos o direito, a obrigação. Viam, nas incidências iterativas, o que tinham que ver – o valor de mesmice, de identidade, com matizes analógicos. Mas viam sem explorar, viam confusamente, incapazes de redução ao comum denominador. Subtis, vivos, imaginosos, na análise de um caso, punham-no sob toda luz possível e dele desprendiam, levemente, o princípio, mas não o erguiam como principio geral. Ficaram parados na casuística, tratada sob dieta de exaustão. Esgotadas hipóteses, modalidades e condições de análise, poderia surgir a síntese da libertação elemental, mas não surgiu. Estavam eles impedidos pelo vício inabstrativo e a perene visão das fôrmas em que se continha o direito.

Essa visão explica a ingenuidade da preocupação exaustiva. Dominando o princípio da disposição expressa, tinham de imaginar hipóteses inúteis e até ridículas.

Tomemos alguns exemplos na estipulação de Gaio:

– é inútil a estipulação de objeto impossível: dar um homem livre, pensando que era escravo, ou morto, pensando que vivia: si id quod dari stipulamur tale sit ut dari non possit, inutilis est stipulatio. (3.97);

– é inútil a estipulação de se dar coisa que não existe, como hipocentauro: si quis rem quae in rerum natura esse non potest, veluti hippocentaurum, stipuletur, aeque inutilis est stipulatio;

– é inútil a estipulação condicionada ao impossível, como tocar o céu com o dedo: item si quis sub ea condicione stipu letur quae existere non potest, veluti si digito caelum tetigerit, inutilis est stipulatio;

– é inútil a estipulação de quem determina lhe seja dada uma coisa que, ignorando, já possui: praeterea inutilis est sti pulatio, si quis ignorans rem suam esse dari sibi eam stipu letur. E Gaio acrescenta com muita filosofia: na verdade, o que já é de alguém não lhe pode mais ser dado: quippe quod alicuius est id ei dari non potest.

Como tais, outros exemplos se podem colher em Gaio ou no Corpo do Direito.

Para uma inteligência romana, parecia natural essa levada extrema, essa incursão ao limite dos inúteis. Era premunição que não ofendia a finura do espírito, pois não havia caso que não merecesse cuidado, em tal método aditivo, nesse regime do expresso. E era uma ressalva de tranqüilidade ante o valor sacramental da palavra empenhada.

Para uma inteligência de hoje, emerge de tais exemplos um ingênuo sabor lapaliciano, arregimentadas assim tais prevenções na solenidade dogmática do conjunto.

O acacianismo não está em repetir verdades comuns e até inúteis, porém, sim, no tom e modo – um jeito de enunciar a vulgaridade à guisa de princípio substancial, com ares doutorais e metafísicos de descobrimento. Há um principio destes evidentes que declara: ninguém pode transferir mais direitos do que tem: nemo plus iuris ad alium transferre potest quam ipse haberet. (Digesto. 50.17.54). A gíria sintetizou-o na frase nemo dat quod non habet . Ele será acaciano caso o enunciemos como se fora verdade que está pedindo meças a alguma subtileza filosófica. Mas ele tem seu lugar e freqüência, quando entra como conceito preparatório ou como síntese de alguma experiência. Suponhamos: admira-se Caio de que Mévio tenha falhado numa empresa. Tício, que melhor conhece Mévio em sua incapacidade, em vez de longa explicação dissertiva, talvez [talvez] resume a Caio toda uma história dizendo simplesmente, sobre o caso: Nemo dat quod non habet.

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50. Dizem os manualistas que é inútil buscar uma definição romana do negócio jurídico. Ele é uma criação dos pandectistas e pode definir-se como sendo manifestação de uma vontade privada, endereçada a escopo prático, lícito, produtiva de efeitos jurídicos conformes a tal escopo.

E moderna a tentativa de catalogar, de classificar, de extrair uma teoria geral do direito romano. Buscam-se títulos abrangentes – ius civile, ius gentium, ius honorarium. Entra-se na substância valorativa – o direito civil como solene e formal e o direito gentio como simples, mais da vontade que da forma. Faz-se a classificação do unilateral – como testamento, aceitação de herança – e do bilateral, como contrato. Descobre-se mesmo a subtil divisão de negócios causais ou típicos e negócios abstratos ou atípicos, segundo aparece ou não a causa, tomada esta como função econômico-social, escopo geral e uniforme do negócio. A venda é negócio causal, pois visa a um escambo mediante preço. A mancipação é negócio abstrato, pois é translação de poder sobre o objeto, indiferente à causa – uma doação, venda, pagamento, etc.

Os três tipos fundamentais, antigos, do negócio abstrato romano são a mancipação, a jurecessão e a esponsão, continuada em sua colateral, a estipulação.

No variado e apressado exame que determinamos fazer do ritualismo e formalismo do direito romano, tomamos referência na estipulação e tomamos Gaio para referência da estipulação.

Do que temos dito e vamos dizer, queremos concluir que o direito romano é formalista e ritual, por determinação histórica, fundada na psicologia do grupo, e por determinação contingente, a oralidade. Não escapou a esse formalismo nem mesmo a estipulação, de expediente simples e hábil, segundo a exposição de Gaio.

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51. O autor das Instituições gasta dois terços do Terceiro Comentário com o direito das obrigações. Obrigações nascidas de contrato e obrigações nascidas de delito. Do delito nascem as obrigações de furto, roubo, dano, injúria. As outras nascem do contrato real, verbal, literal e consensual, contrato feito por nós mesmos ou por pessoa sujeita, contrato que resgatamos por solução, acceptilação, por solução imaginária de balança e cobre, por novação, lidecontestação.

Diz o autor: Et prius videamus de his quae ex contractu nascuntur.Harum autem quatuor sunt: aut enim re con trahitur obligatio aut verbis aut litteris aut consensu. (3.89).

Em vez de definir, configura a matéria, segundo um jeito seu e romano.

A obrigação de coisa é como a que se adquire no empréstimo – dação de mútuo, que é dação de coisas que os modernos chamam de fungíveis. Coisas de peso, número e medida, reza Gaio: dinheiro, vinho, azeite, frumento, cobre, prata, ouro. Mutui autem datio proprie in his rebus contingit quae pondere numero mensura constant, qualis pecunia numerata vinum oleum frumentum aes argentum aurum.

Expondo o efeito do mútuo, nosso autor o faz com uma sentença cuja psicologia merece comentário, pois ele diz que o mútuo assim tem nome porque – o que te dou de meu se faz teu: unde etiam mutuam appellatum est quia quod ita tibi a me datum est ex meo tuum fit.

Pará nós, o mútuo – que é empréstimo liso, e o empréstimo rendoso é fenus, oris – contém uma idéia transfusa de dação a prazo. Vai a posse e gozo da coisa, fica o domínio, pois continua nossa. O pagamento é uma devolução, um acabamento do negócio: emprestar e receber de volta ligam-se em seqüência totalizante. A coisa é minha e não se faz tua: deve voltar, inacabado o ato enquanto isto não acontece. Nem se repara excessivamente na equivalência da coisa devolvida, feita margem à imperfeição das semelhanças. Então se é dinheiro nada haverá que notar, pois admitimos equivalência absoluta.

Ora, para o romano, a dação de mútuo fazia do outro a coisa emprestada: ex meo tuum fit. Para nós, o mútuo será um ato em dois tempos – dação e devolução. Para o romano, eram dois atos – dação do mutuante ao mutuário e dação do mutuário ao mutuante.

Esse estado de concepção, em que há qualquer coisa impedindo a simplicidade, pode explicar-se com uma sugestão de doutrina e outra de formalidade.

Desde o fundo instintivo da erilidade romana, o catecismo de seu mancípio lhe rezava que a propriedade é eterna e absoluta, somente deixando de o ser por um ato da vontade. Repugnava a tal compreensão a idéia de um domínio por algum tempo. O domínio era para sempre, ainda que sem posse, pois esta, sim, podia destacar-se do senhor.

O conceito de formalidade está na necessidade ritual da reversão. No ato solutório iterava-se, em marcha inversa, o cerimonial do ato constitutivo: a remancipatio era mancipa tio dramatizada às avessas, a diffarreatio era a confarreatio projetada a começar do fim. A devolução do mútuo devia ser, pois, uma dação invertida, entre mutuário e mutuante.

Apesar de o verbo mutuari se haver corado, semanticamente, com a idéia de trocar – que nos ficou – o sentido mais antigo se liga a mutare, donde vêm mutuus e mutuari. E os romanos ligavam mutare a movitare, de movere, distante a idéia de reciprocidade, o que ajuda, psicologicamente, o argumento de que eram dois atos independentes.

(Os lingüistas prendem mutare a uma raiz indo-européia que também se encontra em munus e communis.)

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52. Do número 92 ao número 115 do Comentário Terceiro, Gaio trata de estipulação, a principal obligatio verbis.

Seu rito é um diálogo entre o estipulador e o promissor: verbis obligatio fit ex interrogatione et responsione, veluti dari spondes? Spondeo.

Não é possível transfundir ao português o conteúdo sacral de spondere – um prometer sagrado, de densidade acentuada. A esponsão, sponsio, era uma promessa atestada por deuses, tão solene e religiosa que não tinha sentido na boca profana do peregrino: propria civium romanorum est, tão nativa que não poderia ser transpassada a outra língua: adeo ut ne quidem in graecum sermonem per interpretationem proprie transferri possit, embora venha do grego, noticia Gaio com aproximação etimológica: quamvis dicatur a graeca voce figurata esse.

Só num caso, observa, dizem que esta palavra obriga a peregrinos: quando um general romano propõe paz a um chefe estrangeiro: si imperator noster principem alicuius pere grini populi de pace ita interrogat: pacem futuram spondes?

– Mas logo repara, agudamente, que isto é muito subtil, ni mium subtiliter dictum, pois o que se pactua não se garante por conseqüência de estipulação, mas por direito de guerra: si quid adversus pactionem fiat, non ex stipulatu agitur, sed iure belli res vindicatur.

A tradução deste passo foi muito livre. Fugindo à coima de infidelidade, justamente em matéria da seara, vamos repetir: Gaio declara que, feita alguma coisa contra o pactuado, não se move ação pelo estipulado, ex stipulatu, mas se reivindica por direito de guerra.

Sejamos fiel ao miúdo professor. Seu comentário é agudo mas não é irônico, embora o pareça. É comentário técnico: a infidelidade do promitente emenda-se por ação própria e não por direito de guerra.

Na estipulação cabem ações, cada uma de seu teor, conforme tenham seu objeto. Se é dinheiro certo, a reclamação é de dinheiro certo, condictio certae pecuniae. Se é coisa certa, a reclamação é de coisa certa, condictio certae rei. Se é coisa incerta – a obrigação de um fazer ou a de coisa não definida em quid quale quantum – então se age pelo estipulado, agitur ex stipulatu.

Uma promessa de paz é promessa de coisa incerta – em todo sentido, mal de nós! Quebrada a estipulação, o mal devia emendar-se por uma actio ex stipulatu. Reivindicar segundo fazem poderosos, ex iure belli, é procedimento que não está direito. Por isto Gaio, sem ironia, vai tachando de subtileza o dizerem que existe caso de spondere peregrino. A cada direito responde uma ação: direito sem esta resposta, ou com outra, não é direito.

Para a reclamação de coisa certa, condictio certae rei, Justiniano preferiu o nome de condictio triticaria, simbolizando nele, ou a importância do trigo ou a freqüente malícia dos tratantes do grão.

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53. Spondere conjugava-se entre romano e romano. Entre romano e peregrino ou entre peregrino e peregrino, conjugavam-se, com liberdade, os verbos dare, promittere, fidepromittere, fideiubere, facere. Até em língua estrangeira se podia estipular, veluti hoc modo doseis? Doso, homolo geis? Homologo, etc. No caso de a língua ser estranha ao contraente, era exigida inteligência dela, e ainda bem.

É de duvidar se é válida a obrigação, quando um pergunta spondes e o outro responde promitto, ou se um pergunta promittis e o outro responde homologo: illud dubitari potest si quis etc.

No tempo de Justiniano, houvera progresso, pois se um perguntava dabis e o outro respondia quidni, a estipulação era válida.

Do número 97 ao 109, Gaio trata das estipulações inúteis e das impossíveis quanto ao sujeito. Algumas ficaram referidas acima. Relacionemos apenas os exemplos: pedir um homem livre, ou morto; um lugar sagrado, ou religioso; uma coisa que não pode existir, como hipocentauro; sob condição impossível, como tocar o céu; uma coisa que já é do estipulante; uma coisa a dar depois da morte; uma coisa a dar por pessoa que me está sujeita; uma coisa a dar a pessoa a cujo poder não estejamos sujeitos; uma estipulação em que o interrogado não responda congruente, como pedindo eu cem e me prometendo cinco.

Não podem estipular o mudo e o surdo, pois cumpre falar e ouvir, nem o louco, pois não entende o que faz, non intellegit quid agat.

Do número 110 ao 115, trata do adstipulador, personagem de pouca presença na era clássica, desaparecido no tempo de Justiniano. O adstipulador é um duplo do credor: pode receber, dar quitação, demandar. Mas ajusta contas com o verdadeiro credor, pois é afinal uma espécie de procurante. É mais do que o adiectus solutionis causa, pois este só tinha poder solutório.

Como se vê, não era contrato a favor de terceiro, coisa impossível devido à necessidade do colóquio entre as partes. O adstipulador fazia, também presente, um contrato com o promitente. No caso de alternativa solutória, o adiectus só podia receber, estando privado de ação contra o devedor. Mihi aut Titio dari spondes? Quo casu constat mihi solidum deberi et me solum ex ea stipulatione agere posse.

O adstipulador podia usar de fórmula diversa, empregando promittere onde o credor de fato usasse spondere. Podia adstipular menos, mais não podia. Podia adstipular condicionalmente, se o outro estipulava puramente, mas, ao contrário não podia, visto que, adstipulando puro o que o outro estipulava condicionalmente, estaria pedindo mais: plus est enim statim aliquid dare; minus est post tempus dare. A ação do adstipulador não passava aos herdeiros.

Era inútil a adstipulação de um servo ou de uma pessoa em mancípio, loco servi, embora o servo pudesse estipular: quamvis ex ceteris omnihus causis stipulatione domino adquirat.

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54. A concurrência da morte atrapalhava o romano com a estipulação. Erguia-se ante esta a velha sombra da pessoalidade obrigacional, dificultando a transmissibilidade hereditária, reminiscência daquela só corporalidade anterior à lei petélia e que permitia deitar mão sobre o devedor, em cuja pena se esgotava a satisfação do credor.

Entre os fiadores do promitente, o garante chamado esponsor, bem como o fidepromissor, não transmitia ao herdeiro a responsabilidade obrigacional de direito civil. (G.3. 120). Mas a obrigação fidejussória passava ao herdeiro.

Os exemplos que traz Gaio, de estipulação envolvida com morte, acusam a luta de passagem da intransmissibilidade à transmissibilidade hereditária, tornada possível depois da lei petélia, que patrimonializou a resposta obrigacional.

Diz nosso institutor que é inútil a promessa de dar post mortem meam ou post mortem tuam, havido por inelegante começar a obrigação no herdeiro: inelegans visum est ab heredis persona incipere obligationem.

Mas é válida a estipulação de dar cum moriar ou cum morieris, transferida a obrigação para aquele novíssimo instante da vida: ut in novissimum vitae temep us stipulatoris aut promissoris obligatio conferatur.

A condição nula post mortem e a condição válida cum moriar abrigam diferença mui subtil e praticamente nenhuma. A segunda, inovadora, acusa a necessidade romana do fingimento, aquela carência de materialização imaginal para a figura jurídica, segundo os cânones da sua incoercível tendência inabstrativa.

O caso lembra o do poslimínio com que se emendava a iniusta servitus – a servidão contra o direito quirício – que era escravizamento, inimigo, de cidadão romano.

O efeito da escravidão era a morte civil, capitis deminu tio maxima. Mas acontecia o cativo poder voltar a Roma, com intenção de ficar, animus remanendi: ressuscitava o cidadão, reintegrado nos direitos comuns - conúbio, sufrágio, representação: ius connubii, suffr a gii, honorum. Mas esse transformar-se abstrato, impalpável, era insuficiente à simbolística do direito concretizado. A reintegração devia ter um momento significativo, um passo de metamorfose. E a visualização foi encontrá-lo naquele instante em que o prisioneiro, regressando, pisava o limiar do solo pátrio; o posliminio, ius postliminii, era o fundamento de toda a restauração.

Já relatamos, anteriormente, o exemplo heróico de Régulo. É uma prova negativa do poslimínio aquela atitude viril e rara, que Horácio explorou retoricamente. Régulo dissuadiu o Senado, mas em vez de sententiam, o que deu foi consilium. Repeliu a esposa e filhos como quem cometia crime contra a dignidade pátria, ele, embaixador jurado de Cartago, em cujo regresso não havia poslimínio.

Se o romano prisioneiro morria cativo, morria capitis m inutus, nula, pois, tecnicamente, sua vontade testamentária. Como isto repugnava ao sentimento de justiça, foi procurada uma saída reparadora. Ela está expressa na lei cornélia, mandava considerar morto em liberdade, o prisioneiro, para efeito de sucessão. Mas cumpria descobrir o momento em que localizar justamente a ressalva. A jurisprudência interpretou que a morte se dera no instante em que fora aprisionado, hora, pois, da morte civil. Ficava possível a sucessão legítima e estava salva a congruência. Era assim a fictio legis corneliae.

Continuando, Gaio declara que não podemos estipular para antes de eu morrer ou antes de morreres, pridie quam mo riar aut pridie quam morieris, porquanto, diz ele, não se pode entender o antes que morra senão depois que morreu. Ora, seguindo a morte, a estipulação é prepóstera e é como promessa de dar a herdeiro.

A espada jurídica do imperador Justiniano, recortando mui discricionariamente a substância do vasto patrimônio que honradamente pilhou ao milênio, resolveu talhar de vez esse nó em que se enleava Gaio. Sive post mortem sive pridie quam morietur... valeat stipulatio. (Instutiones. 3.19.12).

No mesmo capítulo dezenove, golpeando o rito estipulatório, Justiniano fez valer a palavra do ausente, mediante instrumento escrito, a não ser que a parte provasse, com provas manifestíssimas, alguma ausência do lugar e dia em que o instrumento se lavrara. Explica ele, imperialmente, que assim o fazia por ser isto matéria de lides entre homens contenciosos: cum hoc materiam litium contentiosis hominibus praestabat.

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55. Assim como o estipulador pode reforçar a estipulação pelo seu duplo, o adspitulador, assim o promitente pode garantir a sua parte com fiadores.

O adstipulador ia rareando. No tempo de Gaio, sua função era em geral garantir uma prestação para depois da morte: adstipulatorem vero fere tunc solum adhibemus cum ita sti pulamur ut aliquid post mortem nostram debetur. (3.117).

O garante do promitente pode ser um esponsor, um fide promissor, um fidejussor, conforme respondia a um dari spon des, fidepromittis, fide tua esse iubes.

Mostra o nosso institutor a semelhança que há entre esponsor e fidepromissor, bem como a diferença que fazem do fidejussor. Expõe ainda que deveres e que exonerações lhes advêm do ofício.

Fala depois a respeito da obrigação escrita. Discorre explanadamente sobre as obrigações de consenso – emptio et venditio, locatio conductio, societas, mandatum. Enfim, trata do adimplemento da obrigação contratual – pagamento, acceptilação, solução imaginária por cobre e balança, novação, lidecontestação, terminando o Comentário Terceiro com as obrigações de delito.

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56. Temos estado em mesmice. Mas que outro jeito haveria para quem escolheu a mesmice formal do direito quiricio? Convém agora colher velas.

Sintetizando a notícia do que ficou dito esparsamente nes tas páginas, podemos imaginar que a estipulação – e com ela o direito das obrigações – até chegar ao estado gaiano, teria emergido lentamente, cheia de séculos, do ritualismo sagrado e humano, progressivamente esvaziado, mas não suprimido, abrindo via transitiva na fechada economia dos primeiros romanos.

Veio das regiões diluculares do penhor e do nexo, quando a família, suficiente e parca, via no crédito recurso derradeiro e o cedente via no empréstimo uma insólita operação, que só uma forte garantia justificava.

Antes de tudo, eram testemunhas os deuses, aliás complacentes, favorecendo ao credor as maldições e duras simpatias com que aniquilar o infiel.

O nexo ensejava desforra áspera, de sentido penal e vindicativo, embora talvez de menor valor compensatório.

Nesse tempo os vocábulos têm energia misteriosa que vincula. A vontade, mais do que neles, vai asilar-se nos gestos rituais, nos movimentos predeterminados, cujo valor de convenção tem clareza luminosa, pois são esboços atrofiados, inícios de atos outrora completos, cuja força reminiscente deixara impressões na sensibilidade nervosa e muscular.

Num povo sem letras, de razão racionada, vida impulsiva e mal polarizada pelo ímã da intuição, a linguagem é dominada pelos gestos a que a palavra acompanha. Segundo o nível da rudeza, a percentagem do elemento dítico alcança índices de impressionar. Aldous Huxley fala, algures, de uma tribo cujos filhos não se entendem no escuro, tão importante é o gesto deles na conversa.

O romano, à proporção que se foi aquecendo na luz do leste, abrindo sua inteligência à tépida claridade dos faróis de Atenas e Alexandria, sabendo escrever, entretanto conservou a tradição da coloquialidade jurídica.

Essa oralidade ritual se arquitetara mitidamente, consolidada no costume, ao influxo daquela indistinta sacralidade das coisas divinas e humanas. A consciência coletiva era um limbo todo povoado de concepções feiticistas. Realizava-se nela um momento filogênico de ingenuidade, assinalado por sintomas de adolescência virginal, espécie de retardamento arianístico, numa fase que o grego superara com muita precedência. Delineavam-se os traços da vocação inabstrativa, da aceitação piedosa do universo, da conformidade inespeculativa – mas balanceada por uma vontade tenaz, uma intuição prática, uma aguda sensibilidade do real.

Nesta matéria, para o contraste heleno-romano, hoje até a lingüística fornece argumentos discriminatórios à psicologia.

Gregos e itálicos foram animistas, carregando a herança comum de perdidas idades. Mas enquanto a imaginação plástica e a estesia do heleno estilizavam a religião, racionalizan do os deuses, povoando de beleza a clara semeadura de ilhas e costas do mar Arquipélago, o romano se atinha severamente encrustado na fantasia rudimentar e insondada de sua modesta teogonia de formas larvares.

Um perscrutava a natureza, violentando-lhe a intimidade, curioso dos segredos que tem. O outro apenas a contemplava, na pávida beatitude das satisfações com que a imaginação primária finge causas e efeitos infantis.

Um foi racionalista. O outro, apenas religioso.

Um argumento fornecido pela ciência lingüistica está no nome dos dois elementos que mais podem impressionar o homem natural – água e fogo.

É sabido que a categoria do gênero era bastante imprecisa no indo-europeu, a partir do critério animados-inanimados. É coisa que logicamente se deduz, refletindo alguém na fraqueza da experiência primitiva, no valor de mistério da procriação. A concepção dos animados forneceu nomes masculinos-femininos, a dos inanimados, nomes neutros. A falta de pormenor escurece, para nós, a distinção, pois animavam coisas e fenômenos a que atribuíam força divina.

O grego e o latim progrediram na distinção masculino-feminimo, mas sem perderem o contraste animado-inanimado. As duas línguas apresentam coincidência geral, mas o viés psicológico introduziu diferenças seletivas. Assim para os nomes da água e do fogo. A tendência racional do heleno preferiu os vocábulos hydor e pyr, neutros, inanimados, enquanto o romano, vincado em sua tendência piedosa, adotou nomes ativos, nomes animados: o masculino ignis e o feminino aqua. Nisto foi semelhante aos orientais, para quem o fogo, Agnih, é tão importante.

Segundo Varrão, o fogo e a água apresentados pelo esposo à esposa, no limiar da casa, significavam os elementos macho e fêmeo da união criadora. O ato era, pois, religioso e não de alguma referência a economia doméstica.

Interessante ainda é que o latim, tendo nomes para água, terra, fogo – elementos grossamente sensíveis – fosse importar do grego o nome aer, para um elemento subtil e misterio so como o ar.

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57. Na simplicidade e rudeza de seu espírito cheio de deuses severos, cresceu o romano, atingiu a virilidade física, sadiamente armado de força, ordem, senso, a conquistar o mundo que o rodeia.

Na caminhada geográfica de suas legiões, encontrou o Leste, que subjugou materialmente. Contrapesando, porém, esse domínio, o Leste conquistou o espírito de Roma.

Repetiu-se o conhecido jogo de nivelamento vaso-comunicante, no encontro de dois estados sociais desparelhados, vencendo espiritualmente o mais urbano.

A Roma que se encontrou com o Leste era uma Roma ainda rústica, estóica, sobejamente viril. O Leste que se encontrou com Roma, inclusive Grécia, de há muito exibia sintomas de decrepitude, na síndrome catamenial de uma infecundida desenescente e hedonística, faustosa e inconseqüente.

O efeito da ingestão orientalizante foi imediato, embora custasse a progredir em aparência e intimidade. Oliveira Martins exprimiu bem a referência, quando disse que Cipião, comparado com um antigo, é um céptico, mas, ao lado de César, é um estóico.

Roma foi aprendendo a ler, a escrever, até a filosofar. Mas o senso da realidade, na lenta e entranhada rotina do gênio vernáculo, preservou, através de vários séculos ainda, aquela majestade nacional que deixou lição aos pósteros. Sua melhor página é a do Direito, civilmente pertinaz e pretoriamente flexível.

Apesar da mudança climática sempre acentuada, ele cresceu e viçou com a mesma seiva nativa. Não deixou, por exemplo, a oralidade.

Na vigorosa teimosia do formalismo está uma prova de pureza e viço. O fervor e claridade das letras é prenúncio de exaustão cíclica, é esplendor do que já olha ao poente, é delícia da madurez social, efeito da capacidade reminiscente, própria de quem envelhece, mais dado a relembranças do que a façanhas. Codificar muito é sinal de morte dos princípios e preconceitos que a descalagem social arcaizou, mas que a rotina granjeadora vai conservando no paiol, feito múmias sagradas. Lei demais é sintoma de que a república está mal. Corruptissima republica plurae leges, como escreveu Tácito no seu estilo telegráfico. Heródoto narra a história de um faraó que esteve querendo afogar o inventor dos hieroglifos, e com muita razão de faraó: se os homens se fazem capazes de gravar o pensamento no tijolo, explicava ele, também se farão incapazes de o guardar no coração.

O direito romano viveu seu milênio oralmente. Isto foi sabedoria de um povo que tinha a ordem no sangue, os princípios no coração e o costume nos ritos.

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58. Escondido nos penetrais, internado no colégio pontifício, o Direito ia assim mesmo desenvolvendo aptidões humanas e desprendendo-se da simbiose divina. Esse resguardo sacerdotal vinha daquele espírito de monopólio e suficiência que está na substância do homem, cujo melhor gosto é simular o distribuidor das graças, é ver-se ministro de larguezas, co mes largitionum, em paródia simiesca à Providência. Todo filho de Adão traz na sua alma o germe oculto de um José do Egito.

De uma feita, porém, o escriba Flávio abriu ao Direito a porta que dava para a rua, descerrando o claustro em que o traziam os pajés da ritualística. E ele pôde ir à praça, ao co mitium, hospedando-se livremente na domus patrícia.

Levava na alma o sinal forte da sua impregnação religiosa. Progredia. Abandonou o sistema do nexum, desumano, entravador, enquanto desenvolvia a sponsio, hierática, solene, em genuína consonância com a majestade quirícia. No mercado, um dia, talvez no forum boarium, talvez no olitorium, contemplou o direito gentio servindo a estipulação, um diálogo que era, por certo, visualizado em algum simbolismo, embora não mais quebrasse, porventura, a varinha do compromisso. Emanava da stipulatio uma forte sugestão de simplicidade. Viu depois, no tribunal dos peregrinos, a incerimônia com que se resolviam lides, congelando-se querelas na frieza das anotações formulares. O afluxo itálico desvendava horizontes. O afluxo mediterrâneo cosmopolitizava a urbe. Sponsio e stipulatio então se uniram, apenas sob a orgulhosa reserva do exclusivismo quirício, mas reserva que se esvairia em pura tradição, rarefeito o sentido vivo de outrora, esbatida nos longes a sacralidade, igualado o conteúdo verbal na vitória da utili dade.

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59. Reduzida a análise, a stipulatio gaiana contém quatro elementos:

1.° coloquialidade, utroque loquente, num diálogo produtor de todo o efeito, impossível ao mudo, ao surdo, ao louco;

2.° presença das partes, natural conseqüência da oralidade, impossível a ausentes;

3.° unidade do ato, constante em pergunta e resposta seguidas;

4.º congruência dialogal, respeitando-se o verbo conjugado, impedida a sinonímia, permitida a língua estrangeira.

Afaste-se o véu do formalismo e se verá aquele encontro de vontades do contrato moderno. Enquanto hoje convenção e contrato se confundem, definida a vontade do negócio, no direito de Gaio a convenção é fase inoperante, nascendo o contrato apenas da formalidade. Nuda pactio obligationem non parit. (Ulpiano. D. 2.14.7.4)

A estipulação tem seu objeto, o id quod debetur, uma obrigação de sim ou de não, que os romanos generalizavam nos verbos dare facere praestare, da fórmula in personam, onde o verbo praestare se prestou a dificuldades interpretativas. Diz nosso Tito Fulgêncio, em Obrigações, que hoje, pela dificuldade de precisar o sentido do último termo, só se fala em dare facere. Girard, no Manual, chama atenção para a controvérsia. Parece-nos que Biondi, apoiado em Von Mayr, explica bem a sentido, por uma assunção de responsabilidade: impossível o dare ou o facere, accede a obrigação de praestare. Etimologicamente, é um verbo escuro, com seu tema do presente em dois caminhos semânticos e os temas do perfeito e do supino com dois caminhos morfológicos: praesto, as praestavi, praestatum – praesto, as, praestiti, praestitum. Estas últimas formas pertencem a um composto prae-stare, as outras seriam de um verbo cujo semantema contém a mesma raiz do sânscrito hastah, mão.

A estipulação tem seus dois sujeitos, stipulator e promissor, também chamados – reus stipulandi, reus promittendi. Finalmente, tem vínculo jurídico.

Historicamente, a obrigação estipulada não esteve no dever de prestar, mas na ligação cautelar por que o devedor ficou preso ao credor. Falhando ele ao compromisso, a obligatio produzia efeito – execução pessoal, legítima conseqüência do pactuado. Havia antes estado de obrigados do que obrigações, diz Tito Fulgêncio. Desaparecia com a morte da pessoa. A resposta patrimonial pôde alterar profundamente a natureza da obrigação.

Ligada à mancipatio e à in iure cessio, a sponsio é o terceiro grande negócio abstrato assinalado nos manualistas. É impossível uma obrigação sem objeto, sem quid debetur, mas é possível uma obrigação contratada sem causa ou cur debetur, tomada a palavra causa num sentido estranho à terminologia romana, isto é, o de objetivo imediato, móvel constante do ato jurídico. É diverso do motivo ou razão do fato, variável sempre: a causa da obrigação do mutuário é a trasladação de dinheiro que lhe fez o mutuante. Motivo será qualquer das razões por que se toma dinheiro emprestado.

A estipulação, por ser abstrata, é negócio que não depende da causa. Também lhe chamam, por isso, corpo simples.

Finalmente, a estipulação comporta elementos acidentais de um contrato, como dies, condicio e modus, ou sejam - prazo, condição e modalidade alternativa.

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60. O tempo, que tudo desfaz, acabou dissolvendo o Império Romano. Primeiro se bipartiu, depois se perdeu o Ocidente, permanecendo no Oriente o nome, como rótulo de frasco vazio.

Durante a marcha desagregante e transformadora, o direito romano teve de sofrer as intempéries: o contágio de leste vulgarizou o documento escrito, exangue a solenidade oral. A vontade alargou seu domínio. Entretanto, codificando o direito, erguendo-lhe o imperecível monumento, Justiniano conservou, embora o desfigurando, o único contrato formal que não morrera – a estipulação.

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61. BIBLIOGRAFIA

Arangio-Ruiz e Antônio Guarino - Breviarium iuris romani. Milano 1943.
Biondo Biondi - Istituzioni di diritto romano. Milano 1946.
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Fustel de Coulanges - La cité antique. Paris.
Pietro Bonfante - Historia del derecho romano. 2 vs. Trad. Madrid 1944.
Vicente Arangio-Ruiz - Hist. del der. romano. Trad. Madrid 1943.
Robert Von Mayr - Hist. del der. romano. Trad. Labor. 1941.
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Lluwlolf Vol, Ihering - Espírito do direito romano. 2 vs. Trad. brasileira.
Carcopino - Histoire ancienne. Coleção Glotz "41".
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Tilo Fulgêncio - Direito das Obrigações. (Manual cio Cós. Civil).
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Egídio Forcellini -- Lexicon totius latinitatis. Pádua 1940.

 

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