Glissando no abismo
Os que só provaram viagens de desenraizamentos
os que se tornaram flexíveis nos ajoelhamentios
(Aime Césaire)
o abismo
matriz de toda escuridão
negrume urdido no ventre
de barcas abertas
aos designios do céu
e do insondável
mar.
o horror
de mortos empilhados
em espago exíguo.
o fedor
o vômito
a doença
a degenerescência
o apocalipse sem fim.
o dilacerar
de corpos e mentes
o salgar do espírito
em violência extrema
seres arrancados da terra
pela raiz
a ressecar pelo trajeto
marítimo.
mas isso ainda não é tudo.
a fenda abissal
continua a alimentar
o inconsciente de todos
a se espraiar pela imensidão
do presente
e de seus futuros imaginados.
velas que se desfraldam
insuspeitas
impulsionadas pelo vento branco
do abismo
(Negrura, 2022)