A literatura é constituída não apenas do escritor, obra e leitor, embora sejam esses os elementos que venham primeiro à nossa memória, talvez devido aos ensinamentos de Antonio Candido, em seu basilar Formação da literatura brasileira (1959). Um dos indivíduos mais importantes para a disseminação da arte da escrita é o editor, personagem relegado por muitos às margens da narrativa. O trabalho de quem torna a obra literária um produto ao alcance do público merece espaço de diálogo, pois é ele quem propicia a materialização do texto em livro.

Na história da literatura brasileira, um nome de destaque nesse sentido é o de Francisco de Paula Brito, um homem que ultrapassou as barreiras sociais, raciais e econômicas e colaborou para que importantes produtores da cultura nacional se tornassem conhecidos.

Paula Brito, como se tornou reconhecido, nasceu em 02 de dezembro de 1809, no Rio de janeiro. Filho de escravizados libertos, Jacinto Antunes Duarte e Maria Joaquina, teve seus primeiros contatos com as letras através de sua irmã, Ana Angélica, que o ensinou a ler e escrever.

Viveu parte de sua infância em um engenho de farinha, mas na adolescência passou a morar com seu avô, o sargento-mor Martinho Pereira de Brito. Com quinze anos tornou-se aprendiz de tipógrafo na Tipografia Nacional, o que lhe deu suporte para o que viria a se dedicar no futuro. Quando seu avô faleceu, passou a viver com seu primo, Silvino José de Almeida, dono de uma livraria, a qual, mais tarde, em 1831, seria posse de Paula Brito e se chamaria Tipografia Fluminense Brito & C e, em 1835, seria renomeada para Tipografia Imparcial de Britto.

Essa tipografia foi responsável pela publicação do primeiro romance brasileiro, O Filho do pescador, de Antônio Gonçalves Teixeira e Souza, em 1843. Só isso já seria suficiente para que o nome de Paula Brito jamais fosse esquecido, mas mesmo em circunstâncias adversas, em um período em que ser negro era tido como motivo para ser rechaçado a espaços subalternos, esse grande brasileiro não apenas produziu literatura, deu oportunidade para que a arte fosse divulgada, como também propiciou, através de seu trabalho, espaço para discussões sobre racismo, no jornal O Homem de Cor, que mais tarde passou a ser chamado de O Mulato ou O Homem de Cor. Paula Brito também foi o editor de um dos primeiros jornais voltados para o público feminino, A Mulher do Simplício ou A Fluminense Exaltada. Sobre o editor, Rezende (2003) afirma:

Considerado o iniciador do movimento editorial literário no Brasil, Paula Brito viabilizou em 1843 o primeiro romance brasileiro O filho do pescador, de Teixeira e Sousa. Na época, a maioria dos autores brasileiros imprimiam suas obras na Europa, frequentemente na França ou Portugal, em parte por restrições técnicas, em parte por questões de hábito. Prestigiando e desenvolvendo a “nossa tipografia”, Paula Brito formou, com os nomes mais ilustres da literatura brasileira, extensa e valiosa série de primeiras edições publicadas ao longo dos trinta anos de sua carreira de editor. (REZENDE, 2003, p. 34).

Quase sempre que esse célebre cidadão brasileiro é retratado, tem sua biografia ligada a Machado de Assis, que foi seu funcionário na tipografia quando ainda era um menino e mais tarde teria suas primeiras obras editadas por Paula Brito. Machado, que iniciou seu contato com o mundo da edição a partir de 1854, como revisor, passa a ter seus textos publicados posteriormente na revista Marmota Fluminense, uma das maiores realizações de Brito, que fora conhecida também como Marmota na Corte e, por último, apenas Marmota. Sabe-se o impacto machadiano para a história da literatura, mas usá-lo como referência da vida do tipógrafo, parece não ser honesto com a grandeza da produtividade de Brito.

Um dos maiores empreendimentos do editor foi a Tipografia Dous de Dezembro, criada em 1950, quando o editor já estava na casa dos quarenta anos. Segundo Rezende (2003), Paula Brito conseguiu esse novo feito, mesmo administrando mais de dez lojas no estado do Rio de Janeiro.

A tipografia recebeu esse nome de forma intencional, pois D. Pedro II nasceu em dois de dezembro de 1825 e, consequentemente, essa data se tornou feriado nacional. Paula Brito teve a oportunidade, portanto, de homenagear o imperador, sem que soasse uma bajulação, já que o aniversário do editor também se dava em dois de dezembro. Percebe-se a notoriedade da empreitada, ao se ler:

ao subscrever a companhia, o imperador certamente impressionou-se com o alcance do Plano, tanto que outorgou a Paula Brito o título de Impressor da Casa Imperial, que ele passou a ostentar não só́ nos livros e jornais que imprimia, mas também no frontão de sua oficina. (GODOI, 2014, p.155).

Paula Brito foi um progressista para a divulgação da cultura da época, tendo seu nome equiparado ao do reconhecido ator João Caetano no que diz respeito às colaborações que os dois davam para a disseminação das letras brasileiras. De acordo com Godoi (2014, p. 159) “ser comparado ao principal ator e empresário teatral do Império em meados do século XIX sem dúvida era um grande elogio”.

A tipografia de Paula Brito foi responsável por trazer ao público obras de escritores célebres da literatura brasileira, como por exemplo como os versos de As primaveras (1859), de Casimiro de Abreu; Vicentina (1854) e outros romances, de Joaquim Manoel Macedo; o romance Paulo (1859), de Bruno Seabra; o teatro Noite de S. João (1860), de José de Alencar; O Mouro de Veneza (1855) e outras tragédias, de Gonçalves de Magalhães.

Se, na atualidade, com o editor tendo ao seu alcance tantos recursos tecnológicos ainda assim é um desafio manter uma casa editorial como fonte de lucros financeiros, o período em que Paula Brito idealizou a tipografia era muito mais desfavorável. O Brasil ainda engatinhava em uma liberdade econômica e cultural, o que fazia dos projetos nesse ramo serem muito caros, por isso havia uma demanda de investidores para que as produções dessem prosseguimento, e nem sempre a tipografia parecia tão interessante aos olhos de quem aplicaria capital.

Ainda, em um tempo que prevalecia o regime escravagista, obter legitimação no campo literário não era algo fácil para uma pessoa negra. Mesmo que essa pessoa estivesse com o apoio de nomes importantes da política da época, havia aqueles que enxergavam a cor da pele como empecilho para certas ascensões, como acontece quando Paula Brito não é aceito como sócio no Club Fluminense, em 1953, espaço onde homens da elite da época poderiam, segundo Godoi (2014, p. 149) “ler periódicos nacionais e estrangeiros, jogar bilhar, xadrez, gamão e bagatela (...). O Club contaria também com inúmeros salões, como o de música, de jantar, o de bailes, o de fumar e um especial para chás e refrescos.”

Dessa forma, embora Francisco de Paula Brito tivesse uma visão avançada para a sua época em relação à tipografia e demonstrasse com seu trabalho o progresso para a arte nacional, as questões financeiras fizeram com que a Dous de Dezembro encerrasse as atividades em 1857, sendo que o editor, contista, poeta, tradutor e jornalista faleceria em 1961.

Referências

GODOI, Rodrigo Camargo de. Um editor no Império: Francisco de Paula Brito (1809-1861). Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. 2014. Campinas, SP.

REZENDE, Lívia Lazzaro. Do projeto gráfico ao ideológico: a impressão da nacionalidade em rótulos oitocentistas brasileiros. Dissertação (mestrado) – Pontífica Universidade Católica. Rio de Janeiro. 2003.

 


 

Fontes de consulta

GODOI, Rodrigo Camargo de. Um editor no Império: Francisco de Paula Brito (1809-1861). Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. 2014. Campinas, SP.

OLIVEIRA, Luiz Henrique; RODRIGUES, Fabiane Cristine. Trajetórias editoriaisda literatura de autoria negra brasileira: poesia, conto, romance e não ficção. Rio de Janeiro: Malê, 2022.

REZENDE, Lívia Lazzaro. Do projeto gráfico ao ideológico: a impressão da nacionalidade em rótulos oitocentistas brasileiros. Dissertação (mestrado) – Pontífica Universidade Católica. Rio de Janeiro. 2003.

Links

http://mapa.an.gov.br/index.php/publicacoes2/70-biografias/574-francisco-de-paula-brito

https://www.bbm.usp.br/en/Selection-BBM-digital/o-editor-francisco-de-paula-brito-1809-1861/

http://bndigital.bn.gov.br/dossies/periodicos-literatura/personagens-periodicos-literatura/paula-brito/

https://mundonegro.inf.br/o-primeiro-editor-afrobrasileiro/

https://www.portalintercom.org.br/anais/nacional2015/resumos/R10-0631-2.pdf

https://becodaspalavras.com/2021/05/17/conheca-paula-brito-um-dos-maiores-escritores-do-brasil/

http://www.arquivoestado.sp.gov.br/memoria_imprensa/pdf/colaboracao_a_imprensa_oficial_antes_da_imprensa_oficial.pdf

http://www.museuafrobrasil.org.br/pesquisa/história-e-memória/historia-e-memoria/2014/12/30/francisco-de-paula-brito

 

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