A Ogum’s Toques Negros é uma editora independente que surgiu em 2014, na cidade de Salvador, Bahia. Sua atuação tem se mostrado importante dentro do cenário editorial brasileiro ao se propor a publicar literatura de afrodescendentes brasileiros e autores diaspóricos africanos.

Fundada por Mel Adún e Marcus Guellwaar Adún Gonçalves, sua história se entrelaça com a de seus fundadores, pois seu percurso de vida contribuiu de modo contundente para o caráter diferenciado da editora, bem como para sua atitude frente ao mercado editorial.

Mel nasceu nos Estados Unidos, em 1978, quando sua família fugia da ditadura civil-militar brasileira. É jornalista, fotógrafa, redatora de TV. Possui mestrado em literatura africana pela UFBA e, atualmente, faz doutorado na Universidade do Kentucky. Escreve críticas, resenhas, contos e poemas, tendo publicado vários deles nos Cadernos Negros. Ela idealizou o primeiro programa de webtv feito por e para mulheres negras, o Tobossis virando a mesa1, no qual trata de questões de raça e gênero. Atualmente, Mel Adún escreve para o público infantil, buscando resgatar a questão da beleza negra e das tradições afro-brasileiras.

Já Marcus Guellwaar Adún, cujo nome de registro é Marcus Gonçalves da Silva, nasceu no Rio de Janeiro em 1971 e passou sua infância e adolescência na capital fluminense. Em 1988, Marcus mudou-se para Salvador, onde passou a ensinar literatura, no Instituto Cultural Steve Biko, e a coordenar as atividades pedagógicas do Instituto Oyá. Também atuou como compositor do bloco Ilê Aiyê, além de participar do grupo de teatro de rua Maloqueiros. Foi em Salvador que Marcus teve contato maior com os movimentos negros, assumiu sua identidade como Guellwaar Adún e passou a militar em favor da causa. Durante vários anos, Guellwaar Adún, como é popularmente chamado, também escreveu poemas para os Cadernos Negros. Em 2016, publicou um livro de poesias intitulado Desinteiro, pela Ogum’s Toques Negros, editora a qual fundou e gerencia.

Mel e Marcus passaram também a fazer militância literária na internet. Através do blog Ogum’s Toques Negros, Mel e Marcus publicavam poemas de própria autoria ao mesmo tempo em que ofereciam ao leitor textos de Miriam Alves, Conceição Evaristo, Cristiane Sobral, Mutabaruka e Hamilton Borges, dentre outros tantos importantes escritores negros. Podemos apontar tal atividade como uma forma de curadoria insipiente, que juntamente com a influência do coletivo Quilombhoje, deu-lhes a inspiração e a força necessárias para empreender na área editorial. Podemos apontar tal origem digital como uma outra peculiaridade da Ogum’s Toques Negros.

Segundo Mel Adún e Guellwaar Adún, a Ogum’s Toques Negros nasceu para ocupar esse lugar da falta, uma falta generalizada que vai desde a ausência de representatividade de autores negros nas principais livrarias e editoras do país até mesmo nos programas literários adotados nas instituições de ensino. Uma ausência que ocorre não pela inexistência de escritores negros, já que a escrita negra está presente na literatura brasileira desde Maria Firmina dos Reis, Machado de Assis, Cruz e Souza e Maria Carolina de Jesus. Autores afro-brasileiros são ignorados em detrimento de outros brancos. Segundo os fundadores da Ogum’s, isso não ocorre por acaso, mas se trata de um epistemicídio, uma tentativa de apagamento da cultura e de autores afro-brasileiros2.

Segundo a tradição iorubá, Ogum é o orixá guerreiro, é aquele que vai com a lança em punho para as batalhas, abrindo caminhos. É também símbolo da vanguarda, da criação e da tecnologia. Ao escolher tal figura para o nome da editora, Mel Adún e Guell Adún buscaram retomar elementos da tradição, expressar o caráter militante da casa editorial, além trazer bons agouros para a empreitada.

A partir dessa constatação, a proposta da editora Ogum’s é o resgate de tradições religiosas, linguísticas, literárias e culturais dos povos afrodescendentes, além de fazer uma ponte entre passado e presente recuperando elementos caros à formação da identidade negra.  

Sua missão é publicar autores negros do Brasil e da diáspora africana, dando voz também a uma escrita que vai além da dita normatividade. Tais valores se mostram através do catálogo editorial e das obras lançadas pela editora. O primeiro livro publicado ,Coletânea Poética Ogum’s Toques Negros, reúne poemas de 19 autores e trata de temas como amor, dor, sofrimento e alegria. Tal obra deu voz a homens e mulheres, a lésbicas e gays e a todos aqueles que buscam romper padrões impostos, ademais de dar espaço às letras negras.

Alguns livros de seu catálogo são de autoria de Mel Adún e são dedicados à literatura infantil, como a obra Adumbi. Busca-se, em tal ação, recuperar elementos de identidade negra também e trabalhar noções de beleza e a autoestima das crianças a partir de tal perspectiva literária.

Obras dedicadas à temática diaspórica também são presentes no catálogo editorial da Ogum’s e reforçam os valores da editora. Também são publicados livros acadêmicos que tratam do tema, como o Traduzindo no Atlântico Negro: cartas náuticas afrodiaspóricas para travessias literárias, que reúne ensaios de tradutoras e discorre sobre o árduo ofício de traduzir intelectuais negros.

A Ogum’s Toques Negros possui um coletivo de mesmo nome que visa fazer a militância em favor da causa negra dentro do campo cultural. Assim, além instigar a produção de autores no âmbito literário, também promove o resgate de tradições religiosas, linguísticas e culturais dos povos afrodescendentes por meio das artes, teatro, saraus e oficinas de beleza. A integração entre o coletivo e a editora tem se mostrado fundamental para a sobrevivência de ambas, pois enquanto o coletivo estimula a produção intelectual, a editora atua como espaço de edição e elemento mediador que faz circular tais autores.

O aporte financeiro da casa editorial se dá através das vendas de suas publicações e participações em feiras. Contudo, o Coletivo Ogum’s também contribui com capital financeiro e simbólico, através de eventos como almoços temáticos com o desígnio de arrecadar dinheiro e promover oficinas de teatro, palestras, saraus para a comunidade negra e como forma de conscientização para a causa.

A editora Ogum’s Toques Negros, portanto, tem se mostrado importante fomentadora da produção cultural afro-brasileira, colocando-se como agente de ação frente ao epistemicídio de autores negros ocorrido durante anos no campo literário brasileiro. Sua atuação fora do hegemônico sudeste brasileiro e o fato de se posicionar assumidamente como casa editorial baiana, negra e diaspórica transformam-na em espaço de engajamento e resistência.


Notas

[1] https://www.youtube.com/watch?v=_BEPegNxyM4, acesso em 02 de dezembro de 2019.

[2] http://www.editoraogums.com/somos-ogums, acesso em 17 nov. 2019.