Paula Brito:

precursor da imprensa negra e do conto brasileiro

Marcos Fabrício Lopes da Silva*

É espantosa a quase ausência de estudos a respeito da vida e da obra de Paula Brito. O esquecimento, enquanto morte simbólica, deixou as marcas da indiferença se sobressaírem em relação ao grande potencial expressivo, presente no conjunto de realizações literárias e jornalísticas do nosso autor. Graças a uma certa gama de pesquisadores, que atuam na linha de resgate da memória cultural produzida pela literatura, enquanto documento histórico, foi possível detectar e destacar os atributos que ofereceram um tom especial à atuação de Paula Brito no cenário intelectual do Brasil oitocentista.

Paula Brito foi um dos ícones da manifestação estético política afrodescendente, que se fez valer no mundo das letras e do jornalismo, em combate direto e sofisticado ao regime e sobretudo à mentalidade escravocrata do século XIX. A fim de destacar sua atuação, é preciso considerar o homem de ação e o homem de discurso que, fundidos, atuaram de maneira íntegra no conjunto de suas atitudes junto à composição cultural do país. Com o periódico O Homem de Cor – que depois passou a ser chamado O Mulato ou o Homem de Cor, Paula Brito entrou para a história do jornalismo, ao promover o início da Imprensa Negra no Brasil. Entre 14 de setembro e 4 de novembro de 1833, o mencionado jornal especializou-se em dar voz e vez ao negro, compreendido como agente da própria história, o que desmontava o padrão editorial da época, que costumeiramente destacava nas folhas públicas os atos daqueles comprometidos com a ordem escravocrata, ou seja, “os donos do poder”, conforme designação de Raymundo Faoro. É possível suspeitar que parte significativa do silenciamento crítico a respeito da obra de Paula Brito ocorreu pelo fato deste ter enveredado pelos caminhos do engajamento étnico, via jornalismo de denúncia, o que deve ter assombrado os donos das ‘capitanias intelectuais’ do Brasil Império.

Apesar de Oswaldo de Camargo destacar este importante papel exercido pelo nosso escritor, Nélson Werneck Sodré, estudioso da formação da imprensa brasileira, faz uma menção bastante panorâmica do jornal O Homem de cor, ressaltando, ainda que de forma não muito detida, a postura de ‘rebeldia editorial’ apresentada pelo periódico, mas opta em dar um maior destaque a outros dois momentos de atuação do jornalista na imprensa: “[Paula Brito] fundou o periódico A Mulher do Simplício, atacando Evaristo da Veiga; mas foi A Marmota a sua melhor atividade em jornal” (1966, p. 223). Cabe aí uma questão: por que Sodré, ao reconhecer o empenho jornalístico de Paula Brito, ressalta a atuação deste nos dois periódicos mencionados em detrimento àquela realizada em O Mulato ou o Homem de Cor, “o primeiro jornal brasileiro dedicado à luta contra os preconceitos de raça”, conforme ressalta a biógrafa do jornalista, Eunice Ribeiro Godim (apud CAMARGO, 1987, p. 41)?

Primeiro temos que nos ater à formação marxista de Nelson Werneck Sodré que condiciona o seu operador de leitura. Para essa corrente, a grande contradição da sociedade está na exploração do trabalho e não especificamente nas questões étnicas. O negro seria mais pobre e mais explorado devido à circunstância histórica do capitalismo brasileiro. Portanto, a centralidade no combate ao racismo nada mais é do que a luta contra o capitalismo. O problema desta posição é não considerar as especificidades já gestadas nos seios da sociedade, como o racismo, considerando-o apenas um sub produto das diferenças de classe. Deste modo, o periódico O Mulato foi percebido por Sodré como um veículo de comunicação que lutou contra a desigualdade imposta por uma sociedade submissa ao capital, a partir de práticas de exploração. Entretanto, este mesmo periódico, conforme alertam Oswaldo de Camargo e Eunice Ribeiro Godim, foi um instrumento de combate às desigualdades culturais incorporadas socialmente, com destaque ao racismo, denunciando-o como mecanismo de opressão.

O pertencimento étnico de Paula Brito, enquanto responsável decisivo para os seus posicionamentos ideológicos contra a “morte social” do negro, não foram levados em consideração por Sodré. A este interessava o combate do jornalista ao acerto hegemônico que pautava as relações pertinentes à economia política praticada no Brasil oitocentista. Paula Brito participou, como jornalista e tipógrafo, de forma decisiva, do “Sete de Abril”, em 1831, data reconhecida pelo historiador José Murilo de Carvalho (2001) como a verdadeira independência nacional: o início do governo do país por si mesmo. Naquele momento, a expressão partidária pautava a cobertura política feita pelos jornais da época. Conforme nos conta Sodré (1966, p. 142), os órgãos de imprensa se dividam em três áreas ideológicas: o primeiro grupo, constituído pelos conservadores de direita, eram ainda ligados às benesses obtidas no período regencial; o segundo, formado pelos liberais de direita, faziam o papel de centro; e o terceiro era constituído pelos liberais de esquerda. Neste encontrava-se, dentre outras personalidades, Paula Brito. Ele começava a sua carreira jornalística literária naquele momento, atacando em versos a figura central do liberalismo de direita, Evaristo da Veiga, no jornal A Mulher do Simplício, que ele mesmo imprimia, colaborava e era o editor responsável. A partir da imprensa panfletária, que inspiraria os pasquins, Paula Brito, na própria tipografia, fazia panfletos em favor do movimento de Sete de Abril.

Ao afirmar que “foi A Marmota a sua melhor atividade em jornal”, Sodré (1966, p. 223) quis destacar a figura de Paula Brito como o descobridor de talentos, acolhendo uma gama de escritores e dando-lhes a oportunidade de verem seus escritos publicados no periódico coordenado por ele. A linha editorial da Marmota buscava o entretenimento, isto é, distrair as sinhazinhas e os estudantes com romances e novelas anônimas. Foi naquele jornal que se deu a estréia, em 1855, daquele que viria a ser o maior escritor da literatura brasileira, Machado de Assis. Aliás, neste quesito, a fortuna crítica reconhece a generosidade de Paula Brito para com Machado, apadrinhando-o e oferecendo-lhe as primeiras oportunidades de emprego na sua tipografia. Lúcia Miguel Pereira oferece-nos um retrato cândido de Paula Brito. Vejamos:

 

Paula Brito, também mulato e pobre, começara a vida como tipógrafo na Tipografia Plancher, e, em 1831, estabelecera-se com oficina própria. Dentro em breve, tornava-se a sua casa o centro da vida literária. Tão bom homem quanto mau poeta, generoso, serviçal, sempre pronto a auxiliar os escritores com a sua bolsa e com grandiloquentes elogios na Marmota, por ele dirigida e editada. Francisco de Paula Brito foi realmente um grande animador.

Nos balcões de sua loja debruçavam-se para conversar todos os intelectuais do momento. (PEREIRA, 1988, p. 50).

Há distorções neste retrato de Paula Brito traçado por Lúcia Miguel Pereira. Ela aponta uma proporcionalidade entre a bondade do homem e a falta de qualidade em seus poemas. Suspeito que a crítica, para balizar a sua opinião, tenha se conformado em avaliar o livro Anôminas, uma coletânea de poesias de Paula Brito, publicada em 1859, deixando de fora os seus versos de ordem política. Revela-se aí um preciosismo estético que, necessariamente, não admite outras possibilidades de êxito literário, como a manifestação política que pode muito bem funcionar como parâmetro de qualidade textual. Em contrapartida, Sodré reconhece o potencial político dos versos de Paula Brito, no jornal A Mulher do Simplício, que foram combativos, em se tratando de um momento bastante turbulento da política brasileira que ajudou a consolidar formalmente o nosso processo de independência.

É preciso, neste caminho, ressaltar que o mérito de uma literatura que traga em seu bojo os anseios de grupos considerados minoritários, como é o caso dos afrodescendentes, é oferecer visibilidade política e artística a esta faixa da população. Se o cânone literário é marcado por uma natureza que vai além da política, em nome da estética, cabe dizer que esta ‘transcendência’ não é o único caminho de elaboração da expressão textual. Ou seja, os conflitos de ordem étnica, econômica, social, política, cultural e de gênero oferecem um material digno que posiciona a literatura como uma arte comprometida com o poder de transformação da humanidade, com vistas a se tornar uma comunidade mais solidária e menos sectária.

Além da problemática afrodescendente, a tipografia e a escrita de Paula Brito se comprometeram com a causa das mulheres, a partir da publicação do pasquim A Mineira no Rio de Janeiro, e com a defesa do entrudo, através do primeiro periódico do carnaval carioca, O Limão de Cheiro. Lembremos que o entrudo foi cercado por uma polêmica que marcou todo o século XIX. Por se tratar de uma diversão que consistia, dentre outras práticas carnavalescas, em os participantes arremessarem limões uns nos outros, o poder municipal, dentro de uma política higienista, buscou censurar aquela festa por considerá-la uma prática rústica e selvagem. Cronistas como José de Alencar endossaram este parecer. Em “Ao correr da pena”, de 14/05/1855, Alencar considerou o entrudo um “jogo grosseiro e indecente (...) que por muito tempo fez as delícias de certa gente” (1960, p. 722). Não se filiando à corrente anti-entrudo, Paula Brito entendia aquela festa como uma manifestação genuína dos ‘barrados no baile’: aqueles que não tinham acesso aos teatros e cafés pomposos, freqüentados pelos mais afortunados. Se considerarmos que “a cultura popular na cidade era, e ainda o é, fortemente marcada por manifestações de origem africana/afrodescendente”, conforme destaca o pesquisador Adélcio de Souza Cruz (2003, p. 23), podemos afirmar que Paula Brito revelou um dos mecanismos sutis de racismo no Império: um ataque mais endereçado do estamento dominante ao “espaço” ocupado por aquela população. Como vemos, o carnaval nem sempre foi sinônimo de alegria e de convivência pacífica entre os diferentes grupos étnicos e sociais neste país.

Ainda sobre a abordagem realizada por Lúcia Miguel Pereira a respeito de Paula Brito, cabe destacar o seu ‘ranço racista’ que prejudica uma melhor avaliação dos serviços prestados pelo nosso escritor à cultura brasileira. Ao dizer que ele era “bom” e “serviçal”, Pereira reforçou certos estereótipos construídos pelos brancos, quando se refere aos negros. Ergue-se a idéia do negro bom e prestativo, ciente do seu papel de subalterno e sempre à disposição para obedecer os mandos do sinhôzinho. Ela, em nenhum momento, reconhece Paula Brito como um intelectual e chega a chamá-lo de “animador”, isto é, um entusiasta da produção literária alheia, esquecendo-se (ou desconhecendo?) que ele foi também escritor. Cabe destacar que Paula Brito, além de jornalista, poeta e um dos precursores do conto no Brasil, conforme destaca Barbosa Lima Sobrinho (1966), foi tradutor das fábulas de Esopo e escrevia também peças teatrais, dramas e comédias, tais como O Triunfo dos Indígenas, Os Sorvetes, O Fidalgo Fanfarrão, que se perderam no redemoinho do tempo. Em seu esforço infatigável, criou o Arquivo Municipal, editou a Guanabara, redigida por Gonçalves de Magalhães, Porto Alegre, Joaquim Manoel de Macedo, Fernandes Pinheiro e Gonçalves Dias: a primeira geração romântica da literatura brasileira.

Se Lúcia Miguel Pereira enveredou pelo estereótipo do “negro bom”, marcado pela passividade e pela cordialidade deste perante a ordem escravocrata, retratando de forma distorcida Paula Brito, Machado de Assis, companheiro dele, atuou de maneira diferente, dedicando-lhe a crônica de 24 de dezembro de 1861, publicada no Diário do Rio de Janeiro, dias após a sua morte. Machado louva a bondade e a capacidade de Paula Brito em fazer amigos. Porém esta habilidade não parece isolada no comentário do cronista. Este, a seguir, reconhece enfaticamente a capacidade intelectual do amigo, manifestada de forma autêntica e coerente em suas posições políticas, jornalísticas e literárias. Para Machado, a generosidade de Paula Brito estava centrada tanto nos discursos ficcionais e reais que elaborou, como na ação de colocar à disposição dos escritores, principalmente dos jovens talentos, a sua tipografia, com o objetivo de estimular a produção e a publicação das obras destes. Por conta do seu espírito solidário e empenho intelectual, “deve-se chorar a perda de homens que, como Paula Brito, sobressaem na massa comum dos homens”, salientava Machado (1970, p. 96) na conclusão de seu texto.

Até o presente momento, foram ressaltados os feitos que projetaram Paula Brito como personalidade versátil do mundo das comunicações. Seu espírito empreendedor fez-se presente de maneira mais acentuada nos bastidores da atividade impressa, ao atuar como tipógrafo e editor, e nos jornais alternativos, emprestando a sua pena aos anseios daqueles que ficavam à margem dos holofotes do poder. Nesse último caso em especial, é necessário trazer à baila o ficcionista, que se fez presente no Jornal do Comércio, em 1839. A Edição Comemorativa do Primeiro Centenário daquele periódico indica que Paula Brito atuou por lá, de forma mais freqüente, “como tradutor de novelas e romances publicados em folhetins” (apud LIMA SOBRINHO, 1966:184) e também como redator em 1839 e 1840. Assinando P.B, ele, no Jornal do Comércio, foi autor de um conjunto de textos que foram destacados pelo jornalista Barbosa Lima Sobrinho (1966) como fundamentais para a formação do conto no país. São eles: “O Enjeitado” (28 e 29/03/1839), “A Mãe-Irmã” (10/04/1839) e “A Revolução Póstuma” (09/03/1839). Entre estes trabalhos de ficção, seguindo o critério de seleção, proposto pelo próprio Barbosa Lima Sobrinho em seu livro Os precursores do conto no Brasil, temos à disposição os dois primeiros contos anteriormente mencionados, que constituíram o nosso corpus de análise.

A mãe-irmã

Este texto de Paula Brito conta a história do casal negro, Alzira e Narciso, que, contrariando a moral e os bons costumes da época, tiveram o filho Guilherme, enquanto solteiros e sem o consentimento do pai da moça. O velho militar tinha outros planos para a filha, pois, ele buscava alguém de prestígio político e econômico, no caso, um militar, para casar-se com ela. Narciso não se enquadrava neste perfil, pois não era militar, ocupava a modesta posição de caixeiro viajante, além de ser propriedade do tio de Alzira. Atendendo a uma ordem dele, Narciso, a título de negócio, teve que embarcar para a Ásia, muito à contragosto, pois isto significaria separar-se de Alzira. Esta se vê diante de dois conflitos: o da gravidez indesejada e o da partida do companheiro. Ela resolve então dividir tais notícias com a mãe. Ambas simulam uma história para abafar o caso e não contrariar o militar. Para a felicidade dele, a esposa anuncia que está grávida, livrando a filha da “desonra”. Alzira, de mãe biológica de Guilherme, passa a ocupar o papel de irmã do menino. A avó ocupa o papel de mãe e o avô, o de pai. Deste modo, o militar realizava o seu velho sonho de ter um herdeiro. Em nome da ordem familiar, pautada pela dissimulação, tudo, até então, estava ajustado.

O script da trama apresenta a seguinte estrutura narrativa: apresentação, complicação, clímax e desfecho. No conto em questão, a apresentação é marcada predominantemente pela caracterização dos personagens. Paula Brito, por meio de Alzira, causou uma ‘reviravolta estética’ aos padrões de beleza da época, ao apresentá-la de maneira muito especial, vejamos:

Alzira tinha dezesseis anos; não era uma dessas fisionomias que tanta bulha fazem nos romances que nos vêm da velha Europa; era cá da América, e era bela quanto podia ser; não tinha essa cor de leite, que tanta gente faz entusiasmar, mas tinha um moreno agradável, próprio dos trópicos; suas faces não eram de carmim, mas de um pálido tocante, que convidava todas as afeições; seus olhos não eram azuis como o céu do meio-dia, mas eram negros como o azeviche; (...) seus cabelos não eram da cor do ouro, não lhe caíam em anéis sobre ombros jaspeados, mas eram finos, mui lisos, em muita quantidade, e mais pretos e luzidos que o preto ébano (....) (PAULA BRITO, 1966, p. 185, grifos nossos).

A descrição da personagem Alzira encontra-se relacionada ao campo semântico da natureza, como é próprio do Romantismo brasileiro. Porém, seus traços, que se contrapõem aos da estética dominante, são valorizados pelo escritor, através da voz narrativa. Não há no texto a reprodução do estereótipo comum da ordem senhorial, que ao caracterizar o afrodescendente, desenvolve comentários que ressalta uma série de atributos positivos, enquanto a cor é tida como um ‘defeito’. Paula Brito utiliza a conjunção adversativa (“mas”), de maneira a não inverter a polaridade do preconceito. Reconhece a beleza européia e loira, ao mesmo tempo em que ressalta a grandiosidade das mulheres de cor e de cabelos negros. Outro ponto que merece ser destacado é que o narrador utiliza a natureza como “cenário idílico” tanto para descrever as brancas como as negras, colocando-as em condição de igualdade aos olhos de quem as admira.

O conto traz em seu bojo a perspectiva de gênero. Enquanto o pai e o tio de Alzira são descritos como homens severos e rígidos, como rezavam as cartilhas do ‘bom’ militar e do ‘bom’ negociante, respectivamente; as mulheres, Alzira e sua mãe, são reconhecidas pela beleza e pela bondade. A denúncia da opressão feminina cometida pelos homens é um dos pilares temáticos do texto. Os desmandos da ordem patriarcal farão com que Alzira e sua mãe tenham que escamotear a verdadeira história que cerca o menino Guilherme, com o objetivo de não desagradar o velho militar. Ao advogar a favor da mãe de Alzira, Paula Brito destaca que, naquele contexto, a dissimulação é um dever quando a sinceridade é um perigo. Diante da hegemonia masculina, ou da “doxa falocêntrica”, no dizer de Eduardo de Assis Duarte (2002, p. 17), resta à mulher subalternizada a dissimulação1 como estratégia de sobrevivência.

Para tanto, em “A mãe-irmã”, o narrador, mesmo ciente da reprovação dos leitores diante da mentira, não se acanha em apoiar a esposa que enganou o marido, utilizando para isso o papel das circunstâncias na construção do veredicto moral de uma história. Como primeiro argumento, o contista recorre à Bíblia Sagrada para justificar o “direito de mentir”, quando a causa é nobre e/ou de sobrevivência. Rebeca engana Isaac para que este abençoe Jacó, ao invés de Esaú. Paula Brito resgata esta história cara à literatura universal para endossar a atitude da mãe de Alzira que mente para o marido a fim de salvar a reputação da filha e oferecer, por um outro caminho, o tão desejado “varão” ao esposo.

Além do aspecto religioso, o direito de propriedade é acionado pelo narrador para balizar a artimanha das mulheres da trama. Com a simulação feita, Guilherme passa a ser considerado filho do casal e Alzira, de mãe, é abordada como irmã dele. Neste caso, ela passa a ser a única herdeira da história, o que garante o sustento seu e do rebento. Não há a ameaça de terceiros que possam, portanto, se apoderar do patrimônio construído pela família. Diante destes motivos, o contista, na tentativa de convencer os seus leitores, pondera: “se estas razões não desculparem a boa mulher, não temos outras melhores para dar” (PAULA BRITO, 1966, p. 190).

A gravidez não-planejada de Alzira marca na narrativa o que Ulisses Infante (2001) chama de “complicação”, por se tratar da parte do enredo em que uma ação inesperada vai abalar o andamento normal da trama que, nos momentos iniciais, estava marcada pelos encontros românticos envolvendo a “feiticeira” dama e o escultural “mancebo”. Após adiantar que o relacionamento deles não seria bem assimilado pelo pai da moça e, por extensão, pela ordem social, o autor alerta que o sentimento amoroso abala as estruturas consideradas como racionais: “a razão pode muito, mas o coração pode mais que a razão” (PAULA BRITO, 1966, p. 187). Mais uma vez Paula Brito desloca um princípio filosófico ao arranjo cotidiano, ao parafrasear o pensador francês Pascal (1623-1662), que dizia que o coração tem razões que a própria razão desconhece.

Em decorrência do amor dos dois jovens, vários episódios se sucederam na trama, conduzindo ao clímax. São eles:

a ida de Narciso à Ásia, a mando do tio de Alzira, para tratar dos negócios deste;

o último encontro de Narciso e Alzira, que culminou na “inocência perdida” por parte da moça (PAULA BRITO, 1966, p. 189);

a decisão de Alzira em contar para a mãe que estava grávida de Narciso;

a “saída” encontrava pela mãe de Alzira ao dizer para o marido que era ela que estava esperando um bebê e não a filha, enchendo assim de orgulho o velho militar que finalmente teria um herdeiro para seguir os seus passos e administrar no futuro o patrimônio da família;

o nascimento de Guilherme, que se projetou na carreira militar a exemplo do pai-avô, apesar de dotado de alguns defeitos, “como o orgulho e irascibilidade pronta” (PAULA BRITO, 1966, p. 191);

o falecimento dos pais de Alzira, o que rendeu a Guilherme, como o novo chefe de família, o dever de governar os rendimentos e as ações da própria irmã (lembremos que o jovem, até então, não sabia que Alzira era, na verdade, sua mãe);

o retorno de Narciso ao Brasil, ainda encantado por Alzira, mantendo-se fiel ao amor nutrido por ela;

o reencontro de Alzira e Narciso que, solteiros, resolveram reatar os seus laços amorosos e afetivos;

a reprovação do relacionamento dos dois por parte de Guilherme, que estava com receio de Alzira querer se casar com Narciso. O jovem acreditava que Narciso, por ser pobre, poderia se aproveitar de Alzira, aplicando-lhe um “golpe do baú”, o que acarretaria em divisão dos bens.

Encadeados, esses acontecimentos levaram ao encontro ocorrido entre Narciso e Guilherme. No início, o pai quis poupar o filho da verdadeira versão dos fatos, desejando somente que lhe concedesse a mão de Alzira para casar-se. Nervoso, o jovem militar insistia em recusar, não restando a Narciso outro saída a não ser anunciar que ele era o seu verdadeiro pai e que Alzira, além de ser a sua mãe, se sujeitara a viver solteira para assegurar ao “filho-irmão” a fortuna da família. Este confronto entre pai e filho marca o momento crítico da narrativa, isto é, o “clímax”. Inesperado será o desfecho da história. Após o difícil e revelador diálogo entre Narciso e Guilherme, o contista toma a voz da narrativa para si com o intuito de dividir com o leitor as duas possibilidades que vislumbra para o desfecho da história:

De mim dependia agora fazer acabar tudo isto tragicamente; bastava mover o orgulho e irascibilidade do rapaz, e fazê-lo suicidar-se. Poderia descrever o suicídio à minha vontade, e mostrar depois o corpo do infeliz feito em pedaços, nadando em seu próprio sangue, e as lágrimas e desesperação da mãe e do pai. Mas, para que, se tudo isto não foi assim? Verdade primeiro que tudo (PAULA BRITO, 1966, p. 196).

Primeiro, Paula Brito, ao agir assim, rompe com aquele horizonte de expectativas que marca o universo romântico, não reforçando a idéia de que a morte é a única solução possível frente a um conflito que se apresenta como insolúvel. Tangencialmente, critica os contistas que se aproveitam do sensacionalismo para arrebanhar leitores, oferecendo-lhes um espetáculo banhado de sangue e marcado pelo desespero dos envolvidos. Tudo isso em nome de uma comoção pública generalizada, atendendo, assim, a porção mórbida presente nos leitores e os agentes envolvidos com a promoção de venda do jornal onde são publicados estes textos impactantes.

O contista encerra a história de maneira edificante, mostrando que a verdade e o amor triunfam sobre o medo e a hipocrisia social. Inicialmente abatido com a notícia que revelou os seus verdadeiros pais, Guilherme é reconhecido oficialmente como filho de Alzira e Narciso, que se casam. Vale a pena destacar que, fugindo à regra, este conto de Paula Brito, sob o ponto de vista étnico, finaliza-se com um happy end, ao possibilitar a concretização do casamento entre dois afrodescendentes, mesmo diante das dificuldades impostas pela ordem escravocrata.

Em se tratando do processo de composição do conto, Paula Brito apresenta sua narrativa de maneira breve, pois a brevidade facilita a manutenção do interesse; ao mesmo tempo, esta apresenta coerência e unidade entre as partes, do princípio ao fim, desenvolvendo-se no sentido de uma tensão crescente que se resolve no desfecho. A unidade relaciona-se, por sua vez, com a convergência de ações para o conflito único. Nesse modelo, o mais importante foi manter o interesse do leitor até o desfecho da narrativa, momento em que se resolve o conflito, de maneira surpreendente: a notícia bombástica de que Guilherme era filho de Narciso e Alzira, até então reconhecidos como alguém estranho e sua irmã, respectivamente, e o casamento dos pais do jovem militar. Agindo assim, em “A mãe-irmã”, Paula Brito tende muito mais ao modelo de conto sistematizado por Edgar Allan Poe (1809-1849) do que à estética do gênero proposta pelo russo Anton Tchekhov (1860-1904). Enquanto Poe (1985) ressaltava que o efeito do conto deveria ocorrer no final da narrativa, como se ela percorresse uma trajetória ascendente, em termos de tensão dramática, Tchekhov (apud ANGELIDES, 1995) desenha uma parábola, pois o meio do conto deve ser mais emocionante do que o final. A exemplo de Poe, Paula Brito pautou-se pela convergência de todos os eventos para o final da trama, organizando-os de forma hierarquizada, utilizando assim uma escala crescente no desencadeamento do conto.

O enjeitado

Em linhas gerais, o conto narra a história de Júlio, um jovem rapaz que desconhece as suas origens e que leva a vida atormentado pela necessidade de saber quem foram os seus pais. Júlio encontra na viúva Emília uma confidente, visto que ambos eram marcados pelo isolamento e pela melancolia decorrentes de suas histórias de vida. A jovem casara-se aos 14 anos: “não porque quisesse, mas porque assim lho havia ordenado os seus pais, e seu gênio demasiadamente dócil era incapaz de uma resistência” (1966, p. 203). O marido, que, à época, contava 25 anos, é descrito como tendo sido um homem grosseiro, marcado por uma “constante obscenidade e imundícia” (1966, p. 204), expressas em suas ações e palavras rudes. Já, viúva, depois de seis anos dedicados a um casamento marcado pela obediência ao marido, Emília adota um comportamento retraído semelhante àquele que lhe era imposto pelo marido.

Os primeiros encontros entre os dois, a princípio, são marcados pelo silêncio, que era uma necessidade do coração de ambos. Pouco a pouco, a aproximação vai ocorrendo, despertando-lhes o amor. Porém, o único obstáculo à concretização deste sentimento era a obsessão de Júlio em saber quem eram os seus pais. Depois da descoberta, o rapaz se sentiria digno do amor de Emília:

– (...) Se chegara a conhecer quem eles são; se a minha existência não tiver sido obra do crime, e por consequência não for para mim uma infâmia, correrei com a velocidade do raio; deitar-me-ei a vossos pés, donde só me levantarei para cair nos vossos braços; chamar-vos-ei minha, e nunca mais nos separaremos (1966, p. 203).

Sendo assim, Júlio parte em busca de informações a respeito dos seus pais, a fim de conhecer mais sobre si mesmo. Esta ausência faz com que Emília procure sua mãe para contar-lhe a respeito do amor que nutria pelo jovem. O diálogo entre as duas representa o momento de “complicação” do enredo. Sem saber, a jovem caminha em direção ao esclarecimento que Júlio tanto procurava. A mãe da jovem é a única testemunha viva dos fatos que envolveram no passado os pais de Júlio. Ela revela que a mãe de Júlio era a sua irmã, sendo assim Júlio e Emília eram primos.

O capitão-mor Mendonça havia tido vários filhos, sendo duas delas, Júlia e a mãe de Emília: “todos foram criados por seus pais, segundo os seus princípios, isto é, considerou-os a todos como seus escravos, e sobretudo a suas filhas, cujas vontades em coisa nenhuma foram consultadas” (1966, p. 208-209). O pai obrigara Júlia a casar-se aos 13 anos com o coronel Sousa – homem de meia-idade e endinheirado. Esta última característica era suficiente para que o pai de Júlia considerasse o pretendente como melhor partido para a filha: “sem dote! oh! esta razão é superior a todas” (1966, p. 209, grifo do autor). Revela-se aí o papel decisivo do patrimônio para determinar o casamento e a subalternidade feminina frente à ordem patriarcal. As mulheres chegam a ser consideradas escravas, e a vontade delas só fazem sentido se ecoar o desejo do homem, tido ali como senhor.

Deu-se o casamento conforme a vontade do pai. Júlia passou a viver em sua nova casa, suportando a embriaguez e as concubinas do marido. Para ele: “Júlia era apenas mais uma escrava que ia aumentar o seu serralho” (1966, p. 209). O capitão Sousa, depois de algum tempo, dedicado a resolver negócios particulares na Bahia, retorna ao lar, onde encontra uma criança que lhe foi apresentada como o “enjeitado”, fruto da traição conjugal de Júlia. Ao tomar conhecimento destes fatos, Mendonça, o pai de Júlia, apóia o genro na decisão de encarcerar a jovem esposa em um quarto localizado à parte da casa. Depois de descoberto o amante de Júlia, Sousa e Mendonça o matam na frente da jovem, com requintes de crueldade. Cinco anos depois de presenciar a brutal cena e ainda vivendo o cativeiro imposto pelo marido, Júlia morre.

Ao saber destes fatos descritos por sua mãe, Emília encontra-se em um impasse: revelar ou não o segredo a Júlio. Acreditando que os laços de sangue poderiam estreitar os laços amorosos, ela decide revelar o segredo. Depois de saber da triste história dos seus pais, Júlio desaparece da cidade onde vivia e da vida de Emília.

Oito anos depois, eles se reencontram de maneira inusitada. No leito de morte, Emília clama pela presença de um pároco. A ela é levado o religioso Santa Vitória, a fim de que possa conceder a extrema unção. Ambos frente a frente, reconhecem-se. Depois de saber os fatos que circundavam a sua família, Júlio converteu-se à ordem religiosa, “essa consoladora universal que tem remédio para todas as aflições da alma” (1966, p. 218). Depois disso, a tristeza e a revolta que o marcavam cedem lugar à melancolia. Emília, após receber as palavras de consolo, ditas por Júlio, falece. Poucos dias depois, os sinos da igreja dobram, anunciando o falecimento de Júlio de Santa Vitória, decorrente do abalo que lhe havia causado a morte de sua amada prima.

Faz-se importante destacar alguns aspectos da construção literária do conto. Primeiro deles é a teorização do gênero. Em “O enjeitado”, Paula Brito constrói o texto, localizando no meio da narrativa o seu ápice, já que o desenrolar do conflito dar-se pela revelação feita pela mãe de Emília. A revelação do passado desnuda o presente, marcado pelo desconhecimento de Júlio sobre a sua origem; assim como determina o fim da narrativa. Esta estrutura de composição foi posteriormente teorizada pelo russo Anton Tchekhov, dando a ela a representação gráfica de uma parábola. Deste modo, ele demonstra que na zona intermediária do conto deve-se concentrar o ponto culminante da trama.

O conto é narrado em terceira pessoa e se inicia por reflexões do narrador a respeito do seu próprio ofício. Enquanto a literatura européia pauta-se pelo relato do passado, a brasileira é marcada pela contemporaneidade. Enquanto historiador do presente, o narrador crer que a sua função seja contar aquilo que vê e ouve, “emprestando-lhe apenas alguns vestidos” (1966, p. 197). Sendo assim, o contista é tido como aquele que embute imaginação à realidade. O conto é marcado por inúmeras descrições que servem à caracterização das personagens e à contextualização histórica. Este narrador onisciente lança, em meio ao enredo, opiniões e julgamentos a respeito das ações do envolvidos na trama, configurando-se assim uma posição crítica por parte do contista sobre a realidade do seu tempo.

Conforme já foi dito, a dominação do homem sobre a mulher é um dos fundamentos caros à sociedade patriarcal do Brasil oitocentista e que, por vezes, recebe críticas por parte do narrador ao longo do conto. A união de Emília e o marido é um exemplo disto, sendo assim descrita:

Sofrivelmente orgulhoso, sua mulher era para ele mais que os seus escravos; e rigorosamente seria punido aquele que lhe fizesse a mais leve injúria; mas supunha sua mulher muito menos do que ele, e nem lhe era permitido levantar os olhos diante de seus olhos (1966, p. 204).

Esta passagem destaca, aos olhos do marido de Emília, a superioridade da mulher em relação ao escravo, apesar de ambos serem percebidos como propriedade sua e como dependentes seus. Mesmo tendo consciência deste caráter opressivo, Emília, em nome de sua ‘doçura’, obedece prontamente ao esposo. Tal conduta reforça a avaliação do pensador Rousseau que destacava ser a obediência e não a sinceridade a grande virtude feminina (apud DUARTE, 2002, p. 19), além de enquadrar a astúcia, os pequenos cuidados e a doçura insípida como características exclusivamente femininas, cabendo aos homens a inteligência, a sabedoria e o poder de decisão. Este caráter subordinado da identidade feminina já era combatido por Mary Wollstonecraft, primeira feminista inglesa, através do seu Vindication of the rights of woman, publicado em 1792. A personagem Júlia, do conto de Paula Brito, já era reprimida pelo marido e pelo pai, a exemplo de Emília, porém não teve o comportamento passivo desta. Conta o narrador que “Júlia não sofreu calada a sua nova posição; desde os primeiros dias uma guerra declarou-se entre o marido e a mulher, que com insultos pagava os insultos que recebia. Anos passaram-se nesta luta” (1966, p. 209).

A exemplo do conto “A mãe-irmã”, onde o contista defende Alzira e sua mãe, quando elas decidem esconder do velho militar a gravidez da filha, dizendo que o rebento na realidade era filho da mãe de Alzira, ele advoga também a favor de Júlia, quando esta resolve trair o coronel Sousa, digno de barbaridades que enervavam seus administradores, feitores e escravos:

Este homem, (...) todos os dias violava a fé conjugal com manifesto escândalo, levantou altos gritos contra a esposa infiel; este homem, (...) aliás perdera todo o direito de queixar-se, pois que o crime de sua mulher era uma consequência, ousamos dizer, natural e necessária de seus crimes (1966, p. 209).

Em um sistema opressivo como é o patriarcal, o oprimido vê na vingança uma oportunidade de pagar com a mesma moeda a opressão sofrida. Desta forma, o envolvimento extra conjugal de Júlia deve ser entendido como consequência do tratamento cruel que recebera do marido. Também pode ser vislumbrado como um acerto de contas diante das sucessivas traições do esposo. A outra casta, também oprimida, composta pelos escravos também exercem a vingança, conforme descreve o narrador:

Um quarto foi de propósito na casa de Sousa, e a infeliz delinquente foi encerrada nele; ali uma vez cada dia lhe era levada uma magra ração por suas escravas, que aliás tinham ordens positivas para lhe dirigirem os mais grosseiros e atrozes insultos, e elas satisfaziam bem a vontade de seu senhor, vingavam-se bem dos dias que foram obrigadas a servi-la. (1966, p. 210).

Nesta passagem o dever de servir, computado aos cativos, configura-se como forma de exercício de vingança, uma vez que Júlia é vista como extensão da ordem senhorial. Para estes que se encontram no último degrau da hierarquia, vingar-se daquela era uma forma concreta de atingir o estamento senhorial. Vale a pena ressaltar que as condições desfavoráveis em que se encontrava, somada à alimentação que lhe era oferecida – “uma magra ração” – apontam o olhar animalesco com que o marido percebia a esposa.

Paula Brito, pela voz narrativa, reflete sobre as identidades masculina e feminina, desvinculando-as de quaisquer essências imutáveis, e mostrando como o homem aproveita de sua superioridade física e de seu favorecimento hegemônico para reprimir a mulher. Ao mesmo tempo, denuncia as ações masculinas, que, por meio de artimanhas que beiram à infantilização e à reificação do ser feminino, fundamentam culturalmente a “verdadeira natureza” deste. Assim, o contista utiliza-se da ficção para denunciar o quanto a mulher era estrangulada pelo casamento, reconhecido pela ordem patriarcal como seu único meio de elevação social, pagando um preço alto para manter-se imbecializada e reduzida a miserável objeto de prazer.

Referências:

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1 Gostaria de ressaltar, neste momento, a aproximação entre as questões de gênero levantadas por Paula Brito, em “A mãe-irmã” e por Caetano Veloso, na canção “Dom de iludir” (1986). Esta pode ser entendida como uma releitura atualizada da subalternidade feminina denunciada anteriormente por Paula Brito. Versos como: “Não me venha falar na malícia de toda mulher/(...) Você diz a verdade/ A verdade é seu dom de iludir/ Como pode querer que a mulher/ Vá viver sem mentir”, são capazes de demonstrar a aproximação entre a música e o conto. Repare que Paula Brito e Caetano Veloso, cada qual a seu tempo, revelam o comportamento abusivo de um sistema falocêntrico que recalca a diferença e cala a voz do outro, do “segundo sexo”, nos dizeres de Simone de Beauvoir (1980). No sistema opressivo, a Verdade, enquanto elemento estético, não é imparcial, e tende ao espectro masculino. Nesta escala, enquanto o homem é considerado o Sujeito, o Absoluto, à mulher compete ser o Outro, restando-lhe, enquanto ‘sexo fragilizado’, driblar o adversário, ludibriando-o se preciso for, em nome da preservação de sua integridade física e moral.

 

* Marcos Fabrício Lopes da Silva é poeta, jornalista, professor e Doutor em Literatura Brasileira pela UFMG. Autor de Deslokado (2010), Doelo (2014) e Aberto pra gente brincar de balanço (2017).

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