Ò paí, Ò!
(Fragmento)
Cena 8
(Loja de Gereba)
Guarda - Pois é, seu Gereba. Aquela grana que eu tava lhe devendo. Tou atrasado no aluguel da casa, tenho 5 filhos pra criar... De maneira que...
Gereba - Tá bom, tá bom, a gente sabe que vocês são fodidos mesmos, ganham mal, não é? Vamos deixar pra lá. Isso aí você me paga com outras obrigações. Vocês são que nem papel higiênico: quando não tão enrolado, tão na merda.
Guarda - Inclusive eu já fiz um serviço pro senhor. Aqueles pivetes que ficavam aqui perturbando a loja do senhor, eu já dei um jeito neles.
Gereba - Quer dizer que eles não vão mais voltar e ficar por aí perturbando?
Guarda - Impossível!
Gereba - Mas impossível por que?
Guarda - Foi definitivo.
Gereba - (Meio culpado) É, de qualquer jeito eles tavam por aí mesmo na rua... Não tem pai... Depois foi melhor assim, eles iam crescer, criar mais problemas pra você, pra mim. Foi melhor assim. [...] Os meninos de fora se juntam com os daqui... aí matam, roubam, estupram, pintam miséria. Você não vê os filhos daquela que se diz dona daquele cortiço, aí ao lado? Ela tem dois filhos que não são gente, é o satanás em figura.
Guarda - Sei quem é...
Gereba - Eu já disse a ela pra tomar uma providência, senão eu vou tomar as minhas.
Guarda - Fique tranquilo, as providências já foram tomadas – foram eles.
Gereba - Eles o que? O que eu disse a você? O que foi que a gente combinou? Pra não pegar os da área. Os da área a gente dá um jeito, fala com o pai, com o tio. Se a comunidade sabe disso, se esse povo do Olodum sabe disso, eu tou fodido, eu tou fodido.
Guarda - Olha aqui seu Gereba, eu faço esse serviço há mais de dez anos e muito bem feito.
Gereba - Bem feito desse jeito?
Guarda - Era ou não era pra limpar a área?
(Meirelles, 1995, p. 133-135).