A perda da cor

 

Celinha, uma das meninas mais lindas da vila, achou de juntar os panos com um tal de Tuin, que apareceu por estas bandas botando banca de sambista.

Só porque um samba seu, certa vez, ganhou um concurso numa escola, o moço se dizia bamba e achava sempre algum inocente que botava fé na sua arte.

Tenho que admitir, porém, que o crioulo era mais ou menos boa pinta e bom de papo. Mas também era só isso.

Nossa querida Celinha, na flor de seus dezessete anos, caiu na conversa do maresia e, mesmo contra a vontade da mãe e os conselhos do guia, foi pra junto do tipo.

Não demorou seis meses pra ela perceber a mancada que dera.

O rapaz não queria nada com o batente.

O sufoco começou com a falta de grana, a falta de decisão, as promessas não cumpridas.

Além disso vivia dando em cima das suas amigas.

Um dia, chegando do trabalho mais cedo do que de costume, ela encontra o malandro-otário fazendo e acontecendo com uma branquinha que morava no barraco em frente.

Aprontou o maior auê; quis luta com o freguês.

O sambista, em vez de ficar na miúda, desafinou e arrepiou a menina, enquanto a branquinha escorregava pela porta do fundo, ainda em trajes menores.

Com dor-de-corno e no corpo, voltou pra casa da mãe.

No terreiro pediu vingança. Exu desceu e prometeu corretivo terrível pro descarado.

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No outro dia, o salafrário acordou tarde como sempre. Quando foi fazer a barba e olhou-se no espelho quase cai de costas.

A imagem que via era de um homem branco.

Tudo era igual: os olhos grandes, nariz achatado, o cabelo carapinha, os lábios grossos, mas. . . estava branco.

Incrivelmente branco.

Tuin ficou desesperado, foi ao Pronto-Socorro, pensando ser doença.

O médico disse que ele estava louco, quase o manda prender.

"Onde já se viu alguém ser preto e virar branco? Esse cara tá querendo me gozar!"

Na rua todo mundo olhava com curiosidade.

Chegando à conclusão que era coisa feita, foi pedir conselho ao seu Quinzinho, que é um velho malandro, ex-cidadão Caruru, conhece­dor das coisas deste e de outros mundos.

E seu Quinzinho, cheio de macetes, respondeu calmo:

"Meu filho, te fizeram um trabalho que ninguém pode desfazer, tiraram a tua cor e perderam ela no mundo.

Agora tu tens que sair por esta terra de Deus pra achar."

Desse dia em diante Tuin não foi mais visto na vila, pois tornou-se uma espécie de alma penada, vagando desesperado atrás de sua cor, tão bonita e agora irremediavelmente perdida.

A maldição é tão grande que qualquer pessoa tocada por Tuin também perderá a cor.

Todos fogem dele, mas sempre consegue tocar alguém.

E é por este motivo que o mundo está cheio de negros que perde­ram a cor.

É por causa disto que existem milhões de irmãos nossos que não sabem por onde anda a sua negritude.

(Cadernos negros 4, p. 94).