Agosto

exatamente a esta hora
os garotos escondidos
ao pé da porta cerrada
             do Banco Nacional
entre camas de caixas
             rompidas
             de papelão
e trapos de sono e sonho
em quem tropeçamos todos os dias
de manhã
quando passamos pela Rio Branco
em cadência comercial acelerada
ao comando dos relógios de ponto
já estão de velhos pelas ruas
com seus estômagos de vácuo
lustrando sapatos de couro cromo
para-brisas de carros rancorosos
vendendo flores feridas de abandono
cascas de amendoim
com as bocas gritando por substância
ou a exigir com trancos
(mãos de relâmpago nos bolsos
                                   pastas ou bolsas)
e uma corrida desabalada
                     ao imprevisível
                    (ou nem tanto)
o que lhes seria de direito
(de há muito que cobramos
esta dívida eterna)

exatamente a esta hora
soçobramos em um mar de pernas
rostos coxas roliças bustos
                  traseiros ondulantes
pela Paulista São Bento Barão...
(os olhos respingados de números
cartas compromissos a saldar
fichas de computação
                     e desejos estéreis
que iremos tentar adormecer
sobre balcões e mesas
tão logo nos cubra a agonia)
 
a esta hora exatamente
a esta hora
                 no Rio
bombas explodiram
madeira ossos estuque e artérias
e aqui
os edifícios não moveram
sequer um músculo
                            como sempre
                    (Plano de voo, p. 23-24)