Como num passe de mágica, o que era um monstro medonho se transforma numa bonita paisagem, um imenso jardim com rosas, borboletas esvoaçantes e até uma cachoeira da qual escorre um rio, que lava tudo o que poderia ser chamado terror...
Mais tranquila, Luana se lembra do que a fez acordar: o som dos tambores...dos tambores falantes... é isso mesmo!
Tum dundum bac – Tundum dundum bac – Tatá tatá tatá...
E Luana entende tudo o que eles estão dizendo: “Vem, Luana, esperança de Palmares! Esperança das sementes de Zumbi!”.
[...]
De tempos em tempos, [Luana] vai com os pais à capital, onde se encontra com uma turminha muito especial. Ao lado de seus amiguinhos, ela descobriu que a beleza da gente não depende da raça, da cor, da idade, se é homem ou mulher, gordo ou magro, alto ou baixo. Depende, apenas, de como você se sente: bonita ou feia. E a turma só tem criança bonita, porque só tem criança feliz.
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Quando chega a Cafindé, Luana sente que ela se tornou semente também. Agora entende o que quer dizer remanescente de quilombo. Não é apenas um pedaço de terra, é, sim, um pedaço da história verdadeira e maravilhosa de um povo que, por quatro séculos, participou ativamente da construção da riqueza desta nação, sem o direito de desfrutar esta riqueza.
E Luana sabe que, hoje, mesmo não sendo mais escravo, ainda falta muito para o seu povo ser verdadeiramente livre e ser tratado com todo respeito a que tem direito.
(Luana: as sementes de Zumbi, p. 9-40).
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Luana acha impressionante a história que Atino está lhe contando. Ela também tem um berimbau. É um berimbau. É um berimbau mágico que a ajuda a viajar para o lugar que quiser, no tempo que desejar, na atualidade, no passado ou no futuro. Naquele momento reconhece seu berimbau como um símbolo da liberdade. Que maior liberdade que a de poder ir para onde e quando quiser?
Atino o solitário, já não parece o mesmo. Ganhou uma vitalidade sem igual, ao contar a história de seu ancestral. Já nem parece o homem triste que todos em Cafindé conhecem.
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Berimbau...Luana entende bem quanto e por que Moromba amava o próprio berimbau. Ela sente o mesmo pelo seu. Lembra-se, então, do dia em que ele se tornou mágico. Chovia muito. Olha só, chuva na história de Moromba e chuva em sua história!
Lembra que, antes da chuva, estava a caminho da casa da vovó Josefa e parou para conversar com seu amigo Cauê, um menino tupiniquim, descendente dos primeiros habitantes do nosso país. Aí, o aguaceiro despencou e um raio caiu bem na corda de seu berimbau. A partir desse dia, basta tocá-lo e desejar muito ir para um tempo e um lugar diferentes, para ela chegar lá.
(Luana: capoeira e liberdade, p. 20-31).