Poema Sobre Palmares

Nos pés tenho ainda correntes,
nas mãos ainda levo algemas
e no pescoço gargalheira,
na alma um pouco de banzo
mas antes que ele me tome,
quebro tudo, me sumo na noite
da cor de minha pele,
me embrenho no mato
dos pelos do corpo,
nado no rio longo
do sangue,
vôo nas asas negras
da alma,
regrido na floresta
dos séculos,
encontro meus irmãos,
é Palmar,
estou salvo!
 
Uma lança caneta-tinteiro
escreveu liberdade no céu,
riachos e palmeiras,
matos e montanhas,
e se espalhou no ar uma aura boa,
sono de leves pálpebras,
sonho de grandes asas, fofas plumas.
Palmar!
e um brado irrompeu, honra e brio,
nosso brado maior, nobre e digno,
irrompeu
do mais fundo subterrâneo,
violência de lavas escuras
transbordando libertas!
 
Zumbi – nome gravado
A lança
nos contrafortes da serra,
a sangue
nos contrafortes da história
a fibra
na alma forte dos negros!
 
Palmar!
palmeiras de sentinela
guarnecendo a memória dos teus
bravos!
 
Palmar!
arranquem todas as palmeiras
e mais se encravará
a raiz da memória,
quebrem os contrafortes
e não se abalará
tua glória,
queimem a história toda
e verão que és eterno!

[...]

 

(obra reunida, p.109).