Brechtiana
[para Abdias Nascimento]
Primeiro,
Eles usurparam a matemática
A medicina, a arquitetura
A filosofia, a religiosidade, a arte
Dizendo tê-las criado
À sua imagem e semelhança.
Depois,
Eles separaram faraós e pirâmides
Do contexto africano –
Pois africanos não seriam capazes
De tanto inventiva e tanto avanço.
Não satisfeitos, disseram
Que nossos ancestrais tinham vindo de longe
De uma Ásia estranha
Para invadir a África
Desalojar os autóctones
Bosquímanos e hotentotes.
E escreveram a História a seu modo.
Chamando nações de “tribos”
Reis de “régulos”
Línguas de “dialetos”.
Aí,
Lançaram a culpa na escravidão
Na ambição das próprias vítimas
E debitaram o racismo
Na nossa pobre conta.
Então,
Reservaram para nós
Os lugares mais sórdidos
As ocupações mais degradantes
Os papéis mais sujos
E nos disseram:
– Riam! Dancem! Toquem!
Cantem! Corram! Joguem!
E nós rimos, dançamos, tocamos
Cantamos, corremos, jogamos.
Agora, chega!
(Poétnica, p. 31-32)