O homem de touca

 

A rua era movimentada e, no meio da tarde, as pessoas caminhavam em direção a seus destinos.

De repente, um homem magro e de touca andou mais rápido em direção a outro, que usava terno e fumava.

– Aí, parado aí – gritou o homem de touca, apontando uma arma para o outro, em cujo rosto a expressão inicial de surpresa foi substituída pelos sinais do mais absoluto pavor. Tentou afastar-se, o cigarro caiu.

– Parado aí. Parado aí. É ocê mesmo, vagabundo.

Assustadas, algumas pessoas pararam e outras começaram a correr, tentando não despertar a tenção do homem que estava com o revólver.

– Calma, calma – o homem que usava terno conseguiu falar, dominando o medo. Estava com as mãos meio levantadas, como a mostrar que era inofensivo. Notou que o outro tremia.

– Calma, nada, vagabundo. A casa caiu, maluco. Lembra daquela fita lá?

– Você está enganado.

– O caraio, rapá. Aquela fita lá, maluco. Aí, cê tá me devendo.

– Cê tá enganado.

– Não me tira, não.

– Eu nem te conheço. Não conheço, não. Eu juro.

Uma sombra de dúvida passou pelo rosto do homem de touca. Ele se deu conta de que estava no meio da rua. As pessoas ao redor pareciam fascinadas, na expectativa do que iria acontecer. O homem de touca abaixou a arma, mas estava pronto para usá-la.

– Não conhece, não?

– Nunca te vi antes. Juro pela minha mãe.

Um homem jurar pela mãe é um barato sério. Mãe é algo sagrado. Não se põe assim no meio da conversa.

– Cê passa aqui todo dia. Nunca me olhou? Um neguinho de touca, alto. Pô, maluco, vai dizer que nunca me viu? Já até mudou de calçada pra não passar perto de mim!

O outro homem pareceu indeciso. Será que conhecia mesmo o cara? Podia até ser, podia até ter mudado de calçada. Tinha esse direito, podia evitar quem quisesse. Mas, não se lembrava, nem ia admitir que tinha feito isso.

– Pelo amor de Deus, eu juro. Eu ajoelho aqui se você quiser. Nunca te vi, não te conheço, não sei quem você é.

O homem tentava manter-se controlado. Mas, embora a voz quisesse ser firme, por um momento os olhos ficaram marejados, uma das pernas se dobrou e ele começou a se ajoelhar.

O homem de touca olhou-o com pena. De repente, guardou a arma e disse calmamente:

– Aí, falei que tava me devendo. Mais um. Mais um que não sabia quem eu era. Aí, maluco, agora já sabe.

Enquanto o barulho da sirene crescia como um grito, o homem de touca saiu andando, perdendo-se no meio da multidão.

(Cadernos Negros 26, p. 93-95)