GRILHÕES II

 
Somos negros,
e fomos forçados a trabalhar
na lavoura,
sob o sol calcinante,
sob o chicote
que laceravam nossa carne,
sob a chuva
que encharcava-nos os ossos,
sob ventos
que pareciam varrer de nossa alma
a liberdade,
a vida, o amor.
 
Somos negros,
e éramos nós e a foice,
ambos iguais,
um completava o outro.
Ela como um
prolongamento do braço.
O braço como um
corpo que lhe faltava.
E as mãos calosas e duras,
já se identificavam com a foice,
tornaram-se amigas e confidentes.
Ela contava-nos das pedras,
das terras, das águas,
de tudo o que encontrava
em sua labuta diária.
Nós
falávamos das saudades,
do cansaço.
da dor do chicote em nosso corpo,
e nos fizemos amigos.

       

      (Ave de Rapina. p 58)