Canção
A Bernardino Machado
I
Mostraram-me um dia na roça dançando
Mestiça formosa de olhar azougado
Co’um lenço de cores nos seios cruzado,
Nos lobos da orelha pingentes de prata.
Que viva mulata!
Por ela o feitor
Diziam que andava perdido de amor.
II
De entorno dez léguas da vasta fazenda
A vê-la corriam gentis amadores,
E aos ditos galantes de finos amores,
Abrindo seus lábios de viva escarlata,
Sorria a mulata,
Por quem o feitor
Nutria quimeras e sonhos de amor.
III
Um pobre mascate, que em noites de lua
Cantava modinhas lundus magoados,
Amando a faceira de olhos rasgados,
Ousou confessar-lho com voz timorata...
Amaste-o mulata!
E o triste feitor
Chorava na sombra perdido de amor.
IV
Um dia encontraram na escura senzala
O catre da bela mucamba vazio:
Embalde recortam pirogas o rio,
Embalde a procuram nas sombras da mata.
Fugira a mulata,
Por quem o feitor
Se foi definhando, perdido de amor.
(1870)