Ojuoyin

Ah, que tonteira é essa que faz o corpo todo querer apenas uma coisa e que essa coisa se torne tão parte do seu querer que passe mesmo a ser parte do seu corpo e sendo corpo, mas coisa em falta, não deixa nunca de ser intenso querer?

Que todo órgão do corpo que atua, que cada célula que por vida respira, parecem somente atuar e respirar por um motivo único, longe do qual tudo é necrose e apatia, tudo é sem motivo e cinza e ainda que muito respirasse e atuasse e fosse flores e céus azulados, alguma coisa assim ausente tornaria todo paraíso, desnecessária futilidade?

As ondas do mar se quebravam forte sobre o paredão de pedra. Em toda sua força, era lentamente que essas ondas se formavam no meio do mar, e tão suavemente se formavam e tão lentamente se avolumavam que surpreendia a força com a qual quebravam contra o paredão de pedra. Obainã observava, sentado acima do paredão, com os joelhos dobrados e os braços por cima dos joelhos, o rosto olhando por entre os braços, como se estivesse escondido, mas estava somente observando o espetáculo das ondas se partindo contra a pedra imóvel.

Percebia que toda a força com que a água viva se chocava contra a estrutura de pedra e toda sua violência, preservava uma lentidão tremenda, uma perfeição de movimentos tão sincrônica, que era mesmo um bote em câmera lenta, como o mais rápido golpe de um capoeirista angoleiro, preservava essa mesma lentidão terrível de segundos que nunca acabam e que ficam minuciosamente gravados na memória dos que têm o privilégio de assisti-los.

Toda essa dança exalava sentido de sagrado e era isso o que precisava naquele momento. Saber que as coisas são sagradas e que cada micromolécula do cosmos está inevitavelmente dedicada pra que tudo aquilo que tem força prospere e que toda vontade obstinada alcance sua meta e conduza o universo em seu caminho de transformações infinitas.

Nada mais natural que um rapaz chamado Obainã se sentisse maternalmente acolhido e protegido diante da imensidão do mar.

[...]

(Morte e vida virgulina, p. 83-84).