Amor do fruto deformado

 

eu sangro e choro

sou quase capaz de ser refeito.

falo às pedras que um dia

elas serão instrumento

para eu conseguir o nosso pão.

falo o meu silêncio

no vácuo das emoções que me arrancaram.

só os escorpiões não sabem

quantas vezes me ferrei de solidão.

 

eu, maldito nós, sempre feito de pedra

que não se dá jamais ao absurdo

que nunca se vê fora do próprio útero

mas que finge ser vida da vida.

 

te encontrei semente estéril

flor de todas as culpas e sem mistério

sendo por dentro um só vazio

peito amargo, cheio de feridas.

te vi transformada num lugar

que ninguém ousaria se esconder

que nem mesmo um verme habitaria.

mas raspei da mente o medo

a hipocrisia, os sonhos pretendidos

ensanguentei minha cultura e mitos

até que por fim juntei-me a ti.

 

agora o tempo é um

amontoado de horas sórdidas

e o ódio se tempera com angústia

e a frustração remenda trapos

e as cinzas do amor já são do vento

eu me vejo por dentro dos momentos

tramando sinais esquizofrênicas

te suicidando num caso ao acaso

utilizando a morte pra te ver morta

e ter com isto

um sofrimento só pra mim.

 

amores...busquei-os feito tolo

e em desamores desaguei.

bebi a seiva das dores

na fonte dos sonhos. venenos

embriagar-embriaguei: embrionei-me

sinas inesperadas

tristezas somente imaginadas

nos versos de ocasionais poetas

e nas verdades contidas

no coração da gente simples

que o cotidiano esmaga e oculta

sem que ninguém veja

o desespero exposto nos varais.

não encontrei minha cria, meu rebento.

o silêncio do teu corpo

posso traduzir agora

com meu próprio silêncio

pois o passado nos deixou apenas

esta ausência da nossa carne

entre os fatos da vida.

por amor mata-se as ilusões

cega-se o coração, vende-se a alma

e, ainda, por amor perde-se a calma

de esperar que o amor se faça amor.

(Cadernos Negros 9)