Os comedores de palavras

 

I. Apresentação

 

Você sabe o que é um “griot”? É como são chamados, na África, os contadores de histórias. Eles são considerados sábios muito importantes e respeitados na comunidade onde vivem.

Através de suas narrativas, eles passam, de geração em geração, as tradições de seus povos.

Nas aldeias africanas, era costume sentar-se à sombra das árvores ou em volta de uma fogueira para, aí, passar horas e horas a fio, ouvindo histórias do fantástico mundo africano transmitidas por estes velhos “griot”.

Este livro fala de um contador de histórias.

De um país distante onde as árvores falam...

De um menino triste...

E de um tambor encantado...

 

II. Os comedores de palavras

 

No distante País das árvores que falam vivia um contador de histórias, que viajava acompanhado de seu filho. Juntos atravessavam rios e montanhas.

Por onde passavam, o contador de histórias tocava o seu tambor e logo histórias nasciam em sua boca. Eram vivas como a serpente do arco-íris.

Ao final das histórias, o contador desafiava os ouvintes:

Vim de muito longe

Para as terras do senhor rei.

Venci o bicho silêncio

e minhas histórias contei.

Todos aplaudiam, oferecendo presentes para o contador e seu filho. Um dia, porém, o Monstro Engolidor de Gentes levou o contador de histórias. O menino ficou triste, tão triste que seu cabelo se esqueceu do sol e da chuva.

O menino estava decepcionado por não saber histórias como o seu pai. Até o tambor tinha adormecido. A tristeza era tão grande que o menino resolveu morar no País dos Bichos Comedores de Palavras. Lá, ninguém lhe pediria para contar histórias e ele não sentiria vergonha por não sabê-las.

Depois de muito caminhar, chegou a uma casa cercada de árvores com olhos. Ali morava a Senhora-que-viu-tudo-neste-mundo. Ela perguntou-lhe:

– O que você faz tão longe de sua terra?

O menino contou a sua viagem e a luta de seu pai com o Monstro Engolidor de Gentes. Contou também sobre o tambor que adormecera.

Para distrair o menino, a Senhora disse-lhe tudo o que tinha visto no mundo. O menino ouviu com atenção. Em seguida, quis saber o caminho para chegar ao País dos Bichos Comedores de Palavras.

A senhora disse-lhe:

– Você deve viajar até a casa do Senhor-que-guarda-histórias-na-cabeça. Ele poderá ajudá-lo.

Assim fez o menino. E contou suas aventuras ao Senhor, que lhe recomendou:

– Quem pode ajudá-lo é a Senhora-que-tem-alegria-de-inventar-palavras.

Assim fez o menino. E narrou suas aventuras à Senhora, que lhe disse:

– Você não deveria buscar o País dos Bichos Comedores de Palavras.

– Mas sinto-me tão triste, Senhora. O tambor de meu pai adormeceu. Não sei como fazê-lo falar para a felicidade das pessoas.

A Senhora não insistiu, apenas indicou:

– Você precisa caminhar sete noites de lua crescente para encontrar o que procura.

O menino agradeceu e partiu. Depois de sete luas crescentes, avistou uma terra deserta. Seu coração estremeceu de medo. Mas ele avançou. Chegando a um portão de gelo, foi detido por vários bichos comedores de palavras. O mais terrível deles falou:

– Uhó... uhó... uhó... Antes de entrar, você deve dizer quem é. Depois de comermos suas palavras, você poderá passear pelo nosso jardim de silêncios.

Então, o menino que viu tudo neste mundo, que guarda histórias na cabeça e tem a alegria de inventar palavras começou a contar suas aventuras.

Os bichos comiam... comiam... comiam... comiam palavras. Elas eram de todas as formas e de toas as cores. Os bichos não podiam mais comer. Estavam plenos de palavras! Mas o menino continuava a criar histórias.

Por fim, os bichos gritaram:

– Você não pode entrar em nosso país, porque sabe inventar e contar mais histórias do que somos capazes de comer...

O menino estava novamente triste. Não havia lugar para ele no mundo. Caminhou sem direção até encontrar um velho que cuidava das árvores na beira da estrada. Pediu-lhe água e comida. O velho disse:

– Posso lhe dar o que me pede se você me der em troca este tambor.

– Sim, concordou o menino.

E passou as mãos no tambor para limpar a poeira que estava sobre ele. Ao mesmo tempo, começou a contar como viu tudo neste mundo e como venceu os bichos comedores de palavras.

Logo, as pessoas se ajuntaram para escutá-lo. O velho, então, falou:

– Não posso ficar com o tambor. Você é um contador de histórias e precisa dele para alegrar as pessoas.

O menino agradeceu ao velho contando-lhe a história da princesa que se casou com o dia. E seguiu adiante. Por onde passava, agradecia os regalos que recebia tocando o seu tambor. Todos se sentiam felizes por ouvir o menino que viu tudo neste mundo e contava histórias vivas como a serpente do arco-íris.

(Os comedores de palavras, 2003, p. 6-9).