Cantigas
Quem quiser saber se eu amo,
Repare em meus olhos bem;
Que eles não sabem calar
A paixão que o peito tem.
Inda bem ó meu cuidado,
Dizem que o amor é crime,
Eu gosto de ser culpado.
Jurei não amar; e eu amo;
Foi baldada a minha empresa;
Mais quem pode resistir.
Aos encantos da beleza?
Inda, etc.
Jurei não amar, e eu amo,
Confesso a minha fraqueza,
Mas não é meu todo o crime;
É também da natureza
Inda, etc.
Talvez sem razão me culpa
Quem o meu amor crimina;
Pode ser que ele me inveje
Quando vir que eu amo Elfina.
Inda, etc.
O que se gabar de livre;
Não zombe do estado meu,
Que se vir a minha Elfina
Será cativo como eu.
Inda, etc.
Se é um crime o ser amante,
Bem criminoso sou eu;
Mas é tão gostoso o crime
Que eu gosto bem de ser réu.
Inda, etc.
Não cuides formosa Elfina,
Que Eu ímpias lições te dite,
Um puro amor é virtude,
É crime amar de apetite.
Inda, etc.
Quem não souber o que são
Amor, saudades e zelos,
Veja Elfina e tudo fazem
Os seus lindos olhos belos.
Inda, etc.
De adorar seus lindos olhos
Alguém me chega a culpar;
Mas que venha um dia vê-los
E depois deixe de amar.
Inda, etc.
Gosto de amar, vou amando,
Que importa murmure a gente,
Se a gente que assim murmura,
Talvez não seja inocente!
Inda, etc.
Bem sei que não paga Elfina
Esta paixão que me estraga;
Mas um amor que é só gosto;
Nem quer, nem precisa paga.
Inda, etc.
Não se cansa a Natureza
Em criar coisas em vão,
E se não for para amar,
Do que serve o coração
(Viola de Lereno, v. 1, 1944, p. 78)