Mãe

Noite,
Os anos já pintaram de luar os teus cabelos,
No entanto, tudo parece estar acontecendo agora,
Neste instante. 

Noite,
Após tantos anos,
Neste momento,
Vejo tudo diante de mim,
Como se estivesse assistindo a um filme
Da infância: 

Nós, teus filhos, todos pequenos,
O relógio parado na hora de privações,
Tantos sonhos de asas quebradas pelos cantos
De nossa casa pobre, sem conforto; 

Tu, mulher ainda jovem, tão boa, tão calma,
Constelação de esperança e ternura,
Inspirando segurança,
Inspirando fé, amor,
Em meio a tantos vendavais. 

Noite,
Tua luta foi para nós teu maior ensinamento
Sofrias (hoje o sei), entretanto,
Em nossa presença, nunca uma lágrima
Rolou pelo teu rosto. 

Noite,
Desde criança aprendi a amar-te,
Mas só hoje, adulto, é que vejo, comovido,
As incontáveis estrelas que brilham em teu ser
E que tantos vendavais não conseguiram apagar.
(Quilombo, p. 47-48).