Luiz Gama
A cativa
Uma graça viva
Nos olhos lhe mora,
Para ser senhora
De quem é cativa.
(Camões)
Como era linda, meu Deus!
Não tinha da neve a cor,
Mas no moreno semblante
Brilhavam raios de amor.
Ledo o rosto, o mais formoso,
De trigueira coralina,
De Anjo à boca, os lábios breves
Cor de pálida cravina.
Em carmim rubro engastados
Tinha os dentes cristalinos;
Doce a voz, qual nunca ouvira,
Dúlios bardos matutinos.
Seus ingênuos pensamentos
São de amor juras constantes;
Entre a nuvem das pestanas
Tinha dois astros brilhantes.
As madeixas crespas, negras,
Sobre o seio lhe pendiam,
Onde os castos pomos de ouro
Amorosos se escondiam,
Tinha o colo acetinado
– Era o corpo uma pintura –
E no peito palpitante
Um sacrário de ternura.
Límpida alma, flor singela
Pelas brisas embaladas,
Ao dormir d’alvas estrelas,
As nascer da madrugada.
Quis beijar-lhe as mãos divinas,
Afastou-mas – não consente;
A seus pés de rojo pus-me
– Tanto pode o amor ardente!
Não te afastes, lhe suplico,
És do meu peito rainha;
Não te afastes, neste peito
Tens um trono, mulatinha!...
Vi-lhe as pálpebras tremerem,
Como treme a flor louçã,
Embalando as níveas gotas
Dos orvalhos da manhã.
Qual na rama enlanguecida
Pudibunda sensitiva,
Suspirando ela murmura;
Ai, senhor, eu sou cativa!...
Deu-me as costas, foi-se embora
Qual da tarde do arrebol
Foge a sombra de uma nuvem
Ao cair da luz do sol.
(In: SILVA, Júlio Romão da (Org.). Luiz Gama e suas poesias satíricas. 2 ed. Rio de Janeiro: Cátedra; Brasília: INL, 1981, p. 191-192)