Balbina viveu na casa grande de seu primeiro senhor, e sabe como são os brancos. O moleque Carlos vai contar ao senhor que vem toda a noite gente de fora pousar na casa do Chico, a mucama diz à senhora o que fazem as filhas, e tudo está acabado entre o agregado e o mau senhor.

Carolina vai primeiro do que os dois junto de seu senhor, dizer que tem um filho do feitor, e Manuel João perde a feitoria e a filha de Chico volta logo as costas para ele. Carolina conta também a Manuel João que o Chico anda pedindo a feitoria, há briga entre os dois e Manuel João não volta mais à casa do pai da moça de que ele gosta. Balbina faz o resto.

- Está direito, tia Balbina; eu faço tudo.

Houve uma pausa, a feiticeira levantou-se e foi queimar outro galho de arruda. Depois revolveu a cesta e tirou de dentro dela uns búzios e uma bolsa de pano toda cosida e pendente de um cordão preso nas extremidades da bolsa, e colocou-a no pescoço de Carolina.

Acocorando-se de novo, sacudiu na mão por três vezes os búzios, atirou-os sobre a baeta, e agitou o chocalho ainda uma vez. Ergueu-se então, e pegando de um dos rolos de enxofre chegou-o à chama do candeeiro, enchendo desta forma o recinto de um cheiro nauseabundo.

Depois lançou novamente os búzios, e enrolou a baeta com os instrumentos cabalísticos, e desatou a venda dos olhos de Carolina, dizendo-lhe solenemente:

- A cobra, quando vai lavar-se e beber água no rio, lança o veneno na folha da erva que está mais perto. Pode morder agora que não tem veneno para matar. Carolina ouviu o segredo do chocalho, está nas mãos da criança perder tia Balbina. Como o carreiro bota a canga no pescoço da junta de boi, o mau senhor mandará pôr o tronco pesado nos pés da feiticeira. De madrugada na revista, o chicote tirará sangue das costas da má escrava, e Carolina ficará querida.

Mas a cobra, que perdeu o veneno, faz a rodilha junto do brejo; o sapo vem pulando e gritando e ela olhando o bicho puxa-o, puxa-o para a boca e dele tira novo veneno. Carolina não pode dizer nada do que ouviu ao chocalho; será seu o mal da tia Balbina.

Depois de afirmar muitas vezes à feiticeira que guardaria o maior segredo, a crioula saltou de novo a janela e retirou-se para a sua senzala, onde, refocilada na perspectiva da vingança, adormeceu facilmente.

O candeeiro continuou aceso na senzala de Balbina, e quem espiasse pela fresta da janela, e aplicasse atentamente o ouvido, vê-la-ia sentada, com o cachimbo negro à boca. De vez em quando, porém, ela tirava o cachimbo e pronunciava estas palavras agoureiras.

- Hum, hum, os brancos? A negra criou o menino; era a mãe preta, e eles não deram nem um canto da casa grande para ela morar. Tomaram o menino das mãos da negra e meteram nelas a enxada. Depois o chicote fez feridas nas costas da feiticeira, e o menino nem olha mais para ela. A ririô machucada morde, a escrava desprezada mata.

(Motta Coqueiro ou a pena de morte, p. 70)

Texto para download