Bozó
Bozó, que o vulgo o faz de pipoca e novelo,
De pano de cor preta e de cor encarnada,
Que a gente se amedronta e se apavora ao vê-lo,
Solto ali, para o mal, na paz da encruzilhada;
Bozó, que veio lá da escravizada Costa,
Serve para dar vida e dar ventura, sim,
Para prender o amor de alguém de quem se gosta
Ou dar a quem se odeia o mais horrível fim.
Bozó de pinto preto e de moedas de cobre,
De bonecas de pano, alfinetes e vela,
Que do pobre faz rico e do rico faz pobre,
Que faz esta querida e desprezada aquela;
Bozó, que a todo mundo assusta e atemoriza,
Que surge, muita vez, à soleira das portas,
Não raro dá-se mal quem por cima lhe pisa,
Na sinistra mudez das negras coisas mortas.
Farofa de dendê, pano branco e charuto,
De tudo isso se vê no macabro bozó,
Que vingativo ser, perversamente astuto,
Para danos causar, pusera ali tão só.
Bozó de que a gentalha à volta se aglomera,
Alegre da surpresa, em clamorosa grita,
Entanto, algum receio em cada qual impera
De tocar, por gracejo, a mixórdia esquisita.
Bozó, que mete medo a quem por ele passa,
Que aparece, à manhã, nas esquinas, disperso,
É prenúncio para uns de próxima desgraça,
Outros lhe dão, porém, sentido bem diverso.
Muita gente não crê. Mas, se a cabeça dói,
Se o giro do negócio agora não dá certo,
Ou, se acaso um desgosto o coração lhe rói,
Impressionado corre ao canzuá mais perto.
(Aloísio Resende, p. 56-57.)