A nossa voz altissonante
Sobre o Manifesto Negro Contra o Racismo, em
07/07/1978 nas escadarias do Teatro Municipal de São
Paulo, organizado pelo MNUCDR (MNU) Movimento
Negro Unificado.
Floresceram naquelas escadas
vozes irriquietas de negritudes
que foram punhos diretos
içados como velas de fogo
ao mar de silêncio e medo
que nos dominava.
Vozes que tremularam liberdades antigas
republicanamente amoitadas em 1888.
Discursos dos despossuídos
de vozes
juntando-se à Nação calada
sobre novas botas de silêncio
galgando do espanto branco
que passava
o medo e
a interrogação
Vozes brasileiras negras
secularmente amor-
-daçadas
reerguendo-se
junto ao coro dos
calados:
A nossa presença
Negra
presságio
dos bons
ventos
da
Liberdade
sonho coisificado
nas senzalas coloniais
do silêncio.
(Memória da noite revisitada & outros poemas, p. 100.)
[...]
Para ela, que perdeu o filho
Eu não moro no gueto
mas dentro de mim
um gueto se estilhaça
de sangue
tiros drogas álcool e morte.
Por isso eu canto
a dor do outro tão pele de mim.
Eu não moro no gueto
onde a sobrevivência sempre foi
alvo de morte
para eles
Histórias
que ouvimos
num rap
que até o lado rico
da cidade cantarola
Eu não moro no gueto
onde a violência réptil
transpassa nos olhos
policialescos
dos capitães de mato fardados
dizimando jovens que se
aventuram pelo outro lado
do Sonho.
A nossa pele é um gueto
charqueada
eu sei
Masmorra da qual
eu não
renuncio
nem pelo
prazer de não ter
mais dor.
A dor de cantar
a impotência
da mãe ao ver o filho
que morreu pelo desafio de respirar
um outro sol
sem amarras de ódio
e de muros que nos ferem
a vista e a vida humana, nossas.
Mas porque me sinto
ilhado pelo medo de sempre
que passa raivoso com as
viaturas a alvejarem
nossos jovens em seus sonhos
eu combato esse medo
com um poema
mesmo
que não o leia, mãe.
Eu sei que ele não te aliviará
nesta dor maior do que
a dor
do próprio parto, dele.
e que o seu mundo despedaçado
será, agora, um
rezar rezar rezar
até as lágrimas secarem
e outras vierem
salobras
num ódio de impotência a
rondar teu viver.
É isso que nos une:
esse gueto imenso
Atlântica Dor
sem bússola
rondando
nossa alma
sofrida de silêncios
Eu, agora,
mais velho,
entendo os nossos antigos
poetas que bateavam
palavras de apagar
nossa dor
enquanto sobreviviam
nesse mar
imorredouro
de angústias
nesse muro que nos detém
à mercê de um tempo
que continua nosso inimigo.
Eu moro num
gueto qualquer
deste país varonil:
O meu é
uma estrada longa
de desafios e mortos
que buscam a paz
além
dos cemitérios
e bondades coloniais.
Meu gueto:
minha alma
incrustada nas palavras
de ordem da minha poesiaminha forma dolorosa
de abater
o silêncio comparsa
que nos rodeia.
(Memória da noite revisitada & outros poemas, p. 96.)
Garganta
Hoje
é preciso que tua garganta
do existir
esteja limpa
para que jorre
teu negrume.
Uma garganta não é corpo
flácido
É sangue escorrendo
em
leilão de cais.
Sua garganta,irmão
É uma quarta-feira
de cinzas.
(Cadernos Negros 3.)
Ser Negro
Até quando, amigo?
até que o mar volte a ser o que era?
até que os corpos voltem à praia
e se amotinem em negreiras naus
desses tempo?
Há,
um alvo
onde nossas forças recapeadas de fraquezas
brancas
possam medir e serem
torrentes
de uma dor prostrada
violentada
mas que na Primavera será
um dardo
uma lança
um raio laser
(Memória da Noite. São José dos Campos, 1978.)
Zumbi
As palavras estão como cercas
em nossos braços
Precisamos delas.
Não de ouro,
mas da Noite
do silêncio no grito
em mão feito lança
na voz feito barco
no barco feito nós
no nós feito eu.
No feto
Sim,
20 de novembro
é uma canção
guerreira.
(Cadernos Negros: os melhores poemas, p. 25.)