INTERIORES

Estentóreo guardião
das emoções mais ínvias:
estar aqui, sem
nunca ter saído de lá

Turbilhões de vozes
ecos
Tantos os rumos
que já em mim procuro
e quase não os encontro

(Resta-me: o ato
quilombola desse meu
escreviver em fogo
Resta-me:
a negravelu/dada noite
do corpo de minha ialê
¾ Restam-me
como o meu único
provável reino
minhas pátrias
mais tangíveis)

Banzo é quando olho
para dentro de mim, e percebo
que boa parte do meu ser
ficou do outro lado do mar

(Rebelamentos pg. )

 

Caderno da civilização brasileira

O emaranhado da desmemoria
tece uma cora de f/atos
capciosamente esquecidos

 Na contracorrente
Gangas/Zumbis soçobram
Sem quase nunca chegar

Posta em questão a literatura:
dobre monumento onde
nossos ancestrais esplendem
todo o palor
da sua i n v i s i b i l i d a d e

O
crivo de minhas releituras atesta
que a história oficial mente
Até nas e n t r e l i n h a s

(País Indig(o Blue)Nação pg. )

 

2022 ¾ NARRANDAÇÕES

1900
A república é nova
& a velha escravidão
É uma plena alphorria
Para a nenhuma cidadania

Nas ruas das metrópoles
Minha mãe (como hoje)
Sustenta o vagabundo do meu pai
Vendendo cocada e acarajé

Tem mandinga no morro
Revolta no mar
& samba na casa da Tia Ciata

Pelo telefone é anunciado
O nascimento da alma musical
Do Brasil Ao fundo um choro
Carinhosamente Pixinguim (Ô Abre-Alas!)

 

900-10

...E era bella a época Bella
porque belle époque
Perdiam-se fortunas no pôquer
Um porre pedia outro porre

 Nunca freqüentei saráos
Na casa de um Matarazzo
Convidado nunca estive
Numa opulenta mansão paulistanna 

(Quatrocentrões os fundamentos
do meu país dos sonhos
Palmares não é mesmo
Essa república das Alagoas)

Era mesmo bella a época? Bella
Por quê? Belle époque?
Tempos de se redescobrir o paiz
...lá de Paris

 

20-30

Depois há um crash na Bolsa
¾ De Nova Yorque, é claro! ¾
& o sonho brasileiro acabou
Fim do deus café com leite & de tudo 

Paulistanas mãos domésticas
Secundam essa negra pra frente
& encasquetada Escreve a História
Com letras combativas de jornal

 Ainda não há beletradouvidos / para
O canto ingênuo do Cisne Preto / No país
Tenente de Getúlio arara sabe javanês

 

40-50

 

De concreto as musculaturas
Da frágil democracia
E a prov/ocação de não votar
Em branco ¾ votar Abdias

Um desafino e um sambinha Zona Sul
Estilizado Feito pro Carnege Hall (da fama)
¾ onde artista vai & o povo? Nunca está

Há que se optar entre a Aquarela
Do Brasil em Hollywood
& a versão jazz & jeca do meu samba
Nosso que perdeu quase todo o rebolado como
À certa altura a Carmem Miranda? No país
De Juscelino arquitetura de Niemeyer
& o que fica de todo um Plano Piloto

 

Poesia concreta

Negro experimentado em teatro
& malandro mais forçado pelo peso
Da barra fria das circunstâncias não:
Não me enxergo na figura de um Zé Carioca

 

60-70

 

Cantares ao meu povo & World
Toques: Mandela apodrece Brother
Nos porões de South African &
Vou recruta pras conchichinas
Das selvas asiáticas (Vietnapalm)

Convém marchar sobre Washington
Gritar na cara do Tio Sam
Que o American Dream é dourado
feito uma batata quente a barra dos anos 

Maio de 68 versus México/70 (?) & não darei
Um só passo com o gde. deus ditadura
Na marcha pela nação Brasília ainda não existe
No mapa da liberdade ¾ somente o ABC
: Alfabetizemos, pois, Hermanos, Sudamérica

 Sou lindo! Sou único! Sou movimento!
Faço o rumo dos ventos! Sou direção!!!

 

80-90

 

Que entre o Love no samba e caia
A loira na dança Arte popular
Que se preza é terreiro sem nenhum biombo

 Se a (nossa) cor errou (num dar de bunda)
D/a grafia da tradicção !paciência!
“O samba de agora nunca como o de antigamente”

Folhas se vão com os ventos Tronco
É embira Carros alegóricos
(de ordinário) passam Alegorias ficam

 (Quadris 90 a liberdade é anorexa
Tem as medidas muitíssimo comportadas
Nada por baixo /Vazia por dentro
& tudo em cima /é silicone
Faz malhação em ritmo oloduneróbico
Mas o seu volume não t r a n s b o r d a
Uma latinha de refrigerante dietético) .

 

(Versão enviada por Marcos Dias)

 

 

 LITERATURA DE INFORMAÇÃO

: Abcz Das Imagens Gastas

 

Do inzoneiro
a zanga
sem o azorrague

 O zunzunzum
Na zazoeira
& o zanzar
em Zanzibar

 Zabumba no samba
sambado na corda
bamba d1 circo
(Pegando fogo)

 Ser zebra
& (de zero à esquerda)
zarpar p/ Zênite

 Zuninga zunindo
Zumbaia (salseiro
na zaga) empate
sem zero a zero 

Azaração
(todalgazarra)
do q virou zorra
& é ziquezira

 (Zumbi zumbindo)

 

 (País Índig(o Blue)Nação II pg. )

 

Alegorias da Noite

 

A criança ardia, febre alta, quando a luz acabou. A droga da conta já havia sido paga, mas tratava-se de mais um apagão na cidade que, simplesmente, liderava todas as estatísticas das más ocorrências. Dazinha entrou em parafuso. Auxiliada um tanto pela alta temperatura do álcool que circulava em suas veias, deixando-a totalmente embebedada e com a esquisita sensação de ser um longo e lerdo pavio de lamparina.

Com muito custo, conseguiu acender uma vela. E depois de abafar com beijos o choro da criança, deu uma geral pelos cômodos, até encontrar a Novalgina infantil.

Trapos e trecos ficaram esparramados pelo caminho. Num canto, vestígios de material escolar, “Vixe!”, no meio de um pequeno lixão de brinquedos quebrados e com o ar mal- encarado de doação, após a última possibilidade de uso.

Dazinha turvou-se em seus pensamentos. E teve, então, pela primeira vez, nítida a percepção da miséria que tomara conta de toda a sua existência. Sombras de muitas noites sem lua. E tudo era mesmo capítulos intermináveis de uma trágica novela. Nenhum lance de maior interesse, que valesse a pena ver de novo e um ato somente de heroísmo: não ter ela ainda dado cabo da própria vida. Desanuviou-se ao perceber que o choro de Nayara Estéfanne cedera e dera lugar a um ressonar inquieto. Por sorte, os três maiores, Vinícius Brayan, Suellen Sasha e Alberth Thiago, indiferentes a tudo, roncavam o sono angelical de todos os anjinhos endiabrados.

Estatelou-se diante da chama se perguntando pelo Ditão, aquele chifrudo! Sumira desde a sexta-feira gorda. Quarta já era cinzas e o filho da puta nada! Raberava pelas casas dos compadres? Marcava ponto em todas as bocas-de-golo do conjunto habitacional? Cumprira finalmente a promessa de fugir com aquela umazinha, cabelos esticados, loira à força e mal saída dos cueiros? Andava se arreganhando toda pra ele. Ainda bem que só os dentes. Podres. E ela ainda haveria de quebrá-los todos, um por um, só pra fazer as franguinhas do pedaço entenderem de uma vez por todas que Dazinha do Alto Paraíso ainda tinha muito, mas muito jogo de pernas mesmo pra segurar o seu homem!

Remoía-se em ódios e conjecturas, sem perceber que os efeitos do álcool entorpeciam-na mais e mais. Já sem poder conectar as próprias idéias, concluiu, antes de anoitecer de vez, que o fuzauê ficaria pra quando ela amanhecesse.

Acordou no inferno. Sem reação, por pouco não se salva, não fosse a tenacidade desesperada dos filhos, liderados pelo mais velho. Esgoelavam:

Mãe, a gente vai morrer! Acorda, acorda, Mãe, a neném vai morrer ocês dois!!!

Os vizinhos que nada viram, nada puderam fazer, antes que o pior já tivesse acontecido. O sinistro, qual uma estrela cadente após incendiada fulguração, apagou tudo. O choro da caçula, a vida, o país, o mundo. Dazinha também se apagou num mutismo de sombras indevassáveis. Sem mais “velas acesas sob um céu de chumbo”, no país do Carnaval, abençoado por Deus... e nenhum sequer clarão de esperança.

(Sequer constou o ocorrido das estatísticas oficiais.)

 

(Inédito. Enviado pelo autor)

 

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