Identidade
Nasci de pais mestiços
Fui registrado como branco
Mas com o tempo a cor escura se fixou
Negro, negrinho
Você é negro sim,
A primeira ofensa!
Eu era negro sem saber
Adolescente, ainda recusava minha origem
Aprendi a ser o negro passivo, inferior
Reagia: sendo esta raça assim,
Não sou negro não!
Recusei a herança africana
Desejei a brancura
Mais tarde soube
A inferioridade era um mito
A passividade uma mentira
O conhecimento trouxe a consciência
Aceitei minha negrice
Me assumi!
Encontrei uma bandeira
Negritude!
Identidade rasgatada
Ser negro é importante
É se identificar com minhas raízes.
(in: Cadernos negros 1, p. 35)
Havia miséria, houve quilombo
Era Rodésia
panela de opressão
humanidade escura escrava, escória
racismo raiz de lucros
brutal brancura pirateava tudo
plano para mil anos
No âmago da escuridão
alquimia
favelas podem ser quilombos
pretume intenso recupera a vida
coragem e coração
pés, mãos
metrancas, marretas
foices, picaretas
rodopia Rhodes*
o pirata-estátua no chão
raivas e risos recriam o mundo
Na praça do povo
o maldito pirata aos pedaços
Rodésia rodou
começa Zimbabwe-Nzambi
* Cecil Rhodes, herói nacional da Rodésia racista.
Poema inspirado pela leitura do livro ZENZELE, de J. Nozipo Maraire
(in: Cadernos Negros 23, p.70)
Bela e crespa
Negar-se faz mal à cabeça
pixaim vira coisa ruim
cada fio crespo perseguido feito caça
lisura é troféu, quase brancura
A mesmice é maioria, moda, mania
praga consumista
e a consciência mal vista
Nem toda alma se entrega
exceções são surpresas belas e crespas
a mulher pele parda senta ao lado e fascina
combina charme e caracóis carapinhas.
(in: Cadernos Negros 27, p. 86)
Apostando na ignorância
Aos humildes, palavrório despolitizante
a mestiçagem como democracia mágica
virá com o tempo
e movimentos de ancas
para traficantes de sonhos fáceis
Engravatados têm malandragem e pé na coisinha
tapinhas nas costas
medalhas e fotos
nada de concreto, planos, prazos, cotas
só performance para primeiras páginas
blábláblá branco versus novembro negro
A fusão de peles e cores deveria ser muito mais
é o truque da trapaça
telas e páginas do Brasil, oficinas do império da brancura.
(in: Cadernos Negros 27, p. 88)
Periferias
Terceiro mundo jovem e sua segunda pele
a fantasia de um black dos States
fazer de conta, curtir é da hora
mas a realidade não é Hollywood
Paulicéia globalizada
brancuras controlam tudo
o ser escuro
queira ou não queira
periferia
rabeira
e tudo às claras
artiganda da propamanhas
percebe quem sabe ler
artimanhas da propaganda
Hipocrisia é o nó do país desigual
sobram becos
e sonhos sem saída
hip-reali-hop pode ser show
igual futebol, samba, novela
as carências, num palco não cabem
universidade também para afros
só se a gente for quilombada
na democracia deles
realiwood não é hollydade.
(in: Cadernos Negros 29, p.142)
Publicidade
Não vivemos, não vivo nu
nem moramos no Xingu
mas, publicitários daqui nos condenavam à margem:
“...não são consumidores”
Ação de publicitários do Brasil
inovação pra nós, se há, só a gotas
a tradição nos afoga em repetições racistas
Cabeça de publicitário branco
território das desculpas
no lugar da culpa, cinismo
solo fértil e raízes do racismo
o horizonte poluído até hoje.
Orgulho de ser brasileiro?
quero fogo nesse outdoor.
(in: Cadernos Negros 29, p. 139)