Lundum

 

Eu tenho uma Nhanhazinha
A quem tiro o meu chapéu;
É tão bela tão galante,
Parece coisa do Céu.

Ai céu!
Ela é minha iaiá,
O seu moleque sou eu.

Eu tenho uma Nhanhazinha
Que eu não a posso entender;
Depois de me ver penar,
Só então diz que me quer.

Ai, etc.

Eu tenho uma Nhanhazinha
A melhor que há nesta rua;
Não há dengue como o seu,
Nem chulice como a sua.

Ai, etc.

Eu tenho uma Nhanhazinha
Muito guapa muito rica;
O ser formosa me agrada,
O ser ingrata me pica.

Ai, etc.

Eu tenho uma Nhanhazinha
De quem sou sempre moleque;
Ela vê-me estar ardendo,
E não me abana com o leque.

Ai, etc.

Eu tenho uma Nhanhazinha
Por quem chora o coração;
E tanto chorei por ela,
Que fiquei sendo chorão.

(Viola de Lereno, v. 2, 1944, p. 27)

Lundum de cantigas vagas

 

Xarapim eu bem estava
Alegre nesta aleluia,
Mas para fazer-me triste
Veio Amor dar-me na cuia.

Não sabe meu Xarapim
O que Amor me faz passar,
Anda por dentro de mim
De noite, e dia a ralar.

Meu Xarapim já não posso
Aturar mais tanta arenga,
O meu gênio deu à casca
Metido nesta moenga. 

Amor comigo é tirano
Mostra-me um modo bem cru,
Tem-me mexido as entranhas
Q’estou todo feito angu.

Se visse o meu coração
Por força havia ter dó,
Por que o Amor o tem posto
Mais mole que quingombô.

Tem nhanhá certo nhonhó,
Não temo que me desbanque,
Porque eu sou calda de açúcar
E ele apenas mel do tanque.

Nhanhá cheia de cholices
Que tantos quindins afeta,
Queima tanto a quem a adora,
Como queima a malagueta.

Xarapim tome o exemplo
Dos casos que vêm de mim,
Que se amar há de lembrar-se
Do que diz seu Xarapim.

Estribilho
Tenha compaixão
Tenha dó de mim,
Porque eu lhe mereço
Sou seu Xarapim.

(Viola de Lereno, v. 2, 1944, p. 14)

 

 

Lundum em louvor de uma brasileira adotiva

 

Eu vi correndo hoje o Tejo
Vinha soberbo e vaidoso;
Só por ter nas suas margens
O meigo Lundum gostoso.

Que lindas voltas que fez
Estendido pela praia
Queria beijar-lhe os pés.

Se o Lundum bem conhecera
Quem o havia cá dansar;
De gosto mesmo morrera
Sem poder nunca chegar.

Ai rum rum
Vence fandangos e gigas
A chulice do Lundum.

Quem me havia de dizer
Mas a coisa é verdadeira;
Que Lisboa produziu
Uma linda Brasileira.

Ai beleza
As outras são pela pátria
Esta pela natureza.

Tomara que visse a gente
Como nhanhá dança aqui;
Talvez que o seu coração
Tivesse mestre d’ali.

Ai companheiro

Não será ou sim será

O jeitinho Brasileiro.

Uns olhos assim voltados
Cabeça inclinada assim,
Os passinhos assim dados
Que vêm entender com mim.

Ai afeto
Lundum entendeu com eu
A gente está bem quieto.

Um lavar em seco a roupa
Um saltinho cai não cai;
O coração Brasileiro

A seus pés caindo vai.

 

Ai esperanças
É nas chulices di lá
Mas é de cá nas mudanças.

Este Lundum me dá vida
Quando o vejo assim dançar;
Mas temo que continua,
Que Lundum me há de matar.

Ai lembrança
Amor me trouxe o Lundum
Para meter-me na dança.

Nhaná faz um pé de banco
Com seus quindins, seus popôs,
Tinha lançado os seus laços
Aperta assim mais os nós.

Oh! doçura
As lobedas de nhanhá
Apertam minha ternura. 

Logo que nhanhá saiu
Logo que nhanhá dançou,
O cravo que tinha ao peito
Envergonhado murchou.

Ai que peito
Se quiser flores bem novas
Aqui tem Amor perfeito. 

Pois segue as danças di lá
Os di lá deve querer;
E se tem de lá melindres
Nunca tenha malmequer.

Ai delírio
Ela semeia saudades
De enxerto no meu martírio.

(Viola de Lereno, v. 2, 1944, p. 51)

 

****

 

Zabumba

 

Cantigas

Amor ajustou com Marte
Vãos Mancebos alistar,
Um lhes dá trabalho honroso,
Outro os faz rir e zombar:

Tan, tan, tan tan Zabumba
Bela vida Militar;
Defender o Rei e a Pátria
E depois rir, e folgar.

Toca Marte à Generala,
Vai as armas aprestar;
Amor tem prazeres doces,
Com que os males temperar:

Tan, etc.

Ouço o rufo dos Tambores,
Já dali toca a marchar;
Os adeuses são à pressa,
Não há tempo de esperar:

Tan, etc.

Vai passando o Regimento
E as meninas a acenar:
Vão as armas perfiladas,
Mal se pode a furto olhar:

Tan, etc.

A mochila que vai fofa
Pouco leva que pesar;
Pouco pão e pouca roupa
Mas saudades a fartar:

Tan, etc.

A Cidade, que é de Lona
Vejo à pressa levantar;
Põem-se as Armas em sarilho
Vai a Tropa descansar:

 Tan, etc.

Vigilantes Sentinelas
Vejo alerta passear!
Quem vem lá? Quem vai? Faça alto,
Sempre alerta ouço gritar 

Tan, etc.

Vejo alegres Camaradas
Os baralhos aprontar;
Param, topam, sujo cobre
A perder, ou a ganhar

Tan, etc.

Dá-se um beijo na borracha,
Lá vão brindes a virar;
E com pública saúde
Vai tensão particular:

Tan, etc.

Vem quartilho, vai Canada
Toca enfim a emborrachar
A cabeça bamboleia,
Ali ouço ressonar:

Tan, etc.

Corre o que vigia o Campo
Vem perigo anunciar;
Peg’as armas, peg’as armas,
Dobra a Marcha, e avançar:

Tan, etc.

Uma brigada em colunas
Marcha a outra a obliquar,
Os contrários fazem cara,
Toca a morrer, e a matar:

Tan, etc.

Já fuzila a Artilharia
Sinto as valas sibilar;
Nuvens já de espesso fumo
Vão a luz do Sol turbar;

Tan, etc.

Ouço o bum, bum, bum das Peças,
Vejo espadas lampejar;
Lá vão pernas, lá vão braços,
Lá cabeças pelo ar.

Tan, etc.

A batalha está ganha
Vão o campo saquear;
Vem bandeiras arrastando
Toca enfim a retirar:

Tan, etc.

Venha a nós, viva quem vence
Quem morreu deixá-lo estar;
E da Pátria no regaço
Os Heróis vem descansar.

Tan, etc.

Os que salvam da peleja
Vem a Amor as graças dar;
E em sinal da sua glória
Juntam flores ao Cocar:

Tan, etc.

Os olhos, que viram triste
Vem agora consolar;
A saudade se esvoaça
Torna a posse ao seu lugar:

Tan, etc.

Vem família, vem Vizinhos
Boa vinda festejar;
E da toca gloriosa
Grandes coisas escutar:

Tan, etc.

Despe a veste, mostra o peito,
Quer sizuras procurar;
Mas o tempo sarou tudo,
Nem sinal se pode achar;

Tan, etc.

Que afrontou sempre os perigos
Gentil Dama há de escutar,
S’estimou guardar a vida,
É só pra lha entregar:

Tan, etc.

Um merecimento novo
Tem de novo a apresentar,
Vem mais rico de esperanças,
Tem despachos que esperar;

Tan, etc.

Há de ter a fita verde
De uma Ordem Militar;
Soldo em dobro por três meses
Que a Senhora há de gastar:

Tan, etc.

Não creias Meninas nestes,
Não é certo o seu amar;
Costumados sempre à marcha
Até amam a marchar:

 

Tan, etc.

(Viola de Lereno, v. 1, 1944, p. 31)

 

 

****

 

Crime gostoso

Cantigas

Quem quiser saber se eu amo,
Repare em meus olhos bem;
Que eles não sabem calar
A paixão que o peito tem.

Inda bem ó meu cuidado,
Dizem que o amor é crime,
Eu gosto de ser culpado.

Jurei não amar; e eu amo;
Foi baldada a minha empresa;
Mais quem pode resistir.
Aos encantos da beleza?

Inda, etc.

Jurei não amar, e eu amo,
Confesso a minha fraqueza,
Mas não é meu todo o crime;
É também da natureza

Inda, etc.

Talvez sem razão me culpa
Quem o meu amor crimina;
Pode ser que ele me inveje
Quando vir que eu amo Elfina.

Inda, etc.

O que se gabar de livre;

Não zombe do estado meu,

Que se vir a minha Elfina

Será cativo como eu.

 

Inda, etc.

 

Se é um crime o ser amante,

Bem criminoso sou eu;

Mas é tão gostoso o crime

Que eu gosto bem de ser réu.

 

Inda, etc.

 

Não cuides formosa Elfina,

Que Eu ímpias lições te dite,

Um puro amor é virtude,

É crime amar de apetite.

 

Inda, etc.

 

Quem não souber o que são

Amor, saudades e zelos,

Veja Elfina e tudo fazem

Os seus lindos olhos belos.

 

Inda, etc.

 

De adorar seus lindos olhos

Alguém me chega a culpar;

Mas que venha um dia vê-los

E depois deixe de amar.

 

Inda, etc.

 

Gosto de amar, vou amando,

Que importa murmure a gente,

Se a gente que assim murmura,

Talvez não seja inocente!

 

Inda, etc.

 

Bem sei que não paga Elfina

Esta paixão que me estraga;

Mas um amor que é só gosto;

Nem quer, nem precisa paga.

 

Inda, etc.

 

Não se cansa a Natureza

Em criar coisas em vão,

E se não for para amar,

Do que serve o coração

(Viola de Lereno, v. 1, 1944, p. 78)

Recado

 

Ora adeus, Senhora Ulina;

Diga-me, como passou;

Conte-me, teve saudades?

Não, não;

Nem de mim mais se lembrou:

 

O amor antigo

Já lhe passou,

E a fé jurada?

Tudo gorou.

 

Diga, passou bem no Campo?

Divertiu-se? passeou?

Acaso lhe fiz eu falta?

Não, não;

 

Nem, etc... O amor, etc.

 

Era bom o seu Burrinho,

Ou somente a pé andou?

Lembro quem lhe dava o braço?

Não, não;

 

Nem, etc... O amor, etc.

 

Houve muita Contradança

E com quem contradançou

Lembrou-lhe este seu parceiro?

Não, não;

 

Nem, etc... O amor, etc.

 

Cantou algumas Modinhas?

E que Modinhas cantou?

Lembrou-lhe alguma das minhas?

Não, não;

 

Há de dizer, que eu lembrava,

E que por mim suspirou;

Não há tal: bem a conheço:

Não, não;

 

Nem, etc... O amor, etc.

 

(Viola de Lereno, v. 1, p. 8)

 

Texto para download