Alterografias
Anelito de Oliveira
1)
A sua verdade
Se perdeu.
Você não tem
Mais aonde ir.
Mesmo no céu,
Voando, não sabe
Onde está. Sabe
Que não está
Em lugar nenhum.
Você é a sua
Verdade perdida.
Você é a própria
Perda. Desde que
A sua verdade se
Perdeu, você
Não chega
A lugar nenhum.
Você é a ausência
De movimento.
Mais: você é
A impossibilidade de
Movimento.
Você não chega a
Ser sequer um
Pensamento.
Não está morto.
Pior: não está
Nada.
Você.
Você.
Você. Quem,
Afinal, está
Nisso, dentro
Disso, que parece
Ser você?
A sua verdade
Agoniza.
2)
Não é a pele que
É negra.
Não é o cabelo que
É negro.
Não é o sangue que
É negro.
Não é a roupa que
É negra.
Não é o nariz que
É negro.
Não é a alma que
É negra.
Não é o beiço que
É negro.
Não é a bunda
Que é negra.
Não é, tampouco, o pau
Que é negro.
O não-ser, sim,
É negro.
O não-ser é
Plenamente negro.
O não-ser, sim,
É negro.
O não-ser é
Absurdamente negro.
O não-ser, sim,
É negro.
O não-ser é
Infinitamente
Negro.
3)
Tentava transpor
A cor. Como tantos,
Tentava ir além
Da cor. Tentava não
Ser apenas uma
Cor. Pensava,
Como tantos, que
Cor era uma palavra.
Não queria ser uma
Palavra. Queria
Ser a própria coisa:
A coisa-vida.
Mas não foi possível,
Não é possível.
Preto não é só
Cor, apenas, nem é
Cor, preto não é
Nada, é muito mais
Do que nada, é
Tudo. E não se pode
Transpor tudo.
A totalidade é
Instransponível.
Não há um outro
Lado, um outro
Mundo. Tentava,
Como tantos, sair
Da limitação
Humilhante que
Nos define:
Preto. Agora,
Vejo que não há
Saída, estamos
Presos nas malhas
Do visível:
Somos o que
Se vê, para o
Mundo, o que
Se vê: a pele,
Nada além
Disso.
4)
Não vou gritar.
Que um verbo não
Me deixe chegar
Até outro, que
Adjetivo algum
Me auxilie nesse
Processo de só
Desejar desejar.
Não vou gritar,
Inútil ir em meio
A palavras de
Classes diversas
Quando não se
Pertence a classe
Nenhuma, quando
Se é sem-classe,
Não-palavra, um
Caso gritante de
Menos-valia
Verbal. Não
Vou gritar o
Que já digo no
Impossível não-
Dito grito – sim!
Não vou gritar.
5)
Você volta
Para um adeus sempre
Adiado.
Para um gesto
Contido, silencioso,
Que precisa acontecer,
Mas que você adia.
O mundo não acabará,
Porque já acabou há
Muito tempo,
Mas você pressente que
Há de –
Despencar, desabar.
Então, você adia
Um pouco mais, mais,
Esse adeus, com
Os braços pensos
Com a língua densa,
Enredado num
Embaraço imenso,
Você adia sempre
O necessário encontro consigo
Mesmo.
De tanto adiar,
Ei-lo:
O adiado, aquele
Que sempre disse
Adeus a si
Mesmo:
O outro-
Odiado.
Nota
Esta série de poemas de Anelito de Oliveira, inéditos até esta data, fazem parte do seu livro Desforra | Poesia desunida 1988-2023, lançamento oficial da Páginas Editora e Orobó Edições em 07 de Outubro de 2023, trabalho que apresenta a produção apurada do autor no âmbito da lírica em 35 anos.