CAVALEIRO NOTÍVAGO

Bahia, 1973

 

Cavaleiro andante,

errante, galopante.

Dentro da noite

negrume, negrume

e negra cor desafiante

dos seus rivais,

severos, cruéis, infiéis.

Cavaleiro andante,

de negra cor desafiante.

Estonteia a todos

e quantos chibantes,

tentam seguir

seus passos firmes,

seguros, alegres, certos.

Passos fortes, retos

e mirabolantes.

Confiantes em si: o futuro.

 

Cavaleiro notívago,

Avance!

Nos seus sussurros,

risos e suspiros.

Siga seus passos negros,

firmes dentro da prata do luar.

das negras noites baianas.

Não precisa mais luar.

Está firme na noite,

seu valor e seu aprumo,

função e seu negrume.

É notívago. É negro.

É já um vagalume.

 

(Cantos, encantos e desencantos d’alma, p. 107).

 

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Graças a Quem Merece

Salvador, Dia de Ação de Graças de 1971.

 

"O grande perigo que corremos iludindo aos outros, é que acabemos por nos iludir a nós mesmos".
(Eleanora Duze)

 

Vi chorando em praças públicas,

olhos tristes, rútilos, esbuguelados;

raivosos e fremindo de dor.

Negros cansados e pobres,

reclamando do país que com suor criaram

e, que agora,

não lhes dava amparo.

Queriam justiça.

Compreensão pacífica.

Igualdade de trabalho,

oportunidade, amor.

Desejam ser gente

como seus outros irmãos

que pelo mundo

cantam, dançam, trabalham,

lutam por dias melhores

(com iguais oportunidades)

e que também querem, unidos

sem discriminação ou opressão

de raça, cor ou religião

mostrar a este mundo adverso à sua cor;

seu poder de realização.

Até aqui, século quase vinte e um,

o Negro só tem visto escuridão,

na vida escravidão e humilhação.

 

(Cantos, encantos e desencantos d’alma, p. 75)

 

 

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Africanos Afro-brasileiros

Salvador, 20/5/75

 

Meus irmãos que de longe vieram

em barcos infectos e imundos

tangidos por ventos que a natureza criou

Açoitados como quaisquer animais,

vis, tristes, selvagens e irracionais.

Vocês, meus irmãos pretos velhos

que da África chegaram,

traziam a sina de ser escravos,

viver sob o signo do infortúnio –

– a Escravidão.

 

Chegados, aclimatados, aculturados. Açoitados.

Agricultores, serventes de casas ricas,

cresceram na tristeza da terra que

longe ficou.

Veio o canto,

surgiu a música.

A dança,

pra sufocar o pranto.

Misturou-se tudo.

Surgiu o carnaval

que é a coisa mais original

implantada em terras distantes

pra sufocar a dor, a angústia

e esquecer o falso amor.

 

Meus irmãos africanos,

de ontem, de hoje e de amanhã

Aqui estamos pra lhes render louvor,

a um povo antigo

pleno de mitos,

história de luta e sofrimentos.

Merecem, irmãos, os elogios,

os lauréis que a história

à raça negra

e irmãos africanos,

sempre negou.

(Cantos, encantos e desencantos d’alma, p.109 - 111)

 

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EGO SUM
Ife. Nigeria, 1979.

 

Eu

quem do Nordeste veio

terra de amor e tradição.

Eu

quem da pobreza veio

nasceu humilde, morrerá assim.

Eu

que da Bahia vim,

terras nordestinas

de amor e tradição,

de bonitas meninas

enfeitadas de jasmim

colhidas em seculares jardins.

Eu

da terra da beleza,

riqueza,

pobreza,

até miséria.

Terra d'amor

e discriminação,

de maldade,

tristeza

e bondade.

Eu

que assim nasci

morrerei assim,

pois assim eu sou:

Senhor

dono dos meus atos,

cabeça rica em fatos.

Eu

negro.

Eu

de fato.

Eu

com injustiças

estupefato!

Eu

tentando ser eu mesmo

negro de fato.

Eu

parte dos grãos calcados aos pés

de brancos

(nas Américas, é um fato).

Eu

germem que morre banhando

a terra em suor e sangue

para que nasça uma.

Nova Era,

para que frutifique

a Nova Geração

forte e sadia.

Medre a Nova Civilização

– a do Homem Total.

Integral.

Eu

negro de fato.

Eu

um ser humano normal.

 

(Cantares d’África, p.39 – 40)

 

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RAÍZES: SAMBA & BLUES

U.S.A.,1972

 

Alguém me fez acreditar no amor

Sou a cadência do samba rasgado

Sou a esperança,

Sou a tradição.

Sou raça,

A tristeza dum povo,

da raça que chora,

que treme de dor.

Que sente saudades

Sorri sofrendo

E não sabe por quê.

É triste a alma,

Por isso ela canta

Sua música, canto dolente,

Num ritmo que a gente

Não pode parar.

No mesclado do samba,

Batuque, maracatu, capoeira,

Alegria, tristeza, saudade

Poesia e canção completam

a felicidade.

Isto é vida. É ser

Do mesmo ser,

É realmente, ser como sou.

Negro, Negro retinto,

Linda expressão de humanismo

Linda expressão do amor.

 

(Cantares d’África, p.59)

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Pai João é de samba

Salvador. Bahia, 1973

 

Nasci de uma roda de samba

Não me sinto estranho

Por ser chamado caramba.

Sou eu, o próprio samba

Vim lá dos batuques da senzala

Trazido nos negreiros d'outrora.

Vim d'África,

Aqui aterrei e fiquei

Fiz o continente

Por aqui se expandir.

Gerei-me do rico batuque

Da capoeira e do candomblé

Que o negro continente

No Brasil fez medrar.

Nasci duma roda de samba,

Trate-me bem, faz favor,

Não chamem de bamba

Porque sei merengue e mambo.

Sou chamado caramba

Por dançar rumba, samba mais tango

Aprendi na capoeira – o samango,

que é luta brava pra castigar

aqueles que aos Pretos Velhos

Um dia quiseram no Pelourinho matar.

Nasci do samba

Do seio de Yemanjá e Oxalá.

Minha vovó Nanan Buruku,

Permita-me casar com Yansan.

Do Pelourinho, quero os Pretos Velhos, salvar.

(Cantares d’África, p.63)

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