Griô

Elisio Lopes Jr.

QUEM: Senhor negro, sábio, contador de histórias.

STATUS: Diante de um país que não sonha, faz o seu testemunho.

(À sombra de uma frondosa gameleira, diante da comunidade em silêncio.)

 

Não há nada a dizer que já não tenha sido dito.

Ah... nós, velhos, temos muita pressa.

A vida escorre entre os nossos dedos,

e se tem uma coisa certa, dormindo entre outras certezas,

é que não sairemos dessa história com as mãos abanando.

Não é esta a história que vou deixar sobre o meu povo.

Era uma vez um rebanho que, a vida inteira,

atravessou o mundo procurando paradeiro. 

E pelo caminho escapou dos perigos,

e algumas vezes foi vencido.

O rebanho tentou seguir o caminho

ignorando o uivo dos que desejam devorá-los.

A travessia não tem fim, é o fim que acaba.

Eles ainda não entenderam que nós já aprendemos

que é a união do rebanho que obriga o leão a se deitar com fome.

Não seremos presas fáceis na boca dentada de ninguém!

E só existe futuro se o presente já for negro!

A gente não aceita mais alimentar a ignorância de ninguém!

Um dia... uma onda virá

E, como uma enchente, vai levar do nosso caminho

todos os pensamentos perversos para bem longe.

Essa onda vai começar dentro das cabeças,

como uma explosão no ori de cada um!

Um novo ayiê se formará.

E isso começa aqui entre nós.

Precisamos aprender a abraçar os nossos,

E a contar, juntos, a nossa versão dessa história.

 

(In: Monocontos: histórias para ler e encenar, p. 139-8)

 

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