Afirmação

Eu sou negro de alma e corpo
De extensa linhagem de heróis anônimos
de arma em punho e coração aberto
negro de face marcada com a lágrima
ferramenta de frio corte que penetra minha armadura
sou negro de máscara em rosto e dedo em riste
tenho direito de ser negro
negro de cabelos crespos ou não
negro de riso largo e cabelo trançado
negro de pele
negro de coração
negro engajado
negro por herança
Olhos por espelho
A minha pele não me deixa optar
Sou negro e ponto.
Ser negro de coração é opção, é dom
Pode ser que no meio da minha guerra eu te sorria
Sou guerreiro
A minha ginga é luta não confunda
Ou você entra na roda ou leva uma rasteira
                                                 (Todas as vozes, p. 41).

 

Grafite

Eu te obrigo a ver
o meu corpo grifado como muro
na periferia desta étnica cidade
ali a letra artefato belicoso
transgride e transmuta
a arte pétrica
erigindo valores outros
neste espaço tudo concebo
tudo confesso
imprimo a esperança
de ver a minha face blindada
grafada na história do meu país
                (Todas as vozes, p. 39.)

 

Grito de Amarildo

Olha o rio, Amarildo
Aqui da margem
Ele tremula como uma bandeira
De oliva
Há muito que estava seco
Esperança alguma conduzia
Olha o rio, Amarildo
As águas sobem e não trazem paz
É o rio da desigualdade
Traz gemidos e ecos na noite
Olha o rio, Amarildo
Eledeságua
No mar da intranquilidade
Naufraga a esperança
Vai no rio, Amarildo
O rio do esquecimento
Rio das densas águas
Indignação em lágrimas
Torrente de vozes arredias
            (Todas as vozes, p. 34.)

 

O negro

Leva em si o estigma do açoite
Deixando passar entre o céu e a alma
Um corante rumor de revolta
Acuado entre o silêncio e o grito mudo
Entrincheirado entre a dor e a redenção
Resquícios de intenso sofrimento
Contorce seu corpo numa ginga violenta
Esquivando-se das ofensas
Dançando num manifesto proibido
Combina suavidade e força
Solta sua voz no vento
E ninguém ercebe até que queira
O que é vento
O que é voz
                       (Todas as vozes, p. 36.)

 

Todas as vozes

Todas as vozes que eu escuto
Andam presas nos guetos
Às vezes dançam entre os ventos
Como palavras invertebradas
Às vezes adormecem
Como punho cerrados
E amanhecem
Cirurgicamente recompostas
Às vezes escapam como trovões
Relâmpagos negros
Às vezes são como esperanças
Livres ecos que no céu rugem
Num vôo de aves assustadas e feras enfurecidas
Depois produzem o negro fogo da consciência
Ode o imortal e o indizível
Renascem no fim da tempestade
                                     (Todas as vozes, p. 40.)

 

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