Os brincos de Oba Biyi

A lyalorixá de São Gonçalo criara uma Casa de Candomblé a qual, além dos misteres religiosos, tinha por objetivo dar abrigo aos filhos de santo menos favorecidos.

Mãe Aninha costumava dizer a sua "irmã carnal" Andreza, que criara a Roça para Xangô e seus filhos de santo. Ela era passageira; o "Axé", não.

Muitas famílias construíram residências no terreno da "Roça"; não só famílias, aliás, como, também, pessoas sós e desamparadas. Oba Biyi doou-lhes espaços para que edificassem suas casas.

Filhos de santo em dificuldades financeiras eram discretamente socorridos pela lyalorixá.

Uma ocasião, na feira, Mãe Aninha encontrou-se com uma filha de santo que, há muito, deixara de ir ao Axé a fim de cumprir as obrigações. Feliz, ao revê-la, conhecendo o bom caráter da "iaô", uma filha de Oyá, indagou-lhe o motivo da ausência. Esta, chorando muito, queixou-se de dificuldades financeiras; o marido perdera o emprego; ela, vendedora de acarajé, não possuía mais dinheiro para a compra do material da "vendagem"; as crianças, quase já não tinham o que comer... Como ir ao "Axé", se não podia pagar o transporte? Fora à feira, confessava, para ver se catava algumas frutas ou verduras postas fora, para dar de comer aos filhos.

A velha agiu como de costume; fez uma grande compra destinada à filha de santo e família; poderia vender o acarajé e, assim, equilibrar-se.

Ao pagar o português da barraca de cereais, conhecido pela "casquinhagem", notou insuficiência de dinheiro; saíra de casa desprevenida.

O comerciante conhecia Mãe Aninha; era seu "freguês"; mas não vendia fiado nem ao próprio pai; "ora, pá; não havia jeito"...

A lyalorixá tirou das orelhas os brincos, de ouro maciço, depositando-os no balcão; — "que o cavalheiro fizesse o favor de liberar as compras mediante a guarda da joia; assim que chegasse ao Terreiro, mandaria portador com a importância devida. Ela, Oba Biyi, confiava nas pessoas de bem; certamente as argolas lhe seriam restituídas..."

O português, envergonhadíssimo, pediu mil desculpas à senhora. (Ele mesmo faria publicidade deste episódio passado com a Mãe de Santo do Axé Opô Afonjá)!

(E daí aconteceu o encanto, 1988, p. 28-29).