"Há pau que traça pau...”

Vinte e nove de junho de 1912.

 

O Candomblé de São Gonçalo parecia uma verdadeira colmeia, dado o "entra e sai" de gente na arrumação do "barracão"; cortava-se papel, para a confecção de bandeirinhas vermelhas e brancas, varria-se o chão, apanhavam-se folhas, cadeiras eram dispostas segundo a hierarquia dos donos; mulheres agitadas, na cozinha, preparavam as iguarias rituais; outras, incumbiam-se da arrumação das próprias roupas e, mais importante, das vestimentas dos principais convidados — os Orixás.

Visitantes chegavam de toda parte para a festa; queriam ver Mãe Aninha, serem abençoados, beijar-lhe as mãos.

Habitualmente Mãe Aninha não era lá de muita conversa; naquele dia encontrava-se mais reticente que nunca, falando somente o indispensável. Ordenou a Senhora de Oxum a remoção dos assentamentos dos Orixás, de suas respectivas casas; auxiliadas por Fortunata, deveria escondê-los no mato fechado, junto, às moitas de "peregun".

Senhora e Fortunata entreolharam-se. Mas que fazer? Ordens são ordens... Seguiram à risca a determinação.

Começou a festa. Horas tantas, o homenageado principal já chegara —, ouviu-se um tropel de cavalos; era a polícia que, a mando do "Homem", vinha acabar com aquela manifestação de negros, "coisa de gente ignorante, primitiva..."

Xangô dançava tranquilamente.

No melhor da dança, determinou a um Ogã que lhe trouxesse três rolos de linha: uma preta, uma vermelha e uma branca. Entoando cantigas, desenrolou os novelos, um a um.

O barulho das patas dos animais estava mais e mais perto; sentia-se o cheiro dos cavalos. Filhas de santo entravam em pânico, pensando no pior: surra dos policiais, atabaques furados, saias rasgadas.

Aconteceu o encanto; os soldados se embrenharam mato a dentro e "nada de conseguirem achar o barracão do candomblé"; continuou a festança, com atabaques e fogos, comidas, bastante aruá e muita alegria.

No dia seguinte. Mãe Aninha ficou sabendo o ocorrido. Explicou às filhas de santo a ordem exótica de transferência dos Orixás; tivera o pressentimento de que a polícia iria armar alguma "presepada". Para que fossem evitados estragos, tomou a atitude de determinar a remoção dos assentamentos, até tudo se normalizar. O melhor lugar era a moita de nativos.

Percebia, feliz, que fora precipitada. Nada aconteceu;

— "Há pau que traça pau..."

Ria-se muito, imaginando a raiva e decepção de "seu" Pedrito.1

(E daí aconteceu o encanto, 1988, p. 23-24).