Eu, o Coco

 

Perguntaram-me porque eu sou uma dança dos quilombos. Eu vou lhes contar uma história: até onde eu sei, além de ser um refúgio após a fuga, o quilombo era o lugar de reorganização da vida criativa, uma nova vida. A terra era de quem ali chegasse, portanto, poderia arar, colher, criar animais, caçar, pescar. Gozar dos mesmos direitos e deveres.

As crianças eram acompanhadas pelos mais velhos e pelas mais velhas, responsáveis pela transmissão do conhecimento produzido por casa etnia que ali vivia. À sombra das árvores, elas ouviam as histórias ancestrais.

Da minha parte, eu lhes digo: mesmo sendo uma árvore estrangeira, gozei de boa adaptação aos diversos solos sem me incompatibilizar com as palmeiras nativas. Por isso, fui disseminado do litoral do sertão, passando pelo agreste.

À noite, os quilombolas se reuniram em volta da figueira, uma reunião para o descanso da labuta – hora de discutir idéias. Uma das idéias dessas reuniões foi celebrar a minha presença na economia quilombola. Nada melhor do que dançar em minha homenagem.

Dançar sempre fez parte da vida dos quilombolas, mesmo na senzala, dançar pela morte. Dançar faz bem ao espírito e ao corpo, aprenderam com os antigos.

 [...]

Coco – deram o nome à dança, o meu nome,quer louro maior? Acreditem, fiquei muito, muito orgulhoso. 

A partir daí, as noites eram animadas com o Coco: batidas de pés, batidas de mão batidas de tambor.

 

 (In: Eu, o Coco. p. 3-9)