Indira

Acordei com um medo danado de não ver mais Washington. Tomei café apressando minha mãe, que não entendeu tanta afobação. Saí de casa com o coração apertado, mas o alívio chegou assim que o vi lá na entrada do Boqueirão, segurando a mão de Dona Fia. Dessa vez, não me importei de ouvi-lo gritar o meu nome, nem de ele segurar minha mão e minha pasta. Quis falar muitas coisas pra ele, porém, não consegui. Caminhamos em silêncio até a escola.

Nessa manhã, não me concentrei. A professora gesticulava muito lá na frente e enchia o quadro de informações. Os meninos jogavam, de vez em quando, bolinhas de papel nas outras meninas, que viravam para trás tentando reconhecer o engraçadinho. Mas eu ficava pensando na possibilidade de o Washington ir mesmo morar com a avó no interior. Nós nos conhecemos há bastante tempo, ele é meu melhor amigo. E se ele fosse mesmo embora, como seriam as idas para a escola?

Washington nem sabe que eu estou aqui pensando nele. Ele está concentrado, a aula é de história (disciplina que adora). Eu também gosto, mas não sei por que estou aqui reparando nas mãos dele, no jeito que ele morde a tampa da caneta (hábito que Dona Fia detesta). Só agora percebo um certo brilho naquela pele muito negra. Os cabelos de Washington são bonitos e crespos, e o pai dele, quando o leva ao barbeiro, pede para Seu Juca fazer um corte diferente, bater a nuca, fazer uns desenhos que homenageiam suas raízes africanas. O Washington adora esses desenhos na nuca; ele diz que marcam sua diferença, e, agora, vejo que ele é mesmo diferente.

Quando cheguei em casa, perguntei a minha mãe:

– O Washington vai mesmo embora?

– Não sei minha filha. Talvez, por quê?

Não respondi.

(Indira, p. 15).

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