A ganância

 

Sandra Menezes

 

Essa realidade me faz pensar em Wangari como um presente de Deus, descoberto pelo nosso povo e organizado com uma sociedade há muito tempo sonhada por nossos ancestrais. Um lugar para se viver sem discriminação, com respeito à existência de qualquer ser, sem poluição do ar ou sonora, com os bens básicos garantidos a todos. Essa era a história que nos estava sendo contada desde a infância, pelos mais velhos, nas rodas de conversas e ensinamentos, e nos grandes encontros familiares que há anos acontecem em nossa grande cidade. Com certeza, em alguma medida, permanece a utopia dos fundadores diante da visão esplendorosa da natureza do meu planeta natal, com suas florestas, águas límpidas, sob um imenso céu repleto de astros e estrelas. Entretanto, sua sociedade foi estruturada por humanos, e, como tal, mesmo tendo passado por grandes provações e mudanças ao longo dos tempos, inclusive do ponto de vista da genética, e do quanto foi descoberto sobre nossa capacidade física, mental e espiritual, ainda somos propensos a cometer erros.

Quanta coisa aconteceu na história da evolução do planeta Terra, que quase desapareceu por causa de atitudes irresponsáveis de poderosos, dos que enriqueceram invadindo territórios e se apossando de riquezas alheias, para depois, oprimir e colocar sob força do seu armamento os mais frágeis, os desvalidos, os pobres. E para quê? Me assusta pensar que, depois de tantos equívocos, ao longo de uma sucessão de anos, ainda vieram novas gerações com este mesmo pensamento. Em conversas com nossos mestres e com os anciões nos encontros familiares, soubemos que no passado, antes do início da destruição maior na Terra, não faltaram alertas dos ambientalistas, cientistas, antropólogos, astrônomos, enfim, todos prevendo o pior dos quadros, caso não acontecesse uma mudança profunda de comportamento. Mas a humanidade não os levou em conta. Quanto tempo mais será preciso para que se alcance o entendimento de que de nada adiantará conquistar outros planetas, se a consciência da preservação não for considerada como a maior das conquistas?

No nosso período escolar aprendemos que não tinha sido nada fácil para os exploradores africanos chegarem ao meu planeta. A partir do século XXI, foram necessários mais cem anos para que a primeira nave espacial atravessasse as fronteiras do Sistema Solar. Antes disso, gastou-se muito dinheiro e astronautas perderam a vida para que fosse possível a instalação de uma colônia em Marte. Entre os links que encontrei no setor de história da Terra na grande biblioteca de Wangari, estão relatórios de encontros internacionais em que estudos da Aaye Ile-ise Agência Pan Africana sobre possíveis planetas habitáveis em outros sistemas da Via Láctea foram sempre pouco considerados pelas outras nações, mesmo já se tendo constatado que a astronomia integrava o conhecimento africano desde o início das civilizações. Trabalhos acadêmicos de pesquisadores africanos apontaram que o conhecimento tecnológico foi identificado em vários setores das sociedades da África Antiga. Nos arquivos guardados em Wangari, há dados que informam que, em meados do Século XX, foram encontrados numa região do Quênia, próximo ao Lago Turkana, os restos pré-históricos de um observatório astronômico. Eles demonstram também que o povo Mali, no último milênio antes da Era Comum, já conhecia a Via Láctea, com sua estrutura espiral, as luas de Júpiter e os anéis de Saturno. Nos artigos mais recentes publicados nas revistas científicas reproduzidas em novas mídias, podemos ler que uma parte dos especialistas atestava que Marte não oferecia as melhores condições de permanência para os humanos, já que tudo teria que ser levado para lá, desde o próprio oxigênio, passando pelas estufas para produção de alimentos e também os recursos em termos de medicamentos e equipamentos de manutenção da saúde.

Os analistas de história das sociedades, especialmente os que se debruçavam sobre economias do mundo, eram pessimistas quanto ao sucesso da colonização do planeta vermelho. Eles denunciavam que os responsáveis pelas equipes de diferentes países tinham interesses que atendiam a corporações e empresas comerciais norteados pela competitividade, pela ganância, ocupando Marte com a mesma mentalidade e preceitos do que foi feito na Terra pelos colonizadores antes e depois da era industrial. As multinacionais se estabeleceram naquele planeta com intuito de explorar ao máximo os ganhos financeiros, em detrimento da boa convivência, da evolução das pesquisas com fins humanitários e do cuidado com o ambiente. Até que a missão africana encontrasse e colocasse a sua bandeira no planeta verde, muitos outros projetos espaciais europeus, americanos, japoneses, que eram considerados superiores ao do povo negro, fracassaram. Os antigos afirmam que a herança de civilizações pioneiras e o aperfeiçoamento de pesquisas com tecnologia própria, sem abrir mão da compreensão de que a união é primordial, foi o que guiou os africanos, e os levou muito além do que outros povos na Terra poderiam imaginar.

(In: O céu entre mundos, p. 81-3)

 

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