Blues

                                             Fernanda Bastos

Sentada na cama
eu penso no ideal do amor afrocentrado
De quanto isso representou porrada na cara
Para uma penca de mulheres
contas na cabeça
e um olho roxo
muito peso nas costas

Lembro de nossos pais ausentes
e daquelas que assumiram seus papéis
muitas mulheres e um homem
os outros tantos fugiram
e nós,

seremos presentes
Como os homens ou as mulheres de nossas vidas
seremos?
Ele fala sobre a nossa filha
Será
leitora de Dostoiévski
Cabeleireira como a vó
Frequentará escola pública como eu
Falará com os olhos como ele
Terá alguém para entrelaçar a mão sem que a aperte demais
viajará pela Bahia,
Encontrando um estado tão diferente daquele que fui criada
usará a farta cabeleira solta ou em um coque para o alto

No próximo ano farei 30
Será melhor porque dos 12 aos 29 eu tinha mais chance
duas vezes mais chance de morrer violentamente
do que a parceira anterior dele
e penso que talvez ele tivesse mais vantagens
com ela até outra cidadania
e lá sou cidadã da onde ou para quem se afirma
tenho medo
dessa ânsia por renúncia
de perder na largada,
como se me impedissem de partir
segurando com força os meus braços
até que se soltasse eu cairia
cadê o medo da morte
que eu não tinha.

                                              (Dessa cor, p. 12)

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