Consuelo Dores Silva nasceu em Itapecerica, Minas Gerais. Cursou Pedagogia no Instituto de Educação (UEMG), e Letras na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, graduando-se em 1973.
Lecionou Língua Inglesa no Colégio Salesiano, em Belo Horizonte, e Língua Portuguesa e Inglesa no Instituto Cultural dos Metalúrgicos, na cidade de Contagem, Minas Gerais. De 1974 a 1998, trabalhou como supervisora pedagógica da rede estadual de ensino.
Em 1984, ingressou na Fundação de Ensino de Contagem, lecionando Língua Portuguesa e Literatura Brasileira para o Ensino Médio. Além disso, trabalhou como orientadora educacional na rede municipal de Contagem de 1995 a 2022. Atualmente, é aposentada como professora e também como pedagoga. Em 1993, obteve o título de Mestre na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Em2018, conquistou o título de Doutora no Programa de Pós-Graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
É participante do Grupo de Estudos Estéticas Diaspóricas (GEED/CNPq/ UFVJM/UNILAB), coordenado pela Professora Dra. Roberta Maria Ferreira Alves e também pela Professora Dra. Lilian Paula Serra e Deus. Foi membro da comissãojulgadora do prêmio Paulo Freire, promovido pela Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (SMED), em 2008 e foi voluntária na supervisão editorial do jornal Opinião e Fatos (2005).
Herdou de sua avó, Rita Afra Vanderlei, o gosto pelas histórias infantis. Quando criança, costumava escutá-la assentada num tamborete, lá na cozinha, perto do fogão a lenha. Em memória de Vó Rita, escreveu o livro O elefantinho da tromba caída, publicado pela Mazza Edições. Essa obra foi selecionada pela Secretaria Municipal de Educação de Contagem (2008), pela Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (2009); pelas Secretarias de Educação de Ibirité (MG) e Sobral (Ceará) em 2011 e Nova Lima (MG) em 2023, para compor os kits escolares dos respectivos municípios. O livro Negro, qual é o seu nome?, fruto de sua pesquisa de Mestrado, editado também pela Mazza Edições em 1995,já em segunda edição, foi selecionado pela Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais (1997-1998), pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (2003) e pela Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (2004) como obra paradidática e suporte para os professores no estudo das questões étnico-raciais.
Depoimento
Visão de mundo
Cresci, nos anos 60, vendo meus pais ouvindo a Voz da América, rádio norte- americana que informava, em língua portuguesa, as notícias sobre a organização dos negros nos E.U.A, e a marcha pelos direitos civis, liderada por Martim Luther King. A morte desse pastor da religião batista desencadeou inúmeros protestos na América do Norte. Nesse contexto, a audição da Voz da América e a ida à biblioteca, situada numa das salas nos fundos da igreja católica de minha cidade, eram ansiosamente esperadas por minha família, após a missa dominical. Naquela época, eu não possuía nenhuma consciência política de que o assassinato de Luther King e os protestos dos(das) negros(as) tornariam visíveis, em outras partes do mundo, que esses membros da população norte-americana exigiam o seu reconhecimento como cidadãos. Portanto, a descoberta de que, em outras partes da América, negros e negras protestavam contra a discriminação etnicorracial, me levou à percepção e à interpretação do mundo ao meu redor. Nos anos 70, o corte de cabelo “black power”, usado pelos Panteras Negras, grupo de militantes que lutava contra a discriminação racial, e por Angela Davis, também ativista pelos direitos civis da população negra dos E.U.A., constituiu um símbolo identitário que assumi com empolgação. Portanto, a construção da minha identidade perpassou pelas interações sociais que eu vivi. Entendo que a transmissão de notícias, pela Voz da América, a ida à biblioteca da igreja católica com meus pais, e a contação de histórias por minha avó materna, Rita Afra Wanderlei, nascida dois anos após a abolição, moldaram a minha visão de mundo porque, entendi que, com o tráfico negreiro, negros e negras foram dispersos pelo mundo. Sendo assim, conscientizei-me da diáspora africana e de que eu e minha família tínhamos um laço que nos unia aos(às) negros(as) americanos(as): a cor de nossa pele.
Projeto estético/ideológico
A literatura negra e a literatura afro-brasileira são ferramentas importantes na construção de identidades. Eduardo de Assis Duarte (2023), referindo-se ao conceito de literatura negra, recorre a “Ironides Rodrigues, um dos mais destacados intelectuais da geração anterior ao Quilombhoje, declara em depoimento a Luiza Lobo: A literatura negra é aquela desenvolvida por autor negro ou mulato que escreve sobre sua raça dentro do significado do que é ser negro, da cor negra, de forma assumida, discutindo os problemas que a concernem: religião, sociedade, racismo. Ele tem que se assumir como negro” (Apud LOBO, 2007, p. 266). O conceito de literatura afro-brasileira é objeto de discussão entre teóricos: uns consideram que a nomenclatura do termo pode segregar os(as) escritores(as) dessa vertente literária num gueto; entretanto, Edimilson Pereira, citado por Duarte (2023), considera “a literatura afro-brasileira como uma das fases da literatura brasileira –esta mesma percebida como uma unidade constituída de diversidades.” (1995, p.1035-6). A literatura afro-brasileira, como uma ferramenta de combate ao racismo, pode ter um viés ideológico, ao se contrapor a ideologias em que o negro é confinado em papéis subalternos.
Papel da literatura e da arte
A literatura é uma das formas de expressão artística da pessoa humana. Através da construção ou reconstrução dos mundos, sejam eles imaginários ou ficcionais, perpetua e resguarda a nossa memória, registrando a expressão de uma época e de uma cultura. A literatura está vinculada à sociedade em que ela tem origem e tem uma grande importância na vida do indivíduo, porque ela lhe apresenta uma gama de possibilidades tais como: viajar hipoteticamente por terras distantes; desenvolvimento da imaginação, da criatividade e da interpretação do mundo. Para Fernando Pessoa, “a literatura existe, porque a vida não basta”. Partindo dessa afirmação, podemos dizer que a leitura de textos literários nos permite contatar histórias de outras pessoas ou que foram criadas por elas. Sendo assim, interagindo
com narradores(as) e outros(outras) personagens, refletimos sobre o tempo, a nossa cultura, enfim, sobre a nossa própria história. Por outro lado, a literatura também desempenha um importante papel na formação do desenvolvimento do indivíduo, porque auxilia na formação de sua personalidade. Consequentemente, em várias sociedades, os currículos escolares estabelecem o ensino da literatura desde a infância. Desta maneira, a cultura e os ensinamentos abordados, resultantes das experiências dos ancestrais, se incorporam na visão de mundo da criança, auxiliando na construção de identidade pessoal. Na construção dessa identidade, a literatura desempenha um importante papel, na narrativa das histórias e mitos transmitidos de geração a geração. Sendo assim, a herança cultural de uma sociedade é transmitida pela literatura. Por outro lado, a arte, outra manifestação humana, também tem um importante papel na cultura de um povo: ela estabelece a conexão entre o presente e o passado, torna homens e mulheres mais criativos num mundo extremamente globalizado. Civilizações antigas empregavam a arte no registro cotidiano de suas atividades. Para Buoro (2000, p.25), “portanto, entendendo arte como produto do embate homem/mundo, consideramos que ela é vida. Por meio dela, o homem interpreta sua própria natureza, construindo formas ao mesmo tempo em que descobre, inventa, figura e conhece”. O homem pré-histórico recorreu à pintura nas cavernas, para o registro de suas atividades, de seus hábitos, de sua busca pela sobrevivência. Portanto, recorreu à arte, para representá-los. A arte tem uma função social: através de suas representações, sejam elas, a escultura, a arquitetura, o cinema, ou as artes cênicas, expressa um elemento histórico, uma época, e é, portanto, uma das formas de manifestação cultural de um povo. Os PCN’s (2001, p.19) destacam que “[...] A arte de cada cultura revela o modo de perceber, sentir e articular significados e valores que governam os diferentes tipos de relações entre os indivíduos na sociedade. A arte no campo educacional é uma proposta capaz de provocar mudanças no modo de o aluno ver o seu meio e nele agir”.
Importância das heranças africanas na cultura brasileira
Vários povos africanos, desde o período colonial, influenciaram a cultura brasileira quando chegaram ao Brasil escravizados. Em vários aspectos, vejo suas marcas: no vocabulário; na religião (umbanda e candomblé); na música e na dança (maracatu e samba); na culinária (acarajé, cuscuz e outros pratos); nos mitos populares (saci Pererê, boitatá); no folclore (lendas da caipora e do curupira); nas festas populares (Folia de Reis, Festa de Iemanjá, Bumba meu Boi e Lavagem do Bonfim em Salvador, Bahia) e nas artes (escultura e pintura). Portanto, o negro, desde mais de 300 anos, vem sendo um elemento formador da sociedade brasileira. Entretanto, o racismo contribuiu para a nossa invisibilidade, através do apagamento da história de resistência e de manifestações culturais. Pesquisadores(as) salientam que, devido à grande diversidade de povos de várias origens que habitam o Brasil, a cultura africana, nele difundida, constitui um variado painel de culturas que se diferenciam entre si, através das tradições, línguas faladas, crenças, valores e costumes. As culturas africanas possuem uma ligação acentuada com a natureza, presentes em muitas histórias de resistência ao domínio colonial. E levadas pela diáspora para outras partes do mundo.
Situação do ensino hoje, em especial no tocante à maioria negra
No Brasil, um fato extremamente discutido é a importância de se ter um Projeto Político Pedagógico atuante, dentro das escolas, que seja construído através da participação coletiva. O PPP é um documento que trata dos objetivos, dos encaminhamentos e das metas da escola, fundamentados nas legislações federais. O Projeto Político Pedagógico, ao tratar dos interesses coletivos da comunidade escolar, se baseia na gestão democrática da instituição de ensino, dando voz a todos(as) os(as) envolvidos(as) no processo educativo. Nesse processo, deve observar as contribuições das diferentes etnias na formação do povo brasileiro. Daí a importância do conhecimento das leis que determinam os direitos humanos e valorizam a cultura dos grupos não dominantes da sociedade (negros e índios). Pela minha experiência pedagógica, parece-me coerente afirmar que uma escola, que se quer democrática, deverá incluir, em seu PPP, objetivos que tenham, como metas, o acesso e a permanência do alunado negro em seu interior e a desconstrução da imagens negativas associadas a esse segmento etnicorracial, veiculadas na sociedade, devido ao racismo. Por outro lado, o PPP pode também ser utilizado como um dos instrumentos de combate à repetência e à evasão escolar provocados, frequentemente, pela tensão derivada da interação conflitiva entre alunos(as) brancos(as) e negros(as), caracterizada pelos apelidos dados ao segundo segmento etnicorracial. Entre seus objetivos, esse documento deve incluir a criação de oficinas pedagógicas na formação dos(das) professores(as), espaços democráticos na socialização de saberes que possam ser utilizados no combate ao racismo.
Avaliação aplicação da Lei 10639
Em 2003, ocorreu a implementação da Lei 10.639 que estabeleceu a obrigatoriedade da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas públicas e particulares do Brasil. A aprovação da Lei foi um ato histórico. No acesso à educação da população negra, ocorreram alguns progressos, como o aumento da matrícula em diferentes níveis de ensino. Entretanto, apesar desse avanço, a aplicação efetiva dessa lei encontra barreiras. Então, me reporto à inquietação que me afligia, quando cursava o mestrado em Educação na UFMG: Se os(as) professores(as) são etnicamente diferenciados(as) de seus(suas) alunos(as), provavelmente, alguns(algumas) deles(as) resistiriam à desconstrução da representação negativa dos(das) negros(as). Desta maneira, necessitariam enxergar com outros olhos, os outros segmentos étnicos que compõem a sociedade brasileira. Suponho, que, entre eles(elas), existam aqueles(aquelas) interessados(as) em corrigir a representação social do negro; e a estes(estas) poucos(as) comprometidos(as) com uma escola mais democrática, em que o(a) aluno(a) se prepare para o exercício de sua cidadania, se impõe tal tarefa. A dificuldade em aceitar o “Outro” como um seu igual, pode constituir um dos entraves que dificultam a construção de projetos de educação antirracista em nosso país. Fui militante do Movimento Negro Unificado, nos anos 80 e 90, em Belo Horizonte, e pertencia a um grupo em que Jorge Posadas (PUC-Minas), Dalmir Francisco (UFMG) e Luiz Alberto de Oliveira Gonçalves (FAE-UFMG) eram militantes. Pergunto-me: será que ainda hoje a educação antirracista deverá ficar a cargo só dos(das) negros(as)? Vejo desafios na construção de projetos políticos pedagógicos que contemplem a contribuição dos vários grupos etnicorraciais na história do Brasil: um deles é a desconstrução da ideia de que índios e negros nada contribuíram à construção de nossa sociedade. A escola é uma instituição reprodutora das relações assimétricas existentes na sociedade, conforme resultados de várias pesquisas. Sendo assim, possui um poder limitado no que tange à resolução de problemas originados pelas relações interétnicas conflitivas e, no nível de recursos humanos, uma de suas limitações se situa na formação precária dos professores(as) no que se refere às questões étnicas. Os indivíduos desempenham papéis tipificados, resultantes de uma identidade atribuída e a escola é um dos locais onde a identidade do indivíduo é construída. Pesquisadores afirmam que o contato com crianças e adolescentes negros(as) permitem perceber a representação que construíram de si mesmas e, muitas vezes, ela é negativa. Portanto, a escola representada pelo alunado negro é como um teatro dividido entre atores e coadjuvantes. Assim, o esquema estrutural de dominação existente entre brancos e negros se reproduz no universo da instituição. Como um fator positivo apontado por pesquisas sobre Educação, crianças negras tiveram o acesso ao ensino formal universalizado na faixa etária de 6 a 10 anos. Além disso, um outro dado positivo, referente à trajetória escolar de negros e negras, é a entrada de mulheres negras no ensino formal. Pesquisas demonstram que ações afirmativas facilitaram também o acesso desse segmento etnicorracial ao ensino superior. Entretanto, nesse nível de ensino, mesmo com o aumento do número de estudantes negros(as) matriculados(as), ocorre um afunilamento, ocasionando, consequentemente, uma diferença numérica na permanência e no acesso à escola, a favor dos(das) estudantes brancos(as). Estudos demonstram que a população negra tem menos acesso à educação no Brasil. Sendo assim, os índices de reprovação e evasão são maiores entre as pessoas que compõem esse segmento etnicorracial do que entre a população branca. Por outro lado, pela nossa experiência pedagógica, na periferia de Belo Horizonte, pressuponho que a interação conflituosa de crianças e jovens negros(negras) constitui um dos vários motivos que os induzem à evasão escolar. Em 1993, ano em que defendi minha dissertação de mestrado, essa constatação aparecia em minha pesquisa. Assim, é necessário que as secretarias de Educação, sejam elas estaduais ou municipais, promovam a formação continuada de seus(suas) professores(as) para que adquiram conhecimento sobre os(as) negros(as) e a sua contribuição à cultura brasileira. Um outro desafio a ser enfrentado é a limitação da abordagem dos(das) professores(as) que priorizam somente o mês de novembro, durante a semana da consciência negra, na construção de projetos de educação inclusiva. Além disso, seria necessária a ampliação do foco do ensino, porque a Lei 10.639 aponta somente 3 eixos em que as atividades da construção desses projetos devem ser desenvolvidas: história, literatura e artes.
Depoimento ao Prof. Dr. Wellington Marçal de Carvalho
Belo Horizonte, julho de 2024
PUBLICAÇÕES
Obra individual
O elefantinho da tromba caída. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2008. (Infantojuvenil).
Não ficção
A construção da identidade no processo educativo: um estudo da autorrepresentação dos alunos negros no universo da escola pública. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação, UFMG, 1993.
Memórias de guerra: um estudo comparativo de Terra sonâmbula, de Mia Couto e A geração da utopia, de Pepetela. Tese (Doutorado em Letras – Literaturas de Língua Portuguesa). PUC Minas, 2018.
Negro, qual é o seu nome? Belo Horizonte: Mazza Edições, 1995. Coleção Griô, Textos, 4
TEXTOS
Apelido: o nome da inferioridade
Construção de uma auto-imagem positiva
O elefantinho da tromba caída (fragmentos)
CRÍTICA
FONTES DE CONSULTA
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