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Pós-Colonialismo


Paraíso Perdido em Contracena: império e poder

Luiz Fernando Ferreira Sá.


ABSTRACT

In John Milton’s Paradise Lost epic and empire are dissociated. In this essay, I read the epic as a process of construction of human history from an imperial to a post-imperial stance. Such a renewed focus helps me redefine empire as an umpire conscience (or an intense private political activity) and also helps me relocate power in the privileged space of a translatio imperii that may open itself into a post-colonial counter-scene.
Key-words: poetry, John Milton, post-colonial.

David Quint nos ofereceu recentemente (1993) um estudo de como Paraíso Perdido pode ser lido na linha de um desenvolvimento tardio na tradição do épico e do império. No entanto, o épico de Milton não confirma uma dinâmica inerente de construção do império, uma vez que a relação do poema com uma temática imperialista é ambivalente ao extremo. Neste ensaio, eu argumentarei com Mueller (1999: 26) que “Paradise Lost proceeds from an imperial to a postimperial construction of the course of human history”, menos numa cronologia e mais como o retorno do que foi recalcado, e demonstrarei que, num entendimento pós-imperial, o foco recai sobre uma vida doméstica e privada cuja atividade política, em vez de ser dispensada, é relocada nessa mesma intimidade ou interioridade doméstica. Ademais, confirmarei que essas relocações, ou topoi, domésticas do épico, como também suas redefinições de poder e comando esclarecem o poema mais como anti-imperial, nessa perspectiva pós-imperial, e abre ainda mais espaço para podermos entendê-lo como inserido numa contracena pós-colonial.

Apesar de Satã ser o primeiro, o mais cruel e o mais pretensioso personagem imperial em Paraíso Perdido, os elementos que perfazem sua busca por poder imperialista são apresentados em camadas de complexidade e ambivalência. Suas palavras no início do épico são as de um general, as de um imperator em busca de um imperium:
[...] the superior Fiend
Was moving towards the shore [...]
[...] he stood and called
His legions, angel forms, who lay entranced,
[...] He called so loud, that all the hollow deep
Of Hell resounded: ‘Princes, Potentates,
Warriors, [...]
[...] Awake, arise, or be for ever fallen!
They heard, and were abashed, [...]
[...] Yet to their general’s voice they soon obeyed
Innumerable. (Milton 1957).

Aproveitando-se do fato de que os anjos caídos são a população do Inferno, Satã se sente apto a projetar um plano político e militar de extensão de seu imperium frente a “this throne, [...] / And this imperial sovranty, adorned / With splendor, armed with power” (2. 445-47). No plano narrativo, Satã tenta usurpar a supremacia divina após a Guerra no Céu e se incumbe de descobrir o novo mundo de Deus “To waste his whole creation, or possess / All as our own” (2. 365-66). Depois de tomar o comando do Inferno, que é o seu lugar de exílio e despossessão, Satã expõe sua ambição de se tornar um imperator de uma monarquia universal.

Milton, no entanto, enfatiza o vazio recriado pelo Satã imperial ao vesti-lo com a roupagem do conquistador brutal e desumano tão bem conhecida na Inglaterra do século XVII. A partir do momento em que Satã utiliza sua energia devastadora em direção a um “another world, the happy seat / Of some new race called man” (2.347-48) ele também se veste com a roupagem do explorador, reconhecedor, soldado de fortuna. Fortuna esta que significa uma destruição do jardim dos inocentes Adão e Eva: “yet public reason just, / Honor and empire with revenge enlarged / By conquering this new World, compels me now” (4. 389-91). Compelido a estender seus domínios, Satã e seus anjos caídos vêem em Deus um rival, e nos domínios de Deus, um império rival (1. 114, 2.327, 4.110). Os títulos ou epítetos divinos de Deus nos livros iniciais de Paraíso Perdido incluem “King”, “Father”, e “Almighty” e nunca “Emperor”. A primeira vez que a linguagem de império é usada por Deus, ou pelo narrador épico em relação a Deus, coincide com o momento em que todo o mundo criado (Céu e Novo Mundo) corre o risco de destruição pelo desbravador Satã: “As yet this World was not, and Chaos wild / Reigned where these Heavens now roll, where Earth now rests / [...] As Heaven’s great year brings forth, the empyreal host / Of angels by imperial summons called, / Innumerable” (5.577-78, 583-85). O chamamento imperial de Deus se dá, no meio do épico (livro 5), como resposta à vontade satânica de restituir toda a criação ao caos, ao vazio inicial: um processo que faz retornar o que foi recalcado, faz emergir nossa comum provisoriedade e transitoriedade.

Esse recalque contra o caos, essa repressão contra o vazio, no entanto, se abrirá no épico para sucessivas iniciativas divinas: Deus convoca a companhia de todos os anjos celestes, proclama uma intimidade especial (na sua linguagem para engendrar o Filho único que senta à sua direita) e aponta o Filho como comandante-chefe, legislador e comanditário.
Hear, all ye Angels, progeny of light,
Thrones, Dominations, Princedoms, Virtues, Powers,
Hear my decree [...]
This day I have begot whom I declare
My only Son, [...]
[...] whom ye now behold
At my right hand. Your head I him appoint;
[...]
Under his great vicegerent reign abide
United as one individual soul
For ever happy. Him who disobeys
Me disobeys, breaks union (5. 600-6, 609-12).
O Filho se torna assim o Rei que irá liderar as tropas celestiais na batalha de defesa da Terra Natal, da ordem criada:
Heir of all my might,
Nearly it now concerns us to be sure
Of our omnipotence, and with what arms
We mean to hold what anciently we claim
Of deity or empire: such a foe
Is rising, who intends to erect his throne
Equal to ours, [...]
Let us advise, [...]
[...] and all employ
In our defence, lest unawares we lose
This our high place, our sanctuary, our hill (5. 720-26, 729-32).


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