Querida Lucila,
Em primeiro lugar, envio-te o que Cícero
mandou, em epístola, a um de seus amigos: mitto tibi
navem prora puppique carentem. Isso quer dizer: envio-te
uma navem sem proa e sem popa; uma n avem sem
m nem n; navem carecida de
proa e de popa é o mesmo que ave em Latim. É
o mesmo que salve = passa bem de saúde,
sê feliz e outras coisas assim, que o romano desejava,
ao saudar o amigo (ave Maria, como se foi esticando a
explicação!). Recebi tua carta com data do dia 19
de maio e fiquei muito alegre com tudo que ela contou. Mais de
um mês já passou ...
Pelo que li, é toda risonha e franca a tua
escola. Parece com a do estudante alsaciano que a gente
recitava no Caraça. Começava dizendo: antigamente
a escola era risonha e franca. Imagina, tu, que eu vibrava
com a história, declamada no palco do Colégio, há
bem uns sessenta anos. [Errei na conta. Não sou tão
velho assim: meu primeiro ano de Caraça foi em 1916]. Com
expressão corporal e peças teatrais, vejo que minha
neta vai progredindo, como convém, na sua atividade criadora.
Benza-te Deus, Lucila. Vejo também que afias, no estudo
da sintaxe, a tua arguta inteligência. Espero ainda te ensinar
fora da rotina colegial vigente, um método de análise
sensato, isento às distorsões do tempo em que aprendi
(e também ensinei). Análise é interpretação
pelo sentido. É, na estrutura da frase, identificar a função
veicular do veículo frase, no modo de carrear seu veiculado.
O veículo é a frase e o sentido é o veiculado,
sob cuja luz semântica a frase deve ser examinada. A boa
sintaxe, filha do bom uso, mostra a função veicular
da estrutura, a boa conveniência da frase-veículo
e do sentido veiculado. Gostei de teu abraço especial industrializado
e aportuguesado, mesmo não entendendo o que será,
com os de outros temperos, que mandares, e que confrontarei. Pode
ser que eu acabe entendendo. Mas gostarei de qualquer jeito, sendo
teus. Recomenda-me, aí no Rio, a todos que são nossos,
no clã de J. M Carvalho, no clã de J. C. Lisboa
e no de Sérgio Gregori.
Muito especial para ti, um abraço e um queijinho
(que cobrarás de tua mãe). Envia tudo aqui o teu
avô
Lourenço."
P.S. Se pretendes, na vida, medicina ou comércio,
podes continuar com assinaturas ilegíveis. Mas se tens
outros projetos, toma exemplo, ao assinares teu nome, em tua tia
Henriqueta Lisboa.
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