Creiam que estou lisonjeado pela distinção
de falar sobre aquele que foi meu maior mestre de Português
JOSÉ LOURENÇO DE OLIVEIRA.
Lourenço o entusiasta do magistério,
elegante no vestir e no falar; sábio, exigente e sóbrio
com seus alunos, modelo espontâneo de amor ao idioma pátrio
pelo falar escorreito, sem rebuscamentos; desassombrado na defesa
de suas idéias, quase sempre contestatórias ao estabelecido,
quer na gramática sincrônica, quer na teoria lingüística;
lídimo representante do legado cultural caracense greco-romano;
dono de uma sui generis e difícil metodologia
do ensino da língua, mas atraente e curiosa por sua visualização
diagramática a exibir uma lógica inconteste nas
relações entre os componentes frásicos.
Era sobre essas maravilhas do ensinar lourenciano
que pretendíamos discorrer, revivendo-o, com alegria, ao
demonstrar o processo e as personagens Primo
e Secundo que lhe dão vida como sócios
interagentes da comunicação humana.
Mudei de idéia, todavia, quando recebi pelas
mãos gentis de Abigail, filha do grande mestre, esse primor
de obra Da Vida à Vivência, subtitulado
Conceitos de Linguística Fabular, de
José Lourenço de Oliveira, em boa hora organizada
por dois discípulos, Johnny José Mafra e Samuel
Moreira da Silva, diletos e fiéis seguidores de Lourenço.
Mudar de propósito não significa,
aqui, falar de outro assunto, porquanto este é, também
para nós, a melhor marca de Lourenço professor.
No entanto, falaremos dele tão-só para ressaltar
a magnitude da tarefa de Johnny e Samuel.
A seleção da matéria, bem
assim sua ordem de apresentação e Notas revelam
profunda identidade de seus organizadores com o aspecto que alicerça
o trabalho intelectual de José Lourenço sua filosofia
humanista. Tudo há de girar em torno do homem, de sua essência.
Aí, nessa preocupação com
a globalidade do homem, a partir de sua capacidade de comunicar
com o outro por meio da fala, está o cerne
do pensamento, do discurso contestatório e construtivo
do mestre Lourenço, para quem a língua
é um produto coletivo do espírito. É
com esse conceito nuclear que rebate, de modo exaustivo e consistente,
a teoria da lingüística estruturalista de Ferdinand
Saussure; derruba a dicotomia langue-parole com o argumento
de que o pai da lingüística moderna comete
o engano de ver a língua como coisa, como um
real autônomo como um produto do espírito coletivo.'
Sustenta seu ponto de vista demonstrando como a língua
promana da fala e como esta última
é um veículo esperando serviço.
Mas não pretendemos parafrasear o monumental
trabalho dos dois discípulos de Lourenço nem lhe
fazer uma resenha, porquanto nada acrescentaríamos a essa
oportuna homenagem ao centenário de nosso mestre comum.
O bom mesmo é que os interessados nesse
palpitante assunto, sobretudo na abordagem erudita, singular,
convincente de José Lourenço, venham deliciar-se
no manuseio de cada página, cada capítulo desses
Conceitos de Lingüística Fabular ; mergulhar
nas estruturas frásicas e seus variados sintagmas; estreitar-se
com Caio, saudosa personagem das aulas de Lourenço a responder
chamada diária com seus alunos. Enquanto Primo
e Secundo vivificam o fundamento teórico, é
Caio quem vai para o quadro fazer e acontecer nas diversas estruturas
monossintagmáticas e polissintagmáticas.
Lembro-me de Caio como alter-ego de Lourenço,
passeando com ele, em diálogo, na frente do quadro, e participando
de todas as situações reclamadas pelo mestre para
ilustrar exemplos.
Os dedicados discípulos de Lourenço
não só responderam ao desafio de minha amada, mui-amada
Amiga Alaíde Lisboa, no sentido de lançar-se
às inúmeras pastas de escritos de José Lourenço
, como também o fizeram com carinho, interesse, zelo
e competência, trazendo à luz quem sabe? a melhor
homenagem desse centenário: Da vida à vivência
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Jair Barbosa da Costa
Professor, ocupante da Cadeira José Lourenço
de Oliveira, da Academia de Letras da Polícia
Militar de Minas Gerais
26 de outubro de 2004
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