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Sobre José Lourenço e sua obra

UMA PESSOA TOLERANTE

 
 

Eunice Pontes

 

Convidada a participar de homenagem ao Prof. José Lourenço de Oliveira, a princípio tive uma reação contrária. Os mortos não precisam de homenagens, pensei eu. Estão além, acima, disso tudo. Os vivos é que gostam de homenagem, pois vivem sob o domínio do ego, precisam de se sentir superiores, precisam de que alguém lhes diga que eles são importantes...Os mortos, não. Qual a melhor coisa que eu posso fazer em memória de um morto, me perguntei. Acredito que é rezar por ele, para que descanse em paz, naquela paz que ‘excede todo entendimento”. Ainda por cima, pensando no Prof. Lourenço, a lembrança que me veio foi a de uma pessoa não muito à cata de homenagens. Ele me pareceu uma pessoa simples, sem vaidade, e que não dava muita importância ao que as pessoas pensavam dele. Essas virtudes não são muito comuns, sobretudo no meio intelectual em que nós vivíamos. Mas ele tinha essa qualidade. Numa época (anos 60) em que todos estavam se voltando para a doutrina então em moda na Lingüística, o Estruturalismo, ele escrevia contra o grande Ferdinand de Saussure e discordava de seus ensinamentos. Ousava ter pensamento próprio, coisa que, para quem estava acostumado, como a maioria dos nossos intelectuais, a repetir o que se ensinava em centros mais avançados, era um absurdo. Se ele fosse um professor estrangeiro, no mínimo seria ouvido com certa reverência, mas sendo brasileiro, havia quem achasse isto uma excentricidade, para não dizer uma insolência. Imagine, um brasileiro, ousar pensar diferente do que estava em voga nos centros mais avançados. Havia alunos que se recusavam a estudar a matéria que ele ensinava e preferiam se arriscar a serem reprovados. Ele, no entanto, dava lição de humildade, deixava passar os que assim procediam e me dizia que, como a teoria dele ia contra o que era aceito, ele não queria reprovar ninguém por causa disso. Hoje, quando o tempo vem nos mostrando como as teorias mudam, como o que hoje é considerado o supra-sumo da teoria amanhã já está sendo considerado obsoleto, é bom refletir sobre a grandeza de uma pessoa tolerante com os que pensam diferente, que aceita a intolerância dos outros em relação a suas idéias, mas ao mesmo tempo tem a coragem de afirmar o seu modo de pensar, mesmo que vá contra a corrente.

Essa virtude de ser tolerante com os que pensavam de modo diferente ele demonstrou também ao me aceitar como sua auxiliar na Faculdade. Afinal, eu estava vindo da UnB, uma universidade com fama de esquerdista, numa época de grande polarização política. Ele era politicamente contrário ao pensamento de esquerda, até onde eu pude perceber. Além disto, eu tinha acabado de fazer o mestrado em Lingüística e escrito uma dissertação dentro da linha estruturalista. Ele tinha todos os motivos para não me aceitar trabalhando com ele, mas me aceitou, me tratou sempre muito bem, me deixou ensinar o que eu quis, da maneira que eu quis. Deu uma lição de tolerância e generosidade. Quantos de nós seriam capazes disso? Aceitar como colaboradora uma pessoa de uma linha teórica totalmente diferente da sua, e dar a ela liberdade de ensinar sem interferir, não era qualquer um que fazia, naquele tempo em que o catedrático tinha todos os poderes. Mesmo depois, o mais freqüente era as pessoas interferirem quando podiam.

Por tudo isto, acabei dando o meu depoimento sobre o Professor José Lourenço de Oliveira, de quem guardo a melhor recordação, pela sua generosidade e pela sua lição de humildade. Espero que ele, lá do outro lado da vida, me perdoe se alguma vez não estive, porventura, à altura de sua generosidade, e quero agradecer publicamente, a ele, à dona Alaíde, que em mais de um momento decisivo de minha vida foi de grande generosidade para comigo e também a suas filhas Maria e Abigail. Enfim, generosidade é um traço da família e eu dou prova disso.

 

Copyright © 2004 by Alaíde Lisboa de Oliveira.

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