A história que aqui se conta
Robert Curtius no-la aponta
num livro em que configura
de Europa a literatura
e a Idade Média latina.
Que algum incréu se previna
e receba como fato
este caso muito exato.
Não é cousa que se finge.
Os tempos são os merovingios.
E foi que certas pessoas
presentes teciam loas
ao corpo mui virtuoso
de S. Gangolfo, o glorioso
por milagres que fazia.
Encarecendo a valia
iam todos, senão quando
surge uma voz discordando.
Era a de ûa mulherzinha
que no peito acaso tinha
pendores de São Tomé,
defeito grave de fé.
Ou talvez mágoas da vida,
mágoas de desiludida,
estâncias e desesperos
de que brotam os exageros.
Em contrário da toada
mui geral e afinada
de comum exaltação,
discordava na lição
aquela dona enraivada,
tanto quanto desbocada,
Que feramente dizia:
“ Virtudes nele? Valia?
Dos milagres que é capaz
S. Gangolfo, também faz
muito bem meu etcétera!"
0 que em latim se interpreta:
" Iste Gangulfus quem vultis
sic operatur virtutes
quomodo et anus meus!”
(Que blasfêrnia,santo Deus :)
Entanto, mal começara
e ainda nem acabara.
de dizer o que dizia,
quando viu sua ousadia
bem punida por quem manda:
logo logo se desanda
o etcétera da dona,
retroando à valentona,
descompondo ares amenos
com soídos mui obscenos.
Ora acontece que o fato
de tamanho desacato
se dera em data certeira
que era uma sexta-feira.
Para culpa tão danada
rendeu benesse esticada
o castigo da intrigante:
nunca mais dali por diante,
no correr de toda a vida,
nunca mais pôde a enxerida
conversar ás sextas-feiras;
para fauces tão solteiras
era dia aquile dia
de vergonha e de arrelia.
se tentava nem que fosse
palavrinha leve ou doce,
logo vinha acompanhada
de sabida trovoada.
É por isso que hoje ainda
às vezes toma berlinda
quem nos turba a olfação
com essa tal emanação,
perguntando sempre alguém:
“Será que você também
falou mal de S. Gangolfo,
seu Rodolfo? “
De santo não se despreza.
E só quem tem mente lesa
pode fazer cousa dessas
de se meter ás avessas,
exibindo intimidades
e fingidas igualdades,
com quem de lei é o respeito.
Cada cousa tem seu jeito,
cada santo seu altar,
cada homem seu lugar.
Que viva pois S. Gangolfo
e que nos leve a bom golfo
de salvação garantida,
aonde a barca da vida
possa encorar firme e bem,
para todo sempre. Amém,
Belo Horizonte, 15.5.56 Lço. |