José Lourenço de Oliveira, homem
de letras, estudioso nunca satisfeito de si, era um trabalhador
da língua, um operário de idéias, permanentemente
aplicado. Publicou, em vida, quase uma dúzia de livros;
mas muita coisa do que produziu, ficou inédito, em forma
de aulas inaugurais, conferências; discursos, que ele trabalhava
cuidadosamente, revisava, reescrevia em parte, apostilhava.
Está sendo uma delicada e afetuosa tarefa
de sua esposa, D. Alaíde Lisboa de Oliveira, também
ela professora da UFMG, escritora e intelectual respeitável,
a de reunir e publicar esse precioso espólio. Tive a honra
de me ver escolhido para fazer o trabalho de editoração
deste volume, ao qual se seguirão provavelmente outros.
Escolhemos como título da coleção: "Ao
correr do tempo", que parece identificar essa obra póstuma.
Recolhemos textos que foram aparecendo, de fato, ao sabor do tempo,
ocasionados por alguns eventos de que o autor participou: saudações
a personalidades que visitaram Belo Horizonte, em várias
datas; palestras sobre temas importantes no momento (que, de modo
geral, são importantes ainda hoje), centenários,
como no caso de Anchieta...
O texto de J. Lourenço de Oliveira é
sempre denso de informações. A erudição
do autor demonstra-se notável. A língua é,
ordinariamente escorreita, fluente, gostosa, não obstante
uma quedazinha pelo vocábulo raro, aqui e ali, e a repristinação
de frases e palavras, que podem soar estranhas a uma geração
que per deu o jeito e o prazer do falar. Quando se ouvem certos
jovens (e outros menos jovens) tentando comunicar-se, a gente
tem a nítida impressão de um tipo de homem que recua
da palavra para o resmungo, o regougo, a emissão de sons
mal articulados.
J. Lourenço recorda, numa das páginas
do seu livro, "Ensaios: Discursos e Palestras", que,
em algumas tribos indígenas brasileiras, se encontra a
figura interessantíssima do "índio lingüista",
"encarregado" - diz ele -- "de espevitar e não
deixar morrer palavras que ameaçam de esquecer". Um
trabalho que, entre nós, fez um Guimarães Rosa;
entre os espanhóis, um Ortega. Há belezas imperdíveis
no vocabulário de uma língua. De vez em quando,
é preciso surgirem garimpeiros como José Lourenço,
corajosos o bastante para irem faiscar esquecidas expressões
e palavras, que, abandonadas, nos deixariam lingüisticamente
mais pobres.
Além disso, porém, as páginas
deste livro resgatam alguns momentos interessantes da vida cultural,
ou especificamente educacional, de Belo Horizonte, assim como
nos presenteiam com estudos de alto gabarito sobre temas lingüísticos,
que seria pena ficassem esquecidos nos arquivos ou gavetas: "A
Gramática e a Lógica" (uma aula de 1954), "Da
Importância da Gramática" (aula de 1948), "A
Expressão na Linguagem" (aula de 1944). O texto sobre
"Mobilidade do Morfema Fabular" já é mais
complexo e de leitura menos potável.
Julgamos que o leitor vai, em geral, se deliciar
com este livro.
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