1. A vivência
2. O proceder
3. A visão estática
4. Os encontros
5. O programa da vida
6. Os procederes
7. O animal racionável
8. O homem progressivo
9. Etimologia do conhecimento
10. A vivência eficaz
11. Via etimológica
12. Do pragma à teoria
13. Morfologia do ato fabular
14. O animal diacrônico
15. A temporização
16. Hora de prima
17. A intuição
18. A consciência
19. A reflexão
20. A lógica
21. A economia mental
22. O comércio mental
23. A sabedoria antrópica
24. A filosofia
25. A ciência
1. A vivência
1. A vivência
é o fluir da vida mental no espírito, interna to
a cuja porta vem bater, interferente, o estímulo da provocação
exterior, sensoriamente recebida.
Receber essa repercussão da circunstância
é receber alteridade . Mentalizar essa alteridade,
transmudável em idéias, é, como via Ortega,
ensimesmar-se.
Desde a coisa provém, promovendo o proceder
zoológico, um poder alterante que a mente homínica
temporiza em estímulo internado.
Tal poder fenomênico, fisicamente classificável,
ordena-se como um sistema de possíveis, concatenado
em equações de energia que a experiência
confere. Dilui-se, pois, em equações racionais,
quando visto em si, um objeto que toma consistência de coisa
repercussiva presente nos contatos vitais, quando visto em nós,
vivencialmente classificável.
Move-se na sua deveniência
equacional a coisa em si. Confirma-se por juros alteracionais
a coisa em nós. Inserida, como fonte estimular, na equação
indivíduo-e-coisa, interna-se como idéia que
a tradição hominizante capitaliza.
A idéia é uma alteridade fenomênica
sensoriamente internada, vivencialmente tratada, fabularmente
veiculada, inter-individualmente afeiçoada, inter-generacionalmente
confirmada e diacronicamente capitalizada; ela destila, na forma
de tempo, uma espécie de semetipso
de Eu antrópico, uma lenta persistência daquelas
imagens com que a humanidade vai ordenando o cosmo e a vida.
Ao opor o ensimesmamento e a alteração,
Ortega viu bem esse vero ritmo de vivência.
2. A vivência
está sempre tecendo, no seu bastidor de idéias,
com o fio da duração que, no estilo macio e fusivo
de Bergson, é como um passado que avança engolindo
o porvir, crescendo enquanto vai.
Segundo se diz no início da Evolução
Criadora, existir é mudar, e o homem se está
continuamente criando, um jeito de ser que não é
como na geometria, pois nesta uma razão achada fica sendo
a razão, enquanto que a razão homínica, não
passando de uma razão, é capaz de motivar o diverso,
quer na sincronia de duas pessoas, quer na diacronia da mesma
pessoa. Daí não se medir ela no abstrato e de fora,
como na geometria. Daí um homem não resolver por
outrem os problemas de outro homem... aconteça embora,
dizemos nós, ele impor soluções
a outro homem, violando assim a pessoa humana.
2. O proceder
3. Deixando atrás o porto de substância,
vamos navegar ondas de deveniência nos mares
do proceder. Partiremos da coisa-estímulo a proceder para
o indivíduo, e do indivíduo-estimulado a proceder
contra a coisa, enquanto a humanidade constrói hominidade.
Para isso, economiza, em forma temporal, a estrutura
espacial do estímulo e da resposta, configurando
mentados que a expressão fabular manifesta e a diacronia
enriquece.
4. Para tanto, soube amoedar em verbos
a dinâmica do proceder fenomênico, atribuído
via procededores estáticos, figuras mentais a que alude
o nome substantivo.
5. Além de centro fabular da frase, como
veículo semântico do proceder, o verbo é também
o centro fenomenológico do pensar, visto que o proceder
fenomênico, repercutindo no Sujeito, estabelece uma constante
reminiscente na estrutura da representação mental.
Quem recebe às camadas primeiras da diacronia
indeuropéia, revendo o sentido da marcha, na marcha do
poder fabular, descobre sinais de coincidência com certas
feições de falares tribais contemporâneos.
Vê, por exemplo, como na palavra lua que quer
dizer a que brilha - enquanto moon quer dizer
a que mede - vê que o nome do ser costuma
estar motivado na impressão de algum fazer com que procede.
Sendo assim, não admira, no patrimônio
fabular indeuropeu, a viva presença hierárquica
do verbo, cuja raiz, etimologicamente fecunda, além de
veicular o proceder, também se multiplica em vários
nomes de procededores. Da mesma fonte saem vocábulos de
aludir ao aspecto dinâmico e vocábulos de
aludir ao aspecto estático ou desdinamizado.
6. O mais antigo modo de aludir à coisa,
valendo-se de um recurso visu-auditivo, deve ter consistido:
(1) no movimento de a desenhar com um
gesto plástico, e
(2) no esforço vocal de lhe copiar sugestões
sonoras, quer na fonopoiese, que imita o próprio
ser da coisa, quer na fonossemia, que lhe imita um fazer.
É o que ainda hoje se vê na fonopoiese de vocábulos
como tiquetaque, coisa que de si já é um
proceder, ou na fonossemia de vocábulos como cuco,
nome que lembra a ave por um seu proceder.
Para o estímulo de surdas presenças
imotas, é de supor que foi tardia a criação
analógica dos vozeios afonossêmicos.
7. Se é verdade que existem línguas
não dinâmicas, é bom lembrar que variam, na
espacialidade do globo, os graus da hominidade vigente. Milênios
de vivência, na economia mental de um grupo, dão
para afeiçoar a seu jeito a inteligência fenomênica
e a forma da expressão.
No léxico chinês, por exemplo, que
escapa à distribuição nossa por espécies
vocabulares, nada é verbo e tudo é verbo, até
um número, um pronome, um nome próprio.
Quem confronte o estado latino com o estado francês
atual, percebe neste o gosto da visão estática,
sintoma de melhor ductilidade
abstrativa. Onde o romano diria, verbalizando, equus currit,
tende o francês a dizer, nominalizando, la course
du cheval.
8. Na faixa histórica da língua indeuropéia
foi que se desenvolveu a madurez racional do homem aristotélico,
superador da barreira infra-lógica. Parece,
pois, que pela humanidade ocidental, na diacronia de seu progresso,
melhor se desenha a figura da hominidade
antrópica.
3. A visão estática
9. A rotina escolar da filosofia costuma exibir
um vicio so carinho pelo verbo ser, conector da frase
nominal, desdinamizada ou estática, logicamente ajeitável
à expressão de um pensar que se motiva na substância.
A lógica é um poder homínico
basicamente fabular e historicamente afeiçoado ao cabedal
de expressão humana, cuja etimologia a escola violentou,
quando inventou o verbo substantivo e por ele sub-classificou
os outros verbos. O fato evolutivo, revelado à lingüística,
mostra ser outra a via estrutural e semântica da expressão.
10. Examinando a diferença dinâmica
de uma frase verbal como "Caio saiu" para uma desdinamizada
frase nominal como "Caio é bom", notaremos:
a. a frase verbal noticia o proceder saiu de
um procededor Caio, enquanto a frase nominal noticia
um juízo é bom sobre um procededor Caio
;
b. quem noticia um proceder, primeiro havia elaborado
um juízo, fenomenicamente motivado; quem noticia um
juízo, primeiro se motiva na constância de um
proceder; é bom quer dizer pratica atos de
bondade;
c. a conclusão é que tudo é
proceder, seja no imediato proceder de um procededor, seja no
efeito seguinte a um constante proceder.
4. Os encontros
11. Por haver criado o comércio fabular
dos mentados é que o encontro homínico, fecundamente
social, difere do encontro zoológico, naturalmente
gregário. O social imerge no tempo. O gregário
não passa de contigüidade espacial.
Dois animais que se encontram, encontram-se num
fazer, seja no omissivo fazer da mera inter-presença gregária,
seja no produtivo fazer de uma realização vital.
Dois homens que se encontram, encontram-se num fazer e também
num pensar, isto é, seja num fazer que é um fazer,
seja num fazer que é um dizer.
12. O encontro de um fazer, encontro homem e coisa,
é um encontro vital, que rende simbiose e empatia;
o encontro de um pensar e um encontro homem e homem, rende
simpatia e sintonia.
A simbiose, no circuito biológico
da equação indivíduo e coisa, resolve-se
economicamente, com respostas que a hominidade aperfeiçoa.
A empatia, contato de inter-presença, vibra em
ressonâncias gratuitas que, prorrogadas em estesia,
podem florir em arte.
A simpatia, no encontro homem e homem,
é uma consonância de paciência: estando os
dois ante a coisa, Secundo
recebe efeitos dela, traduzidos no proceder de Primo; o real refrange,
através do sócio, no outro sócio. A simpatia
cumpre-se com três presenças: a presença da
coisa-estímulo, a presença do sócio fazendo
e a presença do sócio sentindo.
A sintonia é um contato mental,
mesmo na ausência da coisa, bastando-lhe a presença
de Primo, que fala, e a de Secundo, que ouve. Pertence a um momento
sintomaticamente fabular, um ato de manifestação
mental em que a idéia de Primo suscita a idéia de
Secundo.
13. A fala, noticiando a coisa mentada, dispensa
a coisa fenomênica. Sua hora posterior supõe a coisa
já admitida no espírito, em prévia experiência
social. O ato fabular, mesmo em presença da coisa e nela
motivado, não é por ela estimulado, pois a coisa
requer proceder vital, e é vivencial o
estímulo da fala: nasce de alguma passada experiência,
uma consulta mental que leva Primo a externar uma idéia.
A coisa presente, ensejo do influxo vital, motiva a reminiscência,
de que provém o estímulo fabular.
14. A lingüística, por grave engano,
tem incluído a coisa na definição
do fenômeno fabular, sem ver que a fala é uma sintonia
de sócio e sócio, posterior ao trato vital ou trato
do encontro homem e coisa.
Entrevendo a realidade, Saussure definira o signo
como sendo união de uma idéia e de uma imagem fônica.
Mas definia um signo vocabular e não um signo
fabular. Fechado em seu vocabulismo, ele não soube
clarear o trinômio vocábulo-idéia-coisa.
Apesar de não ser lingüista, Karl Bühler
partiu com melhor promessa, ao partir do circuito saussuriano.
Mas não viu que o ato fabular é só uma fala
entre Primo e Secundo. Em vez de supor o trinômio Primo-signo-Secundo,
fez um tetranômio em que entra a coisa como necessária:
Primo-signo-coisa-Secundo.
5. O programa da vida
15. Hominizar-se é aproveitar juros do encontro
sócio e sócio. É sublimar, por simpatia
e sintonia, a simbiose
e a empatia. É mitigar instintos, converter respostas e
diluir coerções.
Com multimilênios de paciência e estilo,
a humanidade foi conseguindo melhorar a brutalidade da agressão
consumidora, zoologicamente marcada pelo sinal 'in'; a mecanicidade
da regressão preservadora, marcada pelo sinal
'ab'; - a cegueira da congressão procriadora,
marcada pelo sinal 'ad'.
No programa da síntese "ataque-fuga-união"
está o programa natural da vida, que busca a pervivência
do indivíduo ou a sobrevivência da
espécie.
16. Nesse programa de três forças,
tem cada uma sua hora e exercício, conforme ao ritmo das
solicitações estimulares. São três
fontes de etimologia, na etimologia
do homem integral.
O desaforo de certa linha freudista, exagerando
na área homínica uma simplificação
que nem na zoológica se vê, foi ter querido concentrar
no impulso genético do terceiro estímulo a complexa
procedência ternária dos motivos humanos.
Parecido com o de Freud é o desaforo de
Marx contra a humanidade, quando a quis reduzir às dimensões
de estímulo primeiro, vendo coerção natural
onde havia emergências pós-naturais de criação.
Buscando comprimir na pervivência elementar um ser que,
achada a liberdade, foi aprendendo a servilizar a natureza.
Em sua versão prática de hoje, o
marxismo é um desnudamento mongol de alma não mediterraneamente
confirmada. Sua força de apelo sobe, anti-homínica,
nos apelos de uma facilidade passional, em que ressuma a saudade
zoológica. Sua força de prestígio, tomada
à eficácia da técnica ocidental, ferozmente
se implantou pelo Estado, ferozmente regada com a seiva da liberdade
im pedida e com o sangue das guerras havidas.
Por uma eficácia tal, na moderna filosofia
do êxito, o regime deslumbrou algumas inteligências
européias, desinquietando também, por falar em "justiça
social", alguns pensadores cristãos, inclinados a
admitir méritos naturais no marxismo, condenável
por ser materialista.
Entretanto, não é possível
confundir a essência evangélica de ama teu próximo,
viático
social da comunhão fraterna, com a essência de proletários
uni-vos, gregária senha de dissídio. Falam
de justiça, é verdade, mas justiça que se
motiva na desavença, comprometida com impulsos de Caim.
O cristianismo não é uma filosofia
de escravos, como alardeava certo observador temperamental, na
rasteirice naturalista do século XIX. O marxismo, sim,
é uma filosofia de servidão, temperada em acidez
de ressentimentos, em paz de animalidade, na fatal simpatia
da sua infra-hominidade em revolta. Gosta de exaltar o inferior,
canonizando, em vez de Cristo, a Barrabás. A um semeador
de consciência, como Sócrates, prefere um reivindicador
de posse, como Espártaco. Menoscaba a superação
criadora da liberdade, amando o impulso elementar: explorando
a técnica de condicionamento mental, impõe suas
receitas demagógicas, boas para esvaziar conteúdos
e tocar a alma da gente, por um modo que, reduzindo a "indivíduo"
quem podia ser "pessoa", prepara a servidão coletiva
de animais racionais, nos parques zoológicos de Estado
socialista.
6. Os procederes
17. O encontro é o ensejo comum dos procederes,
no proceder estimulante da coisa e no proceder-resposta do estimulado.
O proceder da coisa é um proceder fenomênico,
sensoriamente captável, enquanto o real repercute nos centros
vitais do paciente.
O proceder de resposta é um proceder
vital: o estimulado reage à circunstância provocadora.
Vamos chamá-lo também de proceder zoológico,
omitindo o da planta, como ser vivo.
Para além do proceder vital fica o proceder
vivencial, especificamente humano ou proceder homínico.
Se o proceder vital consiste num fazer, o
proceder vivencial consiste num pensar. Alimenta-se da
repercussão fenomênica, obtida no encontro vital,
internada no espírito juntamente com a notícia fabular
obtida do sócio. Com isso realiza o estimulado a elaboração
vivencial reminiscente. No pensar, que é um fazer mental,
está um ensejo de reformulações com que Primo,
voltando a coisa, lhe impõe modos de proceder. Essa a razão
de não ser puro ou zoológico o proceder vital do
homem, um proceder vito-vivencial, desenvolvido, entre iterações
da vida, pela sucessão dos momentos vitais e dos momentos
vivenciais.
(A hominidade
antrópica)
18. Admitindo que a fala exprime o homem e
não a coisa, a pesquisa lingüística é
levada a supor, com as origens do poder fabular, a origem mesma
da qualidade antrópica.
No sentido espacial ou sincrônico, essa hominidade
é um nível de presença no indivíduo;
mas é um grau de tal presença, na escala
progressiva do sentido temporal ou diacrônico, a partir
da razão, como germe que prospera.
19. Eis alguns tipos que graduar, na rampa da ascensão
homínica: o homem que olha ou homo intuens e o
homem que faz ou homo faciens; o homem que fala ou homo
loquens; o homem que cogita ou homo cógitans e
o homem que sabe ou homo sapiens.
A pesquisa vê notícia do homo
faciens ou homo faber em sílices de há 500
milênios. Vê sintomas do homo loquens, social
e religioso, no rito funerário de há 100 milênios.
Distinguir entre cógitans e sapiens
é vincar
uma gradação entre a elementaridade primeira, infra-aristotélica,
e a suficiência racional, mediterrânea, do homem aristotélico.
Afora a minúcia, fundem-se na qualidade homínica
os atributos loquens, cógitans e sapiens,
visto que ser homem é ser fabular, cogitante e sabedor.
7. O animal racionável
20. Do homem pode afirmar-se que não é
animal racional mas racionável, sendo ainda não
um homem sapiente mas um homem capaz de saber.
Animal que já sabe, é o bruto irracional,
portador que traz consigo, na cartilha genética, o abc
da pervivência cíclica. O homem, todavia, passou
a ter de aprender, desde que trocou a cartilha da natureza por
uma cartilha de criação.
21. Modalizando antigas equações
naturais em procederes estilizados. vencendo o limite zoológico,
a humanidade foi criando a hominidade
em que cresce. No velho pavimento vital. foi construindo um sobrado
hominicamente vivencial. com a riqueza de dois procederes:
a. o que responde ao estímulo da circunstância,
basicamente zoológico ou naturalmente sensível
;
b. o que elabora, na mente. a repercussão
fenomênica, pós-naturalmente intelectivo e
diacronicamente progressivo.
8. O homem progressivo
22. Apesar de o filósofo moderno admitir
a evolução. a filosofia continua motivada nas leis
físicas de Kepler e Galileu. alheia ao corolário
fundamental da diacronia homínica, iniciada. com
o segundo sistema estimular
de Pavlov, acervada na economia fabular.
Desenvolvendo, pela fala, a continuidade mental,
a humanidade criou o tempo e a hominidade.
O espaço é um dado físico
e a zoogonia é uma geração natural;
mas a hominidade
é um desenvolvimento pós-natural, dentro
da diacronia ou marcha do tempo, que é criação
homínica. Isso leva-nos à fundamental conclusão
de que o espaço é do Objeto, mas o tempo é
do Sujeito.
23. A presença do recurso fabular, na história
do homem, insinua, na cadeia etimológica da espécie,
uma idéia de mutação: o primata evolutivo
até que chega ao patamar antrópico, aí
se muda em homem progressivo, obra pós-natural
de uma criação que constrói a consciência
da vida. Recondicionando a coerção biológica,
mitigada em sua antiga necessidade modal, a hominida de endereçou
promessas de outra morfia, não prevista nos canhenhos da
evolução natural.
24. Os sentidos, operando no proceder vital, carreiam
mas não conhecem. Captando, fenomenicamente, nos contatos,
a repercussão alterante, eles fecham um circuito de equação
cuja resposta se vai ver na economia zoológica. Mas um
dia a vida homínica se pôs a reter tais respostas
no centro vivencial do espírito, aprendendo assim a contemporizar
o fenomênico, reduzido a mnemiatos pós-contactuais
que a inteligência transfaz em conhecimento. Mnemiato =
matéria-prima da idéia; é feita de repercussões
fenomênicas.
25. Do contato sensório indivíduo
e coisa nasce a figura, não de um conhecimento, mas de
uma equação que pede resposta - na resposta
vital da sabedoria zoológica ou na resposta modalizadamente
vital da sabedoria homínica.
9. Etimologia do conhecimento
26. O conhecimento nasceu no encontro homem e homem:
um portador imposto pela natureza, como outro portador de idéias.
Entre os dois funcionou, veículo da idéia, a notícia
fabular, que tem na tradição inter-individual o
penhor trans-individual de seu persistir.
Por não poder comerciar idéias, fechado
no intransitivo, o rei dos animais é incapaz de progredir
em leonidade. Não sabe trocar opiniões
nem dizer à leoa que vai caçar, para o almoço,
uma gazela. O muito que faz, docente, é iniciar o filhote
no beabá da vida, através de procederes lúdicos
imitados. Estilizando o viver, o homem interveio na economia da
vida e progrediu, criando. Mas o leão, incapaz de adaptar
o mundo, longe de progredir, submete-se todo à evolução,
que a economia da natureza lhe vai impondo.
27. A rigor, o conhecimento é uma elaboração
individual de perceptos, frutificados no encontro homem e coisa.
Entretanto, como tudo depende do comércio mental
e da cooperação tradicional, fica visto
que é obra do encontro homem e homem.
Digamos que o conhecimento nasce na vivência,
cresce na convivência e progride na iteração
cotidiana, quando leva o sócio, para a seguinte experiência,
alguma novidade conseguida.
28. O bruto vive também suas horas pós-contactuais
de mentalização. Mas, por não ter comércio
fabular, mora no intransitivo, incapaz de teorizar e fazer progredir
a existência. Isento à sintonia inter-individual,
fecha a "vivência" no segredo da simbiose,
apesar dos aflúvios vitais da simpatia
zoológica. Seu coviver não chega ao conviver,
nem seu gregário
chega à sociedade.
10. A vivência
eficaz
29. Assim foi sendo somado, ao natural do encontro
zoológico, o pós-natural do encontro homínico,
diacronicamente hominizante: sobre a longa paciência do
iterativo, a eficaz agência da invenção contingente,
trans-individualmente semeada na aculturação inter-individual.
30. O padrão do encontro sócio e
sócio é o encontro didático, referto
de presenças e ensejos:
tríplice presença: da coisa, do sócio
docente, do sócio discente;
triplo ensejo: de simbiose, de simpatia, de sintonia.
Na simbiose
(circuito indivíduo e coisa), cada sócio recebe,
como Sujeito, a repercussão fenomênica do Objeto,
estimulador de procederes.
Na simpatia
(que afina de emoções), influi aquela subtileza
que o sócio sente, ao sentir o proceder do outro
sócio.
Na sintonia
(oferta de quem fala a quem ouve), Secundo
recebe, de Primo, a notícia da coisa e a teoria da vida.
A simpatia
corre entre os dois sócios ante a coisa, na hora de um
fazer. A sintonia, entre dois sócios ante a idéia,
na hora de um pensar.
31. Milênios afora, nas remodelagens da resposta,
vital, operou a fecundidade dos intervalos vivenciais, pós-contactualmente
reflexivos, trazendo consigo, numa diacronia sem ponteiros, o
horário de a inteligência transmudar a resposta zoológica
em resposta homínica, diluindo a impulsividade vital em
opções vivenciais temporizadas.
32. Se falamos em intervalo é para vincar
a pureza teórica do proceder vivencial, com sua duração
reminiscente, no alhures-outrora do posterior ao vital.
A vivência
não é um intervalo, mas uma continuidade, ricamente
abstrativa
e subtil, temporizante e frutuosa, nutriente e criadora. Dê-lhe
o corpo repercussões fenomênicas introferendas, dê-lhe
o sócio a notícia inicial, e então ela afeiçoará
mentados cognoscíveis, fabularmente veiculáveis,
mudando em mnemiatos
de possibilidade a urgência estímulo-resposta do
proceder vital.
33. Com o serviço da veiculagem fabular,
a inteligência trocou a coisa pela idéia da coisa.
nos lucros da análise vivencial, inter-individualmente
cooperativa. Junto ao sistema zoológico de reagir ante
a coisa, passou a existir o sistema não-zoológico
de reagir à idéia da coisa, veiculada no
signo fabular.
34. Ficou aberto, com tal sistema, em tráfego,
não-zoológico, o tráfico das idéias
noticiáveis. Multiplicando-se a provocação
estimular, predestinou-se a atividade mental. Quem se traduzia
em fazeres, pode traduzir-se em pensares. E o estímulo
do real, sem desertar do signo fenomênico, veio existir
também no signo fabular. Além da presença
fenomênica da água, também a alusão
fabular água foi capaz de lembrar uma sede.
35. Por ser de signos desaderidos e portáteis,
o regime fabular facilitou aos dois sócios, com a liberação
do espacial, a não-servilidade aqui-agora, pela imersão
no alhures-outrora, onde se capitaliza, em diacronia, a contingente
sincronia vital.
36. Insistamos numa conclusão que pode espantar
a filósofos:
(a) o contato sensório, que é mera
equação vital, não é um conhecimento;
(b) o conhecimento é uma operação
intelectiva pós-sensória, filtrada na vivência,
fazedeira de tempo, conversora inespacial
do espacial fenomênico.
11. Via etimológica
37. Na coisa começou algum dia o conhecimento,
entre foscos crepúsculos de uma primeira espacialidade
zoológica. Então o homínida, superando o
grau vital, foi acumulando experiência: do estímulo
sensoriamente internado e mentalmente afeiçoado foi nascendo
a idéia, inter-individualmente conferível,
no transitivo comércio da veiculagem fabular.
38. No segredo etimológico da fonte está,
como em sinônimos, a origem comum do poder fabular, do poder
cognoscente e do poder antrópico do homem (sua hominidade).
A origem da linguagem, sendo questão lingüística,
é questão que a lingüística prefere
passar à filosofia, procedendo com modéstia de ciência
nova, ansiosa de ser havida por ciência objetiva, pedestremente
naturalista e oitocentista.
Entretanto, é questão que pode ser
armada, com base em boas premissas:
a. a ciência da linguagem não tem
um objeto natural mas pós-natural. Não
é uma pesquisa do zoológico, mas uma história
do homínico. Não entra na espacialidade horizontal
do sensível, mas na diacronia vertical do inteligível.
Não é ciência do Objeto, mas do Sujeito;
b. o animal etimológico de Ortega é,
antes de tudo, um ser analógico, um animal didático,
muito igual a si mesmo, na sua vária aparência. Deixa
ver, no dia seguinte, o que já era no dia anterior;
c. a diacronia indeuropéia revela uma ponderável
semelhança, de antigos aspectos seus, com atuais aspectos
de línguas infra-aristotélicas. Isso permite definir
em retrocesso, a direção dos fatos, no progresso
da economia fabular. Cota de um tribal de agora é a mesma
que era outrora no indeuropeu.
39. Motivados. pois, na constância da analogia
homínica - no sentido histórico da diacronia - na
atual persistência de hominidades retardadas - vamos supor
o que era, num quadro inicial, a estrutura de um ato de fala
ou ato fabular:
a. postos ante a coisa-estímulo imaginemos
dois sócios estimulados, como dois pacientes análogos
(fruto de experiência anterior), sob análoga pressão
fenomênica.
b. passando entre os dois, com intenção
inter-individual, e um vozeio
emitido por sintonia mental, uma idéia já
existente em cada um;
c. absorvendo esse vozeio
(por ainda ser fraca a importância do audível) a
eficácia visível das presenças
teatrais e dos moveres corporais tanto no gesto díctico
que aponta, como no gesto plástico que imita.
40. Assim teria começado a fala, veículo
da idéia de Primo e estímulo da idéia de
Secundo.
Na longa vagareza aqui-agora, é de supor
a longa vagareza da conquista, estipulada na sincronia de um duplo
proceder: (a) o proceder vital de quem faz, ante a coisa,
e (b) o proceder fabular de quem pensa, sobre a coisa.
Esse proceder, cheio assim do espacial, já
era um ato temporal da fala. E dos atos da fala
foram nascendo os fatos da língua.
12. Do Pragma à
teoria
41. A fala primeira, ainda sub-homínica,
deve ter sido muito visual e pragmática, mais de um fazer
que de um pensar. Anterior à costumeira conveniência
entre um sujeito e um predicado, era uma fala infra-fabular. Cerceada
entre adjacências do aqui-agora, especializava-se nas
presenças. Sobredominada pelo atual do estímulo
fenomênico, era uma fala veicularmente curta, semanticamente
adjetiva, como flébil fala de leve energia, longe do futuro
vigor com que o homem se iria eximir à servilidade zoológica.
42. Entretanto, com o passar dos milênios,
o hic-nunc-ismo da fala
pragmática iria cedendo à liberação
temporal da fala teórica, uma fala suficientemente autônoma,
não mais cosida às dobras de um proceder vital.
Uma fala capaz de ausências, no alhures-outrora, promessa
e força de mentados, na diacronia do florescer.
43. Formulando vivências que o tempo capitaliza
em hominidade, a fala
teórica ajudou a modalizar a posse, mais ou menos reflexa,
em teoria reflexiva. É consciência do
proceder.
44. Melhorando o teor da sintonia, por conversão
do vital, o poder fabular foi sendo cada vez mais um pensar, de
motivo exclusivamente mental. Vencendo o cativeiro sincrônico
da fala pragmática, instalou-se na autonomia vivencial:
falando é que Primo pensa, quer na fala soliloquial
da elaboração, quer na fala coloquial da manifestação.
45. Há dois tipos de fala e função:
A) a fala coloquial;
B) a fala
soliloquial de Primo consigo mesmo.
a. A fala infra-fabular, de função
mais vocativa e expansiva, anterior à conveniência
entre um sujeito e um predicado da fase antiga, na cota
infra-homínica recente, cheia de espontaneidade zoológica,
na primeira rarez do Sujeito. Fala que, elementar e monossintágmica,
arrimava seu contexto auditivo no visível do contexto
teatral, feito de presenças espaciais e gestos mímicos.
Em sincronia com o todo de um fazer, manifestava essa fala, no
seu povo parco veículo de vozeios, a intenção
vocativa de um chamado ("Lúcio!") a determinação
volitiva de uma receita ("depressa") ou a transfusão
expansiva de um sentir ("que pena! ").
Na economia de sua função não-teórica,
bastava-lhe a sua estrutura infra-fabular, isto é, menor
que a conveniência NV, de um sujeito e um predicado, um
proceder e um procededor. Mas já era fabular no seu todo
de "frase'", e definidamente homínica no fato
de inserir o instante temporal de um mentado, na estrutora espacial
de um fazer, já inserida, no agora vital da dieta
zoológica, o outrora vivencial de uma dieta
antrópica, mediante certo vozeio reminiscente, inter-individualmente
intencionado, munido de dupla eficácia: manifestar
a idéia de Primo e suscitar a idéia de Secundo;
b. A fala per-fabular amadurada, fala
de cota
homínica mais alta, capaz de imergir nas durações
do outrora, quando Primo noticia a Secundo, mesmo na ausência
do fazer, a notícia do evento e a teoria da vida. Fala
que floriu no outrora, isenta à coerção pragmática
dos agoras, à pressão espacial dos fazeres. Nessa
paz de um falar motivado em si mesmo, a fala foi replenando sua
estrutura auditiva, ductilizando o poder veicular dos vozeios.
Centrada no sintagma verbal, que noticia um proceder, completou-se
com sintagmas nominais capazes de noticiar tanto o procededor
como a situação do proceder, visto no espaço,
no tempo, ou num modo relacional. O molde por excelência
dessa fala per-fabular ou fala
teórica estabilizou a frase igual a uma oração,
veículo da conveniência entre um predicado e um sujeito;
c. A fala nasceu da convivência entre dois
sócios, nutrida pela sintonia
mental que o signo fabular permitiu. Na intenção
inter-individual do vozeio, ela tomou seu motivo etimológico.
Entretanto, na economia da hominidade
progressiva, mais importante que tais falas inter-individuais
se foi tornando a fala intra-individual. Mais importante
que a fala coloquial, ficou a fala soliloquial. Por ela se tem
hominizado a humanidade, na permanente fala interna do pensar,
no exercício mental de uma elaboração vivencialmente
cogitada, tanto na espontânea continuidade do pensar sibi-dirigido
como na policiada reflexão do pensar dirigido.
A hominidade
é um cabedal que no tempo se capitaliza. Consta de juros
vivenciais de que se apossa cada indivíduo humano, zoologicamente
espacial, mas antropicamente temporal. Tal é a dieta, no
estrato diacrônico da hominidade, que cada indivíduo
conserva, sob os efeitos da camada nova, certas persistências
de antigas fases: vê-se por exemplo, na desigualdade entre
os homens, que a fase infra-fabular, própria de um limite
arcaico, não se destrói com o progresso da madurez
fabular, mesmo numa sociedade eficazmente aristotelizada. Variam,
no mesmo espaço grupal, as altitudes homínicas,
por ser alta hominidade, não um estado geral, mas uma conquista
particular obtinenda: são possíveis de coexistir,
lado a lado, o inferior e o superior. Daí, na língua
do grupo, a tradição de estruturas infra-fabulares
junto a estruturas per-fabulares, principalmente no serviço
da fala volitiva e na expansão da fala emotiva, junto à
madurez intelectiva da fala teórica.
Na sintonia
inter-individual do colóquio, mas sobretudo na atividade
infra-individual do solilóquio, a fala temporiza, no endocosmo
do espírito, a espacialidade do cosmo.
13. Morfologia do ato
fabular
46. A fala, passando entre boca e ouvido, é
um proceder auditivo. Mas era maior, na hominidade
primeira, o ofício visual, espaceado nas adjacências
do proceder. Vem daí a importância dos contextos,
num ato de fala: (a) o contexto teatral das presenças
visíveis, interlocutores e coisas; (b) o contexto mímico,
também visível, dos movimentos gesticulares; (c)
o contexto fabular, audível, dos vozeios veiculares;
(d) o contexto pessoal de quem fala, matiz veicular da
vivência
de cada um.
47. Para bem mentalizar a figura do fenômeno
linguagem, cumpre sentir e ver (a) que o ato fabular
é um ato de ator, um proceder teatral; (b) que
a hominidade, crescendo por sedimentação de camadas,
revela a etimologia
nos cortes geológicos ou diacrônicos da pesquisa.
48. Basta examinar os valores patrimoniais da língua
para se ver que seus vocábulos, surgindo, devem ter surgido
em função da espacialidade teatral e mímica
da área díctica, e em função da temporalidade
nocional da área propriamente semântica.
49. Ductilizando a função nocional
e instrumental, a fala
teórica aumentou de poder semântico, reduzindo
a disponibilidades adminiculares o que antes era gesto componente
e presença impositiva.
50. Entretanto. grande conquista para a hominidade,
foi quando a humanidade transformou a fala oral em fala escrita,
condicionando o audível no visível.
Embora comum entre lingüistas, é tecnicamente
falsa a divisão linguagem escrita e linguagem
oral. Linguagem é a faculdade, o poder fabular. A
língua é o patrimônio comum, tanto no serviço
da fala coloquial, entre presentes. como no visual da
fala escrita, entre ausentes.
A fala escrita e uma visualização
para o ausente, depurada nos seus elementos:
a. dirigida a um Secundo
não presente, não tem contexto teatral;
b. escrita, e não proferida, não
tem contexto mímico;
c. não proferida na hora da emissão,
não tem atualidade prolatória, ficando seu contexto
fabular reduzido a vozeio
potencial que, na hora de ler, se atualiza.
51. Com a fala teórica, ficou instalada
a franquia do comércio mental, a garantia sobre-zoológica
da superação, a persistência tradicional da
hominidade, a melhoria experimental do poder ordenador chamado
"lógica", ministra serviçal do conhecer.
Assim o homem, animal dialógico em busca
da lógica, pôde tornar-se um bom economista dos encontros
inter-individuais.
14. O animal diacrônico
52. Achava Platão que os olhos emitem a
imagem da coisa, no ato de ver. Portanto, se via um touro, dos
olhos dele saía o touro - enorme, em pé, no prado.
Hoje em dia, pensando ao contrário, admitimos
que o touro, em vez de sair, entra pelos olhos. Entra ele, o seu
pastor, o prado, o monte, o céu. Cabe tudo lá dentro,
da reminiscência do espírito, no seu prado inespacial
de duração, lugar onde a vivência trabalha
idéias do homem.
53. Pelo saber, como conquista tradicional, cada
geração, remontando de nível, permite melhor
começo à idade seguinte. Entre mais promessas e
legados, a diligência pessoal talvez aumenta, com juros
imprevistos.
54. Crescendo na diacronia e destilando o convívio,
a hominidade requer sociedade. Não há hominidade
sem sócio. Nem hominidade
sem tempo. Não um tempo começável, mas um
tempo já começado, na diacronia dos milênios.
Cada indivíduo que nasce, já encontra, para si,
um património.
Não existe mais hominidade
recente, embora exista hominidade retardada: o homem que o europeu
chamara de selvagem ou primitivo, já era um velho
ser homínico, fruto de um tempo largo em quantidade, embora
estreito em qualidade.
55. Emitindo repercussões vitais, a presença
fenomênica da coisa nutre os efeitos temporalmente vivenciais
da presença mental. Na simbiose
com o fenomênico, vem o estímulo da coisa a Secundo
vital; na sintonia
com o sócio noticiador, o estímulo da idéia
em Secundo
fabular.
Visto que o encontro sócio e sócio
rende também simpatia, temos a tríplice
confluência do efeito hominizante: a simbiose
da coisa, a simpatia
do fazer de Primo e a sintonia
do dizer de Primo. Assim cresce, em hominidade, o animal diacrônico,
na medida em que temporiza, no espírito, o que acontece
na espacialidade circunstante.
15. A temporização
55. O entender é uma construção
vivencial. Da não-coisa chamada espaço, esquema
e lugar do existir, sai a presença da coisa nele contida,
sensoriamente internável, vivencialmente configurável
em imagens, na continuidade inespacial
da duração, esquema do existir mental. Aí
se representa o ser, mesmo na ausência da coisa.
Depois, na iterativa sucessão, cresce o
entender: conseguinte aos estímulos do contato atual, vem
a temporização do pensar, pós-contactualmente
mentado.
Na hora externa do proceder vital, com seu estímulo-convite,
a resposta primeira é um reflexo. Na hora interna e vivencial
da reflexão temporizante, recondiciona-se a resposta.
56. Pelo efeito movencial do proceder fenomênico,
a sensibilidade-espaço gerou a reminiscência-tempo,
tecendo o estofo em que se recorta e cresce a hominidade.
Do espaço zoológico, natural,
foi nascendo o tempo, efeito pós-natural.
Na hominidade
infra-aristotélica, o tempo é um agora adjacente,
aoristicamente impreciso, confusamente embebido na franja do antes
e na incúria do depois.
Na hominidade
aristotélica, porém, o tempo é capaz de ser
um agora largamente histórico, variamente semeado
nos teores do aspecto fenomênico, urdido como um passado
que se estende, e aberto como um futuro que se projeta.
57. Embora valorizasse o tempo, Bergson não
o depurou bastante do mecanismo espaço-tempo, envolvido
ainda no prestígio do espaço. Ante as duas sensibilidades,
faltou-lhe situar cada um no seu campo, mostrando que o espaço
é do Objeto, mas que o tempo é do Sujeito.
58. Cumpre ver o homem como expressão espacial
em busca de tradução temporal, a fim
de lhe poder explicar, na diacronia, a fabularidade, a hominidade
e a sociedade. No centro da espacialidade acrônica do
cosmo, está a qualidade crônica do antropo,
capaz de se conferir a si mesmo, na duração reminiscente,
capaz de se conferir com o outro, na redução analógica,
dentro de uma socialidade
que se implanta, vertical, na contigüidade horizontal do
espaço gregário.
59. O encontro sócio e sócio é
um encontro de Sujeito e Sujeito, com dispositivo recíproco
para um trânsito vivencial de dois sentidos.
Difere dele o encontro homem e coisa, encontro
de Sujeito e Objeto, heterogeneidade do vivencial e do vital.
Quando rende o que rende, é por o homem levar consigo o
poder diacrônico da idéia, fonte da visão
com que o Sujeito trata o Objeto.
16. Hora de prima
60. Quem se visse reduzido, ainda infante, ao encontro
homem e coisa, além de se ver entregue a uma antiga nudez
zoológica, também se veria atirado a uma inépcia
infeliz, tanto por não receber ministração
de hominidade, como por haver perdido a sabedoria zoológica
primeira.
Seja exemplo de tal verossímil o caso do
casal de Midnapore, que se fizera lupino, apesar da origem antrópica.
Um menino (18 meses) e uma menina (8 anos) perdidos no mato e
acamaradados com uma loba lactante, eis o que faziam: uivavam,
corriam nas quatro patas, mordiam, arreganhavam os dentes, emitiam
sons guturais, não sorriam. Recolhidos, morreram pouco
tempo depois, não aceitando o trato hominizante.
Outro caso de inépcia, bem diverso aliás,
foi o que passou com homens adultos, caídos de avião
na floresta amazônica. Narrou-se, no diário de um
deles, como foram morrendo.
Mesmo que se descontem peculiaridades psíquicas
de ocasião, é estranho de ver como a força
do condicionamento homínico lhes inibira o impulso de viver,
na sub-camada zoológica, ficando inábeis para existir,
apesar das fartas ofertas naturais da circunstância vital.
17. A intuição
61. A intuição é, de si, um
poder zoológico infra-homínico. É primordial
na arrecadação do modalizável, mas o que
vale dela, vem depois, na elaboração mental do intuído.
O homem que olha é um homem que está
buscando no que vê, a sua coincidência com idéias
que tem, vindas nas práticas da experiência.
O homem não olha para ver mas para verificar.
As idéias pertencem, no geral, a um patrimônio
diacrônico, sendo a humanidade, e não cada um de
nós, quem estabelece idéias. Tem-nas o
indivíduo, mas quem lhes dá consistência e
persistência, é a tradição cooperativa.
62. Entre a idéia e a coisa. ficam as distâncias
que o nível mental admite e varia. Uma idéia, por
ser a ou b, não esgota a paciência
modular do real, capaz de assumir diversa imagem na diversa experiência.
18. A consciência
63. A consciência, luz do possível,
é um registro mental do fenomênico.
Sendo possessiva, colhe sensoriamente
o proceder circunstante, internado no centro biológico.
Sendo intelectiva, dilui a figura do proceder em mnemiatos
que ordena.
A consciência possessiva é de grau
vital. A intelectiva, sendo de grau vivencial, pode melhorar em
cada um, mediante a reflexão elaborada de mentados.
A consciência possessiva, natural no homem
zoológico, vale como suporte da estrutura antrópica,
centro da consciência intelectiva.
Chamando de posse à possessiva,
que é elementar no seu alcance, daremos boa inteligibilidade
a expressões como posse da coisa e consciência
da coisa.
Todo homem, por exemplo, tem posse da língua.
Mesmo na limitada posse de um ignorante. Consciência
da língua, porém, só alcança,
meditando nela, quem lhe pesquisa o poder veicular na estrutura
e morfia.
64. O limite da consciência que progride,
costuma estar na plenitude social vigente, cota
comum dos afeiçoados peculiares. A esse progresso particular,
de sentido menor, opõe-se a grande ascensão coletiva
da espécie, no vagaroso crescer do eu antrópico
ou geral.
Nem sempre é fácil distinguir, no
patrimônio da consciência, entre feições
recebidas da tradição e posteriores feições,
de propriedade pessoal. O grande portador é o eu antrópico
da espécie, transindividual e diacrônico, no suceder
das gerações. Ele capta, na hora madura, entre as
ondas do espírito, as oferecidas imagens.
65. A distância posse x consciência
representa a distância entre o nível zoológico
e o nível antrópico. No nível zoológico,
o reflexo estimular
se traduz em procederes vitais, morficamente iterativos, sem a
modalização vivencial, que a economia homínica
elabora.
O saber zoológico, em vez de se internar
em consciência, diz Bergson, externa-se em procederes exatos.
E cita o exemplo do "sitário' à página
158 da Evolução Criadora: esse coleóptero
bota o ovo na entrada subterrânea da abelha antófora.
Daí a larva, aderindo ao macho, alteia-se com ele
ao vôo nupcial, a fim de passar à fêmea e com
ela descer ao ninho. e depois ao ovo que, devorado, lhe fornece,
na casca, uma canoa de flutuar no mel e dele se nutrir, como ninfa,
até se fazer inseto...
O caso revela um engenho natural impressionantemente
complexo, de proceder não aprendido. Assim a posse
vital, numa hora sem eu, dispara equacionados procederes.
66. Diverge dela a solução vivencial:
tira-se à coisa o estímulo do fazer, reduze-o a
mnemiatos
elaboráveis, internados nas reservas do eu. Diluem-se coerções
e fórmulas, em equações temporizadas de respostas.
Assim foi capitalizada, entre ensaios e erros, a lazeira feliz
do saber aprendido.
Modesta no início, instrumental e chancista,
a consciência foi ficando reflexiva e inteligente, capaz
de comandar, milionária, os serviços da mão,
do cérebro e da fala: a mão que faz, o cérebro
que cria e a fala que manifesta.
67. A vida homínica faz-se posse e consciência:
a posse tradicional dos fazeres noticiados, tratados no exercício
do entender, cria a consciência do saber.
19. A reflexão
68. A reflexão é um efeito de espelho
que repete, espacial, a imagem recebida. No espelho temporal
da memória também se repete, mediante proceder
reminiscente, a reflexão da idéia que nos vem, com
repercussão no fenomênico.
Todo conhecimento é reflexivo, quer na primária
vivência, menos hominizada, quer na meditada vivência
de um homem bem ensimesmado.
O exercício reflexivo tem sido historicamente
incerto e geograficamente desigual, mas por ele é que a
hominidade
progride, entre o conhecimento elementar e o conhecimento metódico,
na marcha que vai do infra-científico ao científico.
Para exaltar o científico, não se
diga ser reflexo o conhecimento vulgar. Reflexo é
o proceder zoológico, um proceder de quem não conhece,
mas sabe responder a um estímulo vital.
O conhecimento cria-se vivencialmente, por reflexão,
no pavimento homínico, recinto sobre-zoológico e
pós-natural, povoado de idéias manifestáveis.
Aí se afeiçoa ele fabularmente, e fabularmente se
divulga, no comércio mental com que se enriquece, da hominidade,
a humanidade. Na diferença entre posse e consciência
é que pode entrar a distância entre conhecimento
vulgar e conhecimento científico. Um, posse empírica
mais ou menos global da notícia tradicional. O outro, posse
intelectiva, metodica mente ordenada, transfeita em consciência
da notícia.
20. A lógica
69. A lógica é um poder de ordenar
que a inteligência meneia, trabalhando com os diáfanos
da idéia, tomados à repercussão fenomênica.
70. Trabalha no conhecer, para o Sujeito cognoscente,
sobre o Objeto cognoscível, em três áreas
de cognoscibilidade:
a. a área natural do mundo do não-eu
ou mundo fenomênico, feito de matéria física
e fisiológica:: mineral, vegetal, animal;
b. a área pós-natural do
homem antrópico, ser cognoscente que se opõe, como
Sujeito, ao Objeto cognoscendo;
c. a area sobrenatural do trans-sensível,
assunto maior da metafísica.
71. Na corografia do pós-natural
é que se desenvolve a figura da hominidade
antrópica, na lenta superação do zoológico,
na progressiva racionalidade mental, na ductilidade
vivencial com que vai enriquecendo os procederes vitais.
72. Se é mundo de não-eu o mundo
cognoscível, resta saber se pode ser objeto o
Sujeito cognoscente.
A resposta diz que sim. em tratamento como de espelho,
através de anamnese e analogia. Como objeto mental cognoscendo,
todo homem é uma ilha que se ordena a si mesma, na intimidade
vivencial da própria alma: nosce te ipsum. Como
sócio do sócio, todo homem é consonâncias
simpáticas, proceder vital e declarações
sintônicas do proceder fabular. E frúctibus
arbor.
Todo homem que começa, começa como
Secundo, ante as lições de Primo, até se
fazer Secundo
Primo, ordenador do real. Não começa como primeira
pessoa, eu, mas como segunda pessoa, tu.
Cada Sujeito, vendo-se nos outros, descobre analogias.
Vendo-se em si, coordena-se por anamnese rememorando seus condensados
internos.
Na intimidade vivencial do que não mostra,
seu eu é inviolável para outrem. Tem janelas
para ver fora, mas não as tem para ser visto dentro. Somente
pode ser observado quando se externa, fazendo ou falando.
Aí o outro o supõe e interpreta, mediante
a analogia
simpática do que faz e a analogia
sintônica do que diz.
Além de ser inviolável, o eu
é subtil aos próprios olhos do Sujeito, principalmente
se este, sem hábitos de si-mesmice, continuamente se envolve
na lúdica atração da alteridade
fenomênica. A anamnese cognoscente é uma ascese.
Tudo que se condensa no eu, vem no tempo
hominizador e vem através do outro, seja um outro fenômeno,
seja um outro analógico. Ego ab áltero et alter
a diachrónia.
21. A economia mental
73. Eis o que faz a inteligência, como poder mental:
a. dissocia equações fenomênicas,
reduzindo fatores estimulares e mnemiatos, transfazendo-os em
juros da experiência;
b. aos instrumentos orgânicos da naturalidade
vital soma instrumentos inorgânicos que cria, por invenção
vivencial;
c. troca os procederes necessariamente vitais,
do patrimônio zoológico, por seus progredientes procederes
optáveis, vito-vivencialmente homínicos.
74. A inteligência ama a tarefa de reduzir
o mesmo ao mesmo. É uma tarefa de glória e perigo,
sob o risco de ficar muito adicta à quantiação,
exatamente satisfeita com aquelas repetições em
que descobre ipsidade.
75. Segundo a metafísica tradicional, diz
Bergson, de geração da inteligência não
se fala, ne parlez pas de 1'engendrer (Evolution
Créatrice, p. 210 ). Entretanto, continuamos nós,
a inteligência é um poder em marcha, entre os contatos
vitais com a coisa e os contatos vivenciais do convívio:
a partir da repercussão fenomênica - espacial - e
a notícia temporal da repercussão.
Não fora a capitalização tradicional,
e a vida ficaria reduzida, anti-hominicamente, a procederes zoológicos,
a fatos biológicos do corpo, sensório, locomotor
e nervoso. Nessa tríplice base física do Espírito,
a hominidade
instalou o fato psíquico, vivencialmente acervado pelo
Sujeito. após haver superado a barreira zoológica.
76. A inteligência, diz Bergson que se banha
no espaço, por não ter visto que ela se
banha é no tempo.
O que se banha no espaço e o corpo, no exercício
dos procederes vitais, a que segue, no tempo, o exercício
da inteligência, funcionária de um quadro pós-contactual,
que mora na duração, entre idéias
assentadas e idéias suscitadas. Antigas iterações
e recentes analogias.
77. A economia mental encadeia-se na tríplice
economia do proceder vital, do proceder fabular e do proceder
vivencial:
a. na economia do proceder vital, os sentidos
captam repercussões da coisa;
b, na economia do proceder fabular, o
espírito recebe a notícia da coisa;
c. na posterior economia do proceder vivencial,
a inteligência elabora idéias, com que volta ao real,
no venturo proceder.
Fica subentendido que é individual e
diacrônìco o momento c, da vivência,
mas que são sociais e sincrônicos os momentos
a e b, fatores do encontro didático.
O encontro fenomênico do momento a
diariamente se repete como encontro individual ou não social.
Mas costuma não passar de iteração ou volta
ao real, o que lhe dá sentido e admissibilidade subjetiva.
Um encontro novo, para Secundo
vital, será motivo de espanto e alarme zoológico,
visto lhe faltar, na experiência anterior, a solução
vivencial da resposta. Dependerá de sua iniciativa, zoológica
ou analógica, a emergente reação com que
proceda.
Secundo Primo, como síntese de quem ouve
e quem fala, é o Sujeito ordenador do real. Só se
chega a Primo depois de ter sido Secundo: o Secundo vital
do encontro homem e coisa, paciente do fenômeno, e
o Secundo
social do encontro homem e homem, que recebe de Primo a notícia
da idéia, sobretudo na sintonia
do ouvir, mas também na simpatia
do ver fazer.
78. Sentir a coisa no plano zoológico é
receber o estímulo de um proceder vital configurado numa
resposta que o proceder vivencial estiliza, no plano da superação.
O animal sente e responde, mas o homem sente, mentaliza e
responde... a não ser que proceda zoologicamente.
22. O comércio
mental
79. O animal não pode ir além do
ser que "sabe" e "não conhece"; mas
o homem trocou o saber zoológico por um saber aprendido,
desde o tempo em que Primo foi capaz de significar, no
veículo da fala, a representação de uma idéia.
Estava aberto o comércio dos mentados.
80. E a humanidade foi ordenando o conhecimento
metódico, ao estudar, na física o proceder da matéria,
e na fisiológica, o proceder da vida. Essa ordenação
espacial, contudo, não alcança, no
tempo, o proceder inespacial
do Espírito, cuja epifania, histórica, requer a
psicologia histórica de seus condicionados diacrônicos.
81. O idealista diz que a inteligência
não atinge o extra- mental, afirmação
aceitável mas se ancorada em outras águas, na diferença
"vital x vivencial":
a. a extra-mental vem na equação
indivíduo e coisa do proceder, cujo circuito é feito
de coisa-estímulo e homem-sensível, captador de
aflúvios fenomênicos, em momento que, geneticamente
zoológico, não é intelectivo.
b. a inteligência, vinda na duração,
é pós-contactual. Não está
no aqui-agora da coisa mas no alhures-outrora do proceder
vivencial, quando a idéia-estímulo acorda
a representação mental do Sujeito estimulado. Aí,
numa hora reminiscente, é que a inteligência trabalha,
posta consigo mesma, no seu recinto intra- mental, onde
filtra reais que elabora, elaborando mnemiatos
que a experiência sensível fornecera.
Lembrar o extra-mental, ato reminiscente, não
é tanger nem atingir, mas lembrar.
82. O mundo externo, agente, repercute sensório
no Sujeito. Este, vivencializando imagens internadas, volta agente
a repercutir no mundo externo, paciente. Redispondo mentados,
reformulando equações, renovando respostas a velhos
estímulos, a inteligência regiminiza o obediente
real.
Dessa inversão de papéis foi que
nasceu o progresso da adaptação oicológica,
no plano homínico de, ajustando-se ao mundo, ajustar a
si o mundo.
Vivendo um vital vito-vivencialmente capitalizado,
a inteligência reconfigurou o mundo por imagens fiéis
e imagens análogas: as imagens fiéis do real como
real sentido, e as imagens análogas do real como real inventado.
23. A sabedoria antrópica
83. Dizem os realistas que o idealista pensa, mas
não conhece, pois não pode chegar ao Objeto quem
parte, não do conhecer, mas do pensar.
A antinomia pode ser diluída pela equivalência
entre pensar e conhecer, no seguinte encadeado fenomenológico;
a. enquanto os sentidos, captando, apreendem, a
inteligência, compreendendo, conhece;
b. o conhecimento homínico, inter-individualmente construído,
é reflexivo e diacrônico, diverso do zoológico
saber, meramente reflexo;
c. o saber reflexivo elabora-se na vivência
do pensar.
Pensar é o mesmo que ordenar a experiência
e criar o conhecimento, ajustando representações
mentais da repercussão fenomênica, sensoriamente
internada.
O sensório apreende, e a inteligência
conhece.
84. A humanidade, sublimando a sabedoria dos sentidos,
acumulou a sabedoria do conhecimento, embora seja ele de não
certa constância, no seu fraco teor persuasivo, tolerando
que o homem, vendo o melhor, ainda siga o pior, convencido de
seus pendores animais.
85. O saber antrópico é uma conquista
progressiva, cujos níveis de subida se remarcam na história
da diacronia homínica. Ao se medir um conhecer, deve-se
imergir o cognoscente no clima de sua existência e hominidade,
entre hábitos de seu proceder vito-vivencial e habituações
que lhe influi a circunstância, tanto vital como social.
Com a dieta
de um cita não se obtém um Platão, nem se
chega a Bergson com uma receita de cafre. Aristóteles não
é um produto natural, mas lento fruto de uma jardinagem
seletiva.
86. Não se resolve a questão do conhecimento
imaginando situações irreais, como faz certo abstratismo
corrente, supondo o homem intelectivamente puro ante coisa fenomenicamente
pura. Quem chega à idade de ordenar o mundo já está,
quando chega, socialmente condicionado, portador de um noticiário
comum a seu grupo, ao nível da hominidade
vigente. Chegada a sua vez, pode ser que descubra e refunda e
renove, se tem olhos de revisor. O costumeiro, porém, é
cada um se dar à tradição, nem mesmo desconfiando
de contribuições de mudança que o tempo soma
e a diacronia revela.
Há sempre, aliás, no patrimônio
recipiendo, cabedal bastante para escolhas e tempo seguinte para
variações, por efeito e graça dos intervalos
vivenciais.
87. A primeira operação coisa x idéia,
nos contatos vitais de Secundo
discente, é a que lhe vem na informação noticiária
de Primo docente. Depois, na contingência do tempo, cheio
de analogias, a vida irá correndo entre o pólo da
coisa e o pólo da idéia, todavia sem monopólio
de sentido, tanto podendo ir da idéia à coisa como
da coisa à idéia.
24. A filosofia
88. A filosofia, ordenando motivações
do proceder humano, coordena-as com motivações de
conhecer homínico, obtido em boas noções
do proceder fenomênico.
As vezes, tomando exemplo na dimensibilidade quantiada,
o cientista sonha incluí-la na explicação
do proceder homínico, humanamente qualitativo, e assim
refundir o código da tradição moral. Entretanto,
no homínico, há sempre alguma coisa que não
cede, mostrando-se refratária a provetas e fórmulas
de ensaio.
89. Apesar de haver conseguido medir o biológico
necessário e o zoológico elementar, a ciência
não tem conseguido, na ordenação do homínico,
eficácia metódica. Afeita ao canonismo fenomênico.
engana-se ao procurar absorver na inclusão natural
a qualidade pós-natural da hominidade.
Tendo qualificado o homem zoológico, base
física do Espírito, ainda não entendeu o
homem antrópico, ser progressivo. E peleja por incluir
na espacialidade animal a subtileza temporal
de uma flor diacrônica.
Achando que a História não é
"ciência", a metódica vai tomar presunções
no antropóide, eliminando a superação, qual
se pouco importasse, desde a iteração vital de um
símio, o que fizeram centimilênios de vivência.
Para explicar Platão ou Bergson, acha bastante combinar,
com certa espécie de psicologia zoológica, um pouco
de certa gregariologia elementar chamada sociologia.
90. Bergson pediu que a filosofia, no caso homínico,
deixando o modo científico, se pusesse a receber, ascendendo,
na rampa da inteligência. Embora seja outro o seu plano,
é boa a sua motivação quando diz, na página
31 da Evolução Criadora, que a ciência
costuma, ao fixar o iterativo, primeiro o isentar à duração
e ao irreversível histórico.
O necessário é codificar melhor as
ciências do homem, visto ele como Sujeito cognoscente, historicamente
envolvido na aventura do mundo. Cumpre olhá-lo melhor,
na sua qualidade pós-natural de ser temporizado,
crescido nos afazeres práticos do seu existir
e no fazer estético de seu comover-se, entre
impulsos morais de seu ethos e motivações
vivenciais de sua ética.
91. Pela simbiose
da estesia, empaticamente filiável à inocência
primeira, o Sujeito procura fundir-se no objeto, como centro de
encontro e fruição. Pelo seu ato intelectivo de
Sujeito, feito centro do encontro, ele avulta contra o Objeto
que rege, após o recriar no Espírito, usina de repercussões
fenomênicas.
Através desse ordenar intelectivo costuma
ter, como viático do gosto dilectivo, os três amores
da sabedoria: o amor intelectual da verdade, o amor estético
da beleza e o amor ético do bem. Amor veri, amor pulchri,
amor boni.
92. Eis as linhas principais da filosofia:
a. a fruição da gratuidade do real
e o fazer estético
b. a fruição da utilidade do real
e o fazer prático
c. a fruição da utilidade social
e a motivação ética
d. o conhecer das fruições e a noética
do advital e do advivencial.
e. a inquietude do trans-sensível, na causa
primeira, e a metafísica.
25. A ciência
93. Gostaria de encontrar filósofo que discriminasse
o conhecimento em termos de Ciência do Objeto
e Ciência do Sujeito, estudando o proceder do mundo
no espaço e o proceder an trópico do homem no tempo.
94. Para tanto, veria no Sujeito cognoscente um
ser histórico, instituído no insimultâneo,
como na sucessão de um filme. Um progressivo ser diacrônico,
imerso na espacialidade sincrônica.
95. Graduaria metodicamente as distinções
que visse:
a. na massa molecular do minério, onde corre
a energia química da matéria;
b. na estrutura celular do animado, onde corre
a energia fisiológica da vida;
c. na lembrança fisiológica da vida,
onde corre a energia diacrônica
da consciência.
96. Como ciência da matéria, a Ciência
do Objeto é espacial e natural; como
ciência do Espírito, a Ciência do Sujeito é
temporal e histórica.
97. A Ciência do Objeto estudaria
a. o proceder estrutural da matéria,
traduzível em equações naturais,
quer na intimidade criptomênica de seu existir, quer na
atividade emergente que tem a coisa, estimulada por outra coisa;
b. o proceder elementar da vida, com suas
equações de economia biológica;
c. o proceder evolutivo do animal, quando
busca realizar, em equações com a circunstância,
as equações do proceder biológico.
98. A Ciência do Sujeito estudaria
- o proceder homínico, historicamente progressivo
e pós-naturalmente criador. Um proceder que,
mentalizando o fenomênico, estilizou as respostas
vitais, que, adaptando a si o mundo, por economia vivencial,
permite que o Sujeito volte à coisa e a servilize, aperfeiçoando-se
em liberdade.
Através de tal proceder, a humanidade capitalizou
hominidade, influindo na base biológica da vida e superando
a fronteira zoológica do patrimônio vital.
BH, 22 de agosto de 1963.
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