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Lingüística e Filosofia da Linguagem
Livro Espírito Mediterrâneo - Estudos
Vida: 1963

TEORIA DO CONHECIMENTO

 

1. A vivência
2. O proceder
3. A visão estática
4. Os encontros
5. O programa da vida
6. Os procederes
7. O animal racionável
8. O homem progressivo
9. Etimologia do conhecimento
10. A vivência eficaz
11. Via etimológica
12. Do pragma à teoria
13. Morfologia do ato fabular
14. O animal diacrônico
15. A temporização
16. Hora de prima
17. A intuição
18. A consciência
19. A reflexão
20. A lógica
21. A economia mental
22. O comércio mental
23. A sabedoria antrópica
24. A filosofia
25. A ciência

 


1. A vivência

1. A vivência é o fluir da vida mental no espírito, interna to a cuja porta vem bater, interferente, o estímulo da provocação exterior, sensoriamente recebida.

Receber essa repercussão da circunstância é receber alteridade . Mentalizar essa alteridade, transmudável em idéias, é, como via Ortega, ensimesmar-se.

Desde a coisa provém, promovendo o proceder zoológico, um poder alterante que a mente homínica temporiza em estímulo internado.

Tal poder fenomênico, fisicamente classificável, ordena-se como um sistema de possíveis, concatenado em equações de energia que a experiência confere. Dilui-se, pois, em equações racionais, quando visto em si, um objeto que toma consistência de coisa repercussiva presente nos contatos vitais, quando visto em nós, vivencialmente classificável.

Move-se na sua deveniência equacional a coisa em si. Confirma-se por juros alteracionais a coisa em nós. Inserida, como fonte estimular, na equação indivíduo-e-coisa, interna-se como idéia que a tradição hominizante capitaliza.

A idéia é uma alteridade fenomênica sensoriamente internada, vivencialmente tratada, fabularmente veiculada, inter-individualmente afeiçoada, inter-generacionalmente confirmada e diacronicamente capitalizada; ela destila, na forma de tempo, uma espécie de semetipso de Eu antrópico, uma lenta persistência daquelas imagens com que a humanidade vai ordenando o cosmo e a vida.

Ao opor o ensimesmamento e a alteração, Ortega viu bem esse vero ritmo de vivência.

2. A vivência está sempre tecendo, no seu bastidor de idéias, com o fio da duração que, no estilo macio e fusivo de Bergson, é como um passado que avança engolindo o porvir, crescendo enquanto vai.

Segundo se diz no início da Evolução Criadora, existir é mudar, e o homem se está continuamente criando, um jeito de ser que não é como na geometria, pois nesta uma razão achada fica sendo a razão, enquanto que a razão homínica, não passando de uma razão, é capaz de motivar o diverso, quer na sincronia de duas pessoas, quer na diacronia da mesma pessoa. Daí não se medir ela no abstrato e de fora, como na geometria. Daí um homem não resolver por outrem os problemas de outro homem... aconteça embora, dizemos nós, ele impor soluções a outro homem, violando assim a pessoa humana.

2. O proceder

3. Deixando atrás o porto de substância, vamos navegar ondas de deveniência nos mares do proceder. Partiremos da coisa-estímulo a proceder para o indivíduo, e do indivíduo-estimulado a proceder contra a coisa, enquanto a humanidade constrói hominidade. Para isso, economiza, em forma temporal, a estrutura espacial do estímulo e da resposta, configurando mentados que a expressão fabular manifesta e a diacronia enriquece.

4. Para tanto, soube amoedar em verbos a dinâmica do proceder fenomênico, atribuído via procededores estáticos, figuras mentais a que alude o nome substantivo.

5. Além de centro fabular da frase, como veículo semântico do proceder, o verbo é também o centro fenomenológico do pensar, visto que o proceder fenomênico, repercutindo no Sujeito, estabelece uma constante reminiscente na estrutura da representação mental.

Quem recebe às camadas primeiras da diacronia indeuropéia, revendo o sentido da marcha, na marcha do poder fabular, descobre sinais de coincidência com certas feições de falares tribais contemporâneos. Vê, por exemplo, como na palavra lua que quer dizer a que brilha - enquanto moon quer dizer a que mede - vê que o nome do ser costuma estar motivado na impressão de algum fazer com que procede.

Sendo assim, não admira, no patrimônio fabular indeuropeu, a viva presença hierárquica do verbo, cuja raiz, etimologicamente fecunda, além de veicular o proceder, também se multiplica em vários nomes de procededores. Da mesma fonte saem vocábulos de aludir ao aspecto dinâmico e vocábulos de aludir ao aspecto estático ou desdinamizado.

6. O mais antigo modo de aludir à coisa, valendo-se de um recurso visu-auditivo, deve ter consistido:

(1) no movimento de a desenhar com um gesto plástico, e

(2) no esforço vocal de lhe copiar sugestões sonoras, quer na fonopoiese, que imita o próprio ser da coisa, quer na fonossemia, que lhe imita um fazer. É o que ainda hoje se vê na fonopoiese de vocábulos como tiquetaque, coisa que de si já é um proceder, ou na fonossemia de vocábulos como cuco, nome que lembra a ave por um seu proceder.

Para o estímulo de surdas presenças imotas, é de supor que foi tardia a criação analógica dos vozeios afonossêmicos.

7. Se é verdade que existem línguas não dinâmicas, é bom lembrar que variam, na espacialidade do globo, os graus da hominidade vigente. Milênios de vivência, na economia mental de um grupo, dão para afeiçoar a seu jeito a inteligência fenomênica e a forma da expressão.

No léxico chinês, por exemplo, que escapa à distribuição nossa por espécies vocabulares, nada é verbo e tudo é verbo, até um número, um pronome, um nome próprio.

Quem confronte o estado latino com o estado francês atual, percebe neste o gosto da visão estática, sintoma de melhor ductilidade abstrativa. Onde o romano diria, verbalizando, equus currit, tende o francês a dizer, nominalizando, la course du cheval.

8. Na faixa histórica da língua indeuropéia foi que se desenvolveu a madurez racional do homem aristotélico, superador da barreira infra-lógica. Parece, pois, que pela humanidade ocidental, na diacronia de seu progresso, melhor se desenha a figura da hominidade antrópica.

 

3. A visão estática

9. A rotina escolar da filosofia costuma exibir um vicio so carinho pelo verbo ser, conector da frase nominal, desdinamizada ou estática, logicamente ajeitável à expressão de um pensar que se motiva na substância.

A lógica é um poder homínico basicamente fabular e historicamente afeiçoado ao cabedal de expressão humana, cuja etimologia a escola violentou, quando inventou o verbo substantivo e por ele sub-classificou os outros verbos. O fato evolutivo, revelado à lingüística, mostra ser outra a via estrutural e semântica da expressão.

10. Examinando a diferença dinâmica de uma frase verbal como "Caio saiu" para uma desdinamizada frase nominal como "Caio é bom", notaremos:

a. a frase verbal noticia o proceder saiu de um procededor Caio, enquanto a frase nominal noticia um juízo é bom sobre um procededor Caio ;

b. quem noticia um proceder, primeiro havia elaborado um juízo, fenomenicamente motivado; quem noticia um juízo, primeiro se motiva na constância de um proceder; é bom quer dizer pratica atos de bondade;

c. a conclusão é que tudo é proceder, seja no imediato proceder de um procededor, seja no efeito seguinte a um constante proceder.

 

4. Os encontros

11. Por haver criado o comércio fabular dos mentados é que o encontro homínico, fecundamente social, difere do encontro zoológico, naturalmente gregário. O social imerge no tempo. O gregário não passa de contigüidade espacial.

Dois animais que se encontram, encontram-se num fazer, seja no omissivo fazer da mera inter-presença gregária, seja no produtivo fazer de uma realização vital. Dois homens que se encontram, encontram-se num fazer e também num pensar, isto é, seja num fazer que é um fazer, seja num fazer que é um dizer.

12. O encontro de um fazer, encontro homem e coisa, é um encontro vital, que rende simbiose e empatia; o encontro de um pensar e um encontro homem e homem, rende simpatia e sintonia.

A simbiose, no circuito biológico da equação indivíduo e coisa, resolve-se economicamente, com respostas que a hominidade aperfeiçoa. A empatia, contato de inter-presença, vibra em ressonâncias gratuitas que, prorrogadas em estesia, podem florir em arte.

A simpatia, no encontro homem e homem, é uma consonância de paciência: estando os dois ante a coisa, Secundo recebe efeitos dela, traduzidos no proceder de Primo; o real refrange, através do sócio, no outro sócio. A simpatia cumpre-se com três presenças: a presença da coisa-estímulo, a presença do sócio fazendo e a presença do sócio sentindo.

A sintonia é um contato mental, mesmo na ausência da coisa, bastando-lhe a presença de Primo, que fala, e a de Secundo, que ouve. Pertence a um momento sintomaticamente fabular, um ato de manifestação mental em que a idéia de Primo suscita a idéia de Secundo.

13. A fala, noticiando a coisa mentada, dispensa a coisa fenomênica. Sua hora posterior supõe a coisa já admitida no espírito, em prévia experiência social. O ato fabular, mesmo em presença da coisa e nela motivado, não é por ela estimulado, pois a coisa requer proceder vital, e é vivencial o estímulo da fala: nasce de alguma passada experiência, uma consulta mental que leva Primo a externar uma idéia. A coisa presente, ensejo do influxo vital, motiva a reminiscência, de que provém o estímulo fabular.

14. A lingüística, por grave engano, tem incluído a coisa na definição do fenômeno fabular, sem ver que a fala é uma sintonia de sócio e sócio, posterior ao trato vital ou trato do encontro homem e coisa.

Entrevendo a realidade, Saussure definira o signo como sendo união de uma idéia e de uma imagem fônica. Mas definia um signo vocabular e não um signo fabular. Fechado em seu vocabulismo, ele não soube clarear o trinômio vocábulo-idéia-coisa.

Apesar de não ser lingüista, Karl Bühler partiu com melhor promessa, ao partir do circuito saussuriano. Mas não viu que o ato fabular é só uma fala entre Primo e Secundo. Em vez de supor o trinômio Primo-signo-Secundo, fez um tetranômio em que entra a coisa como necessária: Primo-signo-coisa-Secundo.

 

5. O programa da vida

15. Hominizar-se é aproveitar juros do encontro sócio e sócio. É sublimar, por simpatia e sintonia, a simbiose e a empatia. É mitigar instintos, converter respostas e diluir coerções.

Com multimilênios de paciência e estilo, a humanidade foi conseguindo melhorar a brutalidade da agressão consumidora, zoologicamente marcada pelo sinal 'in'; a mecanicidade da regressão preservadora, marcada pelo sinal 'ab'; - a cegueira da congressão procriadora, marcada pelo sinal 'ad'.

No programa da síntese "ataque-fuga-união" está o programa natural da vida, que busca a pervivência do indivíduo ou a sobrevivência da espécie.

16. Nesse programa de três forças, tem cada uma sua hora e exercício, conforme ao ritmo das solicitações estimulares. São três fontes de etimologia, na etimologia do homem integral.

O desaforo de certa linha freudista, exagerando na área homínica uma simplificação que nem na zoológica se vê, foi ter querido concentrar no impulso genético do terceiro estímulo a complexa procedência ternária dos motivos humanos.

Parecido com o de Freud é o desaforo de Marx contra a humanidade, quando a quis reduzir às dimensões de estímulo primeiro, vendo coerção natural onde havia emergências pós-naturais de criação. Buscando comprimir na pervivência elementar um ser que, achada a liberdade, foi aprendendo a servilizar a natureza.

Em sua versão prática de hoje, o marxismo é um desnudamento mongol de alma não mediterraneamente confirmada. Sua força de apelo sobe, anti-homínica, nos apelos de uma facilidade passional, em que ressuma a saudade zoológica. Sua força de prestígio, tomada à eficácia da técnica ocidental, ferozmente se implantou pelo Estado, ferozmente regada com a seiva da liberdade im pedida e com o sangue das guerras havidas.

Por uma eficácia tal, na moderna filosofia do êxito, o regime deslumbrou algumas inteligências européias, desinquietando também, por falar em "justiça social", alguns pensadores cristãos, inclinados a admitir méritos naturais no marxismo, condenável por ser materialista.

Entretanto, não é possível confundir a essência evangélica de ama teu próximo, viático social da comunhão fraterna, com a essência de proletários uni-vos, gregária senha de dissídio. Falam de justiça, é verdade, mas justiça que se motiva na desavença, comprometida com impulsos de Caim.

O cristianismo não é uma filosofia de escravos, como alardeava certo observador temperamental, na rasteirice naturalista do século XIX. O marxismo, sim, é uma filosofia de servidão, temperada em acidez de ressentimentos, em paz de animalidade, na fatal simpatia da sua infra-hominidade em revolta. Gosta de exaltar o inferior, canonizando, em vez de Cristo, a Barrabás. A um semeador de consciência, como Sócrates, prefere um reivindicador de posse, como Espártaco. Menoscaba a superação criadora da liberdade, amando o impulso elementar: explorando a técnica de condicionamento mental, impõe suas receitas demagógicas, boas para esvaziar conteúdos e tocar a alma da gente, por um modo que, reduzindo a "indivíduo" quem podia ser "pessoa", prepara a servidão coletiva de animais racionais, nos parques zoológicos de Estado socialista.

 

6. Os procederes

17. O encontro é o ensejo comum dos procederes, no proceder estimulante da coisa e no proceder-resposta do estimulado.

O proceder da coisa é um proceder fenomênico, sensoriamente captável, enquanto o real repercute nos centros vitais do paciente.

O proceder de resposta é um proceder vital: o estimulado reage à circunstância provocadora. Vamos chamá-lo também de proceder zoológico, omitindo o da planta, como ser vivo.

Para além do proceder vital fica o proceder vivencial, especificamente humano ou proceder homínico.

Se o proceder vital consiste num fazer, o proceder vivencial consiste num pensar. Alimenta-se da repercussão fenomênica, obtida no encontro vital, internada no espírito juntamente com a notícia fabular obtida do sócio. Com isso realiza o estimulado a elaboração vivencial reminiscente. No pensar, que é um fazer mental, está um ensejo de reformulações com que Primo, voltando a coisa, lhe impõe modos de proceder. Essa a razão de não ser puro ou zoológico o proceder vital do homem, um proceder vito-vivencial, desenvolvido, entre iterações da vida, pela sucessão dos momentos vitais e dos momentos vivenciais.

 

(A hominidade antrópica)

18. Admitindo que a fala exprime o homem e não a coisa, a pesquisa lingüística é levada a supor, com as origens do poder fabular, a origem mesma da qualidade antrópica.

No sentido espacial ou sincrônico, essa hominidade é um nível de presença no indivíduo; mas é um grau de tal presença, na escala progressiva do sentido temporal ou diacrônico, a partir da razão, como germe que prospera.

19. Eis alguns tipos que graduar, na rampa da ascensão homínica: o homem que olha ou homo intuens e o homem que faz ou homo faciens; o homem que fala ou homo loquens; o homem que cogita ou homo cógitans e o homem que sabe ou homo sapiens.

A pesquisa vê notícia do homo faciens ou homo faber em sílices de há 500 milênios. Vê sintomas do homo loquens, social e religioso, no rito funerário de há 100 milênios.

Distinguir entre cógitans e sapiens é vincar uma gradação entre a elementaridade primeira, infra-aristotélica, e a suficiência racional, mediterrânea, do homem aristotélico. Afora a minúcia, fundem-se na qualidade homínica os atributos loquens, cógitans e sapiens, visto que ser homem é ser fabular, cogitante e sabedor.

 

7. O animal racionável

20. Do homem pode afirmar-se que não é animal racional mas racionável, sendo ainda não um homem sapiente mas um homem capaz de saber.

Animal que já sabe, é o bruto irracional, portador que traz consigo, na cartilha genética, o abc da pervivência cíclica. O homem, todavia, passou a ter de aprender, desde que trocou a cartilha da natureza por uma cartilha de criação.

21. Modalizando antigas equações naturais em procederes estilizados. vencendo o limite zoológico, a humanidade foi criando a hominidade em que cresce. No velho pavimento vital. foi construindo um sobrado hominicamente vivencial. com a riqueza de dois procederes:

a. o que responde ao estímulo da circunstância, basicamente zoológico ou naturalmente sensível ;

b. o que elabora, na mente. a repercussão fenomênica, pós-naturalmente intelectivo e diacronicamente progressivo.

 

8. O homem progressivo

22. Apesar de o filósofo moderno admitir a evolução. a filosofia continua motivada nas leis físicas de Kepler e Galileu. alheia ao corolário fundamental da diacronia homínica, iniciada. com o segundo sistema estimular de Pavlov, acervada na economia fabular.

Desenvolvendo, pela fala, a continuidade mental, a humanidade criou o tempo e a hominidade.

O espaço é um dado físico e a zoogonia é uma geração natural; mas a hominidade é um desenvolvimento pós-natural, dentro da diacronia ou marcha do tempo, que é criação homínica. Isso leva-nos à fundamental conclusão de que o espaço é do Objeto, mas o tempo é do Sujeito.

23. A presença do recurso fabular, na história do homem, insinua, na cadeia etimológica da espécie, uma idéia de mutação: o primata evolutivo até que chega ao patamar antrópico, aí se muda em homem progressivo, obra pós-natural de uma criação que constrói a consciência da vida. Recondicionando a coerção biológica, mitigada em sua antiga necessidade modal, a hominida de endereçou promessas de outra morfia, não prevista nos canhenhos da evolução natural.

24. Os sentidos, operando no proceder vital, carreiam mas não conhecem. Captando, fenomenicamente, nos contatos, a repercussão alterante, eles fecham um circuito de equação cuja resposta se vai ver na economia zoológica. Mas um dia a vida homínica se pôs a reter tais respostas no centro vivencial do espírito, aprendendo assim a contemporizar o fenomênico, reduzido a mnemiatos pós-contactuais que a inteligência transfaz em conhecimento. Mnemiato = matéria-prima da idéia; é feita de repercussões fenomênicas.

25. Do contato sensório indivíduo e coisa nasce a figura, não de um conhecimento, mas de uma equação que pede resposta - na resposta vital da sabedoria zoológica ou na resposta modalizadamente vital da sabedoria homínica.

 

9. Etimologia do conhecimento

26. O conhecimento nasceu no encontro homem e homem: um portador imposto pela natureza, como outro portador de idéias. Entre os dois funcionou, veículo da idéia, a notícia fabular, que tem na tradição inter-individual o penhor trans-individual de seu persistir.

Por não poder comerciar idéias, fechado no intransitivo, o rei dos animais é incapaz de progredir em leonidade. Não sabe trocar opiniões nem dizer à leoa que vai caçar, para o almoço, uma gazela. O muito que faz, docente, é iniciar o filhote no beabá da vida, através de procederes lúdicos imitados. Estilizando o viver, o homem interveio na economia da vida e progrediu, criando. Mas o leão, incapaz de adaptar o mundo, longe de progredir, submete-se todo à evolução, que a economia da natureza lhe vai impondo.

27. A rigor, o conhecimento é uma elaboração individual de perceptos, frutificados no encontro homem e coisa. Entretanto, como tudo depende do comércio mental e da cooperação tradicional, fica visto que é obra do encontro homem e homem.

Digamos que o conhecimento nasce na vivência, cresce na convivência e progride na iteração cotidiana, quando leva o sócio, para a seguinte experiência, alguma novidade conseguida.

28. O bruto vive também suas horas pós-contactuais de mentalização. Mas, por não ter comércio fabular, mora no intransitivo, incapaz de teorizar e fazer progredir a existência. Isento à sintonia inter-individual, fecha a "vivência" no segredo da simbiose, apesar dos aflúvios vitais da simpatia zoológica. Seu coviver não chega ao conviver, nem seu gregário chega à sociedade.

 

10. A vivência eficaz

29. Assim foi sendo somado, ao natural do encontro zoológico, o pós-natural do encontro homínico, diacronicamente hominizante: sobre a longa paciência do iterativo, a eficaz agência da invenção contingente, trans-individualmente semeada na aculturação inter-individual.

30. O padrão do encontro sócio e sócio é o encontro didático, referto de presenças e ensejos:

tríplice presença: da coisa, do sócio docente, do sócio discente;

triplo ensejo: de simbiose, de simpatia, de sintonia.

Na simbiose (circuito indivíduo e coisa), cada sócio recebe, como Sujeito, a repercussão fenomênica do Objeto, estimulador de procederes.
Na simpatia (que afina de emoções), influi aquela subtileza que o sócio sente, ao sentir o proceder do outro sócio.
Na sintonia (oferta de quem fala a quem ouve), Secundo recebe, de Primo, a notícia da coisa e a teoria da vida.
A simpatia corre entre os dois sócios ante a coisa, na hora de um fazer. A sintonia, entre dois sócios ante a idéia, na hora de um pensar.

31. Milênios afora, nas remodelagens da resposta, vital, operou a fecundidade dos intervalos vivenciais, pós-contactualmente reflexivos, trazendo consigo, numa diacronia sem ponteiros, o horário de a inteligência transmudar a resposta zoológica em resposta homínica, diluindo a impulsividade vital em opções vivenciais temporizadas.

32. Se falamos em intervalo é para vincar a pureza teórica do proceder vivencial, com sua duração reminiscente, no alhures-outrora do posterior ao vital.

A vivência não é um intervalo, mas uma continuidade, ricamente abstrativa e subtil, temporizante e frutuosa, nutriente e criadora. Dê-lhe o corpo repercussões fenomênicas introferendas, dê-lhe o sócio a notícia inicial, e então ela afeiçoará mentados cognoscíveis, fabularmente veiculáveis, mudando em mnemiatos de possibilidade a urgência estímulo-resposta do proceder vital.

33. Com o serviço da veiculagem fabular, a inteligência trocou a coisa pela idéia da coisa. nos lucros da análise vivencial, inter-individualmente cooperativa. Junto ao sistema zoológico de reagir ante a coisa, passou a existir o sistema não-zoológico de reagir à idéia da coisa, veiculada no signo fabular.

34. Ficou aberto, com tal sistema, em tráfego, não-zoológico, o tráfico das idéias noticiáveis. Multiplicando-se a provocação estimular, predestinou-se a atividade mental. Quem se traduzia em fazeres, pode traduzir-se em pensares. E o estímulo do real, sem desertar do signo fenomênico, veio existir também no signo fabular. Além da presença fenomênica da água, também a alusão fabular água foi capaz de lembrar uma sede.

35. Por ser de signos desaderidos e portáteis, o regime fabular facilitou aos dois sócios, com a liberação do espacial, a não-servilidade aqui-agora, pela imersão no alhures-outrora, onde se capitaliza, em diacronia, a contingente sincronia vital.

36. Insistamos numa conclusão que pode espantar a filósofos:

(a) o contato sensório, que é mera equação vital, não é um conhecimento;

(b) o conhecimento é uma operação intelectiva pós-sensória, filtrada na vivência, fazedeira de tempo, conversora inespacial do espacial fenomênico.

 

11. Via etimológica

37. Na coisa começou algum dia o conhecimento, entre foscos crepúsculos de uma primeira espacialidade zoológica. Então o homínida, superando o grau vital, foi acumulando experiência: do estímulo sensoriamente internado e mentalmente afeiçoado foi nascendo a idéia, inter-individualmente conferível, no transitivo comércio da veiculagem fabular.

38. No segredo etimológico da fonte está, como em sinônimos, a origem comum do poder fabular, do poder cognoscente e do poder antrópico do homem (sua hominidade).

A origem da linguagem, sendo questão lingüística, é questão que a lingüística prefere passar à filosofia, procedendo com modéstia de ciência nova, ansiosa de ser havida por ciência objetiva, pedestremente naturalista e oitocentista.

Entretanto, é questão que pode ser armada, com base em boas premissas:

a. a ciência da linguagem não tem um objeto natural mas pós-natural. Não é uma pesquisa do zoológico, mas uma história do homínico. Não entra na espacialidade horizontal do sensível, mas na diacronia vertical do inteligível. Não é ciência do Objeto, mas do Sujeito;

b. o animal etimológico de Ortega é, antes de tudo, um ser analógico, um animal didático, muito igual a si mesmo, na sua vária aparência. Deixa ver, no dia seguinte, o que já era no dia anterior;

c. a diacronia indeuropéia revela uma ponderável semelhança, de antigos aspectos seus, com atuais aspectos de línguas infra-aristotélicas. Isso permite definir em retrocesso, a direção dos fatos, no progresso da economia fabular. Cota de um tribal de agora é a mesma que era outrora no indeuropeu.

39. Motivados. pois, na constância da analogia homínica - no sentido histórico da diacronia - na atual persistência de hominidades retardadas - vamos supor o que era, num quadro inicial, a estrutura de um ato de fala ou ato fabular:

a. postos ante a coisa-estímulo imaginemos dois sócios estimulados, como dois pacientes análogos (fruto de experiência anterior), sob análoga pressão fenomênica.

b. passando entre os dois, com intenção inter-individual, e um vozeio emitido por sintonia mental, uma idéia já existente em cada um;

c. absorvendo esse vozeio (por ainda ser fraca a importância do audível) a eficácia visível das presenças teatrais e dos moveres corporais tanto no gesto díctico que aponta, como no gesto plástico que imita.

40. Assim teria começado a fala, veículo da idéia de Primo e estímulo da idéia de Secundo.

Na longa vagareza aqui-agora, é de supor a longa vagareza da conquista, estipulada na sincronia de um duplo proceder: (a) o proceder vital de quem faz, ante a coisa, e (b) o proceder fabular de quem pensa, sobre a coisa.

Esse proceder, cheio assim do espacial, já era um ato temporal da fala. E dos atos da fala foram nascendo os fatos da língua.

 

12. Do Pragma à teoria

41. A fala primeira, ainda sub-homínica, deve ter sido muito visual e pragmática, mais de um fazer que de um pensar. Anterior à costumeira conveniência entre um sujeito e um predicado, era uma fala infra-fabular. Cerceada entre adjacências do aqui-agora, especializava-se nas presenças. Sobredominada pelo atual do estímulo fenomênico, era uma fala veicularmente curta, semanticamente adjetiva, como flébil fala de leve energia, longe do futuro vigor com que o homem se iria eximir à servilidade zoológica.

42. Entretanto, com o passar dos milênios, o hic-nunc-ismo da fala pragmática iria cedendo à liberação temporal da fala teórica, uma fala suficientemente autônoma, não mais cosida às dobras de um proceder vital. Uma fala capaz de ausências, no alhures-outrora, promessa e força de mentados, na diacronia do florescer.

43. Formulando vivências que o tempo capitaliza em hominidade, a fala teórica ajudou a modalizar a posse, mais ou menos reflexa, em teoria reflexiva. É consciência do proceder.

44. Melhorando o teor da sintonia, por conversão do vital, o poder fabular foi sendo cada vez mais um pensar, de motivo exclusivamente mental. Vencendo o cativeiro sincrônico da fala pragmática, instalou-se na autonomia vivencial: falando é que Primo pensa, quer na fala soliloquial da elaboração, quer na fala coloquial da manifestação.

45. Há dois tipos de fala e função:

A) a fala coloquial;

B) a fala soliloquial de Primo consigo mesmo.

a. A fala infra-fabular, de função mais vocativa e expansiva, anterior à conveniência entre um sujeito e um predicado da fase antiga, na cota infra-homínica recente, cheia de espontaneidade zoológica, na primeira rarez do Sujeito. Fala que, elementar e monossintágmica, arrimava seu contexto auditivo no visível do contexto teatral, feito de presenças espaciais e gestos mímicos. Em sincronia com o todo de um fazer, manifestava essa fala, no seu povo parco veículo de vozeios, a intenção vocativa de um chamado ("Lúcio!") a determinação volitiva de uma receita ("depressa") ou a transfusão expansiva de um sentir ("que pena! ").

Na economia de sua função não-teórica, bastava-lhe a sua estrutura infra-fabular, isto é, menor que a conveniência NV, de um sujeito e um predicado, um proceder e um procededor. Mas já era fabular no seu todo de "frase'", e definidamente homínica no fato de inserir o instante temporal de um mentado, na estrutora espacial de um fazer, já inserida, no agora vital da dieta zoológica, o outrora vivencial de uma dieta antrópica, mediante certo vozeio reminiscente, inter-individualmente intencionado, munido de dupla eficácia: manifestar a idéia de Primo e suscitar a idéia de Secundo;

b. A fala per-fabular amadurada, fala de cota homínica mais alta, capaz de imergir nas durações do outrora, quando Primo noticia a Secundo, mesmo na ausência do fazer, a notícia do evento e a teoria da vida. Fala que floriu no outrora, isenta à coerção pragmática dos agoras, à pressão espacial dos fazeres. Nessa paz de um falar motivado em si mesmo, a fala foi replenando sua estrutura auditiva, ductilizando o poder veicular dos vozeios. Centrada no sintagma verbal, que noticia um proceder, completou-se com sintagmas nominais capazes de noticiar tanto o procededor como a situação do proceder, visto no espaço, no tempo, ou num modo relacional. O molde por excelência dessa fala per-fabular ou fala teórica estabilizou a frase igual a uma oração, veículo da conveniência entre um predicado e um sujeito;

c. A fala nasceu da convivência entre dois sócios, nutrida pela sintonia mental que o signo fabular permitiu. Na intenção inter-individual do vozeio, ela tomou seu motivo etimológico. Entretanto, na economia da hominidade progressiva, mais importante que tais falas inter-individuais se foi tornando a fala intra-individual. Mais importante que a fala coloquial, ficou a fala soliloquial. Por ela se tem hominizado a humanidade, na permanente fala interna do pensar, no exercício mental de uma elaboração vivencialmente cogitada, tanto na espontânea continuidade do pensar sibi-dirigido como na policiada reflexão do pensar dirigido.

A hominidade é um cabedal que no tempo se capitaliza. Consta de juros vivenciais de que se apossa cada indivíduo humano, zoologicamente espacial, mas antropicamente temporal. Tal é a dieta, no estrato diacrônico da hominidade, que cada indivíduo conserva, sob os efeitos da camada nova, certas persistências de antigas fases: vê-se por exemplo, na desigualdade entre os homens, que a fase infra-fabular, própria de um limite arcaico, não se destrói com o progresso da madurez fabular, mesmo numa sociedade eficazmente aristotelizada. Variam, no mesmo espaço grupal, as altitudes homínicas, por ser alta hominidade, não um estado geral, mas uma conquista particular obtinenda: são possíveis de coexistir, lado a lado, o inferior e o superior. Daí, na língua do grupo, a tradição de estruturas infra-fabulares junto a estruturas per-fabulares, principalmente no serviço da fala volitiva e na expansão da fala emotiva, junto à madurez intelectiva da fala teórica.

Na sintonia inter-individual do colóquio, mas sobretudo na atividade infra-individual do solilóquio, a fala temporiza, no endocosmo do espírito, a espacialidade do cosmo.

 

13. Morfologia do ato fabular

46. A fala, passando entre boca e ouvido, é um proceder auditivo. Mas era maior, na hominidade primeira, o ofício visual, espaceado nas adjacências do proceder. Vem daí a importância dos contextos, num ato de fala: (a) o contexto teatral das presenças visíveis, interlocutores e coisas; (b) o contexto mímico, também visível, dos movimentos gesticulares; (c) o contexto fabular, audível, dos vozeios veiculares; (d) o contexto pessoal de quem fala, matiz veicular da vivência de cada um.

47. Para bem mentalizar a figura do fenômeno linguagem, cumpre sentir e ver (a) que o ato fabular é um ato de ator, um proceder teatral; (b) que a hominidade, crescendo por sedimentação de camadas, revela a etimologia nos cortes geológicos ou diacrônicos da pesquisa.

48. Basta examinar os valores patrimoniais da língua para se ver que seus vocábulos, surgindo, devem ter surgido em função da espacialidade teatral e mímica da área díctica, e em função da temporalidade nocional da área propriamente semântica.

49. Ductilizando a função nocional e instrumental, a fala teórica aumentou de poder semântico, reduzindo a disponibilidades adminiculares o que antes era gesto componente e presença impositiva.

50. Entretanto. grande conquista para a hominidade, foi quando a humanidade transformou a fala oral em fala escrita, condicionando o audível no visível.

Embora comum entre lingüistas, é tecnicamente falsa a divisão linguagem escrita e linguagem oral. Linguagem é a faculdade, o poder fabular. A língua é o patrimônio comum, tanto no serviço da fala coloquial, entre presentes. como no visual da fala escrita, entre ausentes.

A fala escrita e uma visualização para o ausente, depurada nos seus elementos:

a. dirigida a um Secundo não presente, não tem contexto teatral;

b. escrita, e não proferida, não tem contexto mímico;

c. não proferida na hora da emissão, não tem atualidade prolatória, ficando seu contexto fabular reduzido a vozeio potencial que, na hora de ler, se atualiza.

51. Com a fala teórica, ficou instalada a franquia do comércio mental, a garantia sobre-zoológica da superação, a persistência tradicional da hominidade, a melhoria experimental do poder ordenador chamado "lógica", ministra serviçal do conhecer.

Assim o homem, animal dialógico em busca da lógica, pôde tornar-se um bom economista dos encontros inter-individuais.

 

14. O animal diacrônico

52. Achava Platão que os olhos emitem a imagem da coisa, no ato de ver. Portanto, se via um touro, dos olhos dele saía o touro - enorme, em pé, no prado.

Hoje em dia, pensando ao contrário, admitimos que o touro, em vez de sair, entra pelos olhos. Entra ele, o seu pastor, o prado, o monte, o céu. Cabe tudo lá dentro, da reminiscência do espírito, no seu prado inespacial de duração, lugar onde a vivência trabalha idéias do homem.

53. Pelo saber, como conquista tradicional, cada geração, remontando de nível, permite melhor começo à idade seguinte. Entre mais promessas e legados, a diligência pessoal talvez aumenta, com juros imprevistos.

54. Crescendo na diacronia e destilando o convívio, a hominidade requer sociedade. Não há hominidade sem sócio. Nem hominidade sem tempo. Não um tempo começável, mas um tempo já começado, na diacronia dos milênios. Cada indivíduo que nasce, já encontra, para si, um património.

Não existe mais hominidade recente, embora exista hominidade retardada: o homem que o europeu chamara de selvagem ou primitivo, já era um velho ser homínico, fruto de um tempo largo em quantidade, embora estreito em qualidade.

55. Emitindo repercussões vitais, a presença fenomênica da coisa nutre os efeitos temporalmente vivenciais da presença mental. Na simbiose com o fenomênico, vem o estímulo da coisa a Secundo vital; na sintonia com o sócio noticiador, o estímulo da idéia em Secundo fabular.

Visto que o encontro sócio e sócio rende também simpatia, temos a tríplice confluência do efeito hominizante: a simbiose da coisa, a simpatia do fazer de Primo e a sintonia do dizer de Primo. Assim cresce, em hominidade, o animal diacrônico, na medida em que temporiza, no espírito, o que acontece na espacialidade circunstante.

 

15. A temporização

55. O entender é uma construção vivencial. Da não-coisa chamada espaço, esquema e lugar do existir, sai a presença da coisa nele contida, sensoriamente internável, vivencialmente configurável em imagens, na continuidade inespacial da duração, esquema do existir mental. Aí se representa o ser, mesmo na ausência da coisa.

Depois, na iterativa sucessão, cresce o entender: conseguinte aos estímulos do contato atual, vem a temporização do pensar, pós-contactualmente mentado.

Na hora externa do proceder vital, com seu estímulo-convite, a resposta primeira é um reflexo. Na hora interna e vivencial da reflexão temporizante, recondiciona-se a resposta.

56. Pelo efeito movencial do proceder fenomênico, a sensibilidade-espaço gerou a reminiscência-tempo, tecendo o estofo em que se recorta e cresce a hominidade.

Do espaço zoológico, natural, foi nascendo o tempo, efeito pós-natural.

Na hominidade infra-aristotélica, o tempo é um agora adjacente, aoristicamente impreciso, confusamente embebido na franja do antes e na incúria do depois.

Na hominidade aristotélica, porém, o tempo é capaz de ser um agora largamente histórico, variamente semeado nos teores do aspecto fenomênico, urdido como um passado que se estende, e aberto como um futuro que se projeta.

57. Embora valorizasse o tempo, Bergson não o depurou bastante do mecanismo espaço-tempo, envolvido ainda no prestígio do espaço. Ante as duas sensibilidades, faltou-lhe situar cada um no seu campo, mostrando que o espaço é do Objeto, mas que o tempo é do Sujeito.

58. Cumpre ver o homem como expressão espacial em busca de tradução temporal, a fim de lhe poder explicar, na diacronia, a fabularidade, a hominidade e a sociedade. No centro da espacialidade acrônica do cosmo, está a qualidade crônica do antropo, capaz de se conferir a si mesmo, na duração reminiscente, capaz de se conferir com o outro, na redução analógica, dentro de uma socialidade que se implanta, vertical, na contigüidade horizontal do espaço gregário.

59. O encontro sócio e sócio é um encontro de Sujeito e Sujeito, com dispositivo recíproco para um trânsito vivencial de dois sentidos.

Difere dele o encontro homem e coisa, encontro de Sujeito e Objeto, heterogeneidade do vivencial e do vital. Quando rende o que rende, é por o homem levar consigo o poder diacrônico da idéia, fonte da visão com que o Sujeito trata o Objeto.

 

16. Hora de prima

60. Quem se visse reduzido, ainda infante, ao encontro homem e coisa, além de se ver entregue a uma antiga nudez zoológica, também se veria atirado a uma inépcia infeliz, tanto por não receber ministração de hominidade, como por haver perdido a sabedoria zoológica primeira.

Seja exemplo de tal verossímil o caso do casal de Midnapore, que se fizera lupino, apesar da origem antrópica. Um menino (18 meses) e uma menina (8 anos) perdidos no mato e acamaradados com uma loba lactante, eis o que faziam: uivavam, corriam nas quatro patas, mordiam, arreganhavam os dentes, emitiam sons guturais, não sorriam. Recolhidos, morreram pouco tempo depois, não aceitando o trato hominizante.

Outro caso de inépcia, bem diverso aliás, foi o que passou com homens adultos, caídos de avião na floresta amazônica. Narrou-se, no diário de um deles, como foram morrendo.

Mesmo que se descontem peculiaridades psíquicas de ocasião, é estranho de ver como a força do condicionamento homínico lhes inibira o impulso de viver, na sub-camada zoológica, ficando inábeis para existir, apesar das fartas ofertas naturais da circunstância vital.

 

17. A intuição

61. A intuição é, de si, um poder zoológico infra-homínico. É primordial na arrecadação do modalizável, mas o que vale dela, vem depois, na elaboração mental do intuído.

O homem que olha é um homem que está buscando no que vê, a sua coincidência com idéias que tem, vindas nas práticas da experiência.

O homem não olha para ver mas para verificar.

As idéias pertencem, no geral, a um patrimônio diacrônico, sendo a humanidade, e não cada um de nós, quem estabelece idéias. Tem-nas o indivíduo, mas quem lhes dá consistência e persistência, é a tradição cooperativa.

62. Entre a idéia e a coisa. ficam as distâncias que o nível mental admite e varia. Uma idéia, por ser a ou b, não esgota a paciência modular do real, capaz de assumir diversa imagem na diversa experiência.

 

18. A consciência

63. A consciência, luz do possível, é um registro mental do fenomênico.

Sendo possessiva, colhe sensoriamente o proceder circunstante, internado no centro biológico. Sendo intelectiva, dilui a figura do proceder em mnemiatos que ordena.

A consciência possessiva é de grau vital. A intelectiva, sendo de grau vivencial, pode melhorar em cada um, mediante a reflexão elaborada de mentados.

A consciência possessiva, natural no homem zoológico, vale como suporte da estrutura antrópica, centro da consciência intelectiva.

Chamando de posse à possessiva, que é elementar no seu alcance, daremos boa inteligibilidade a expressões como posse da coisa e consciência da coisa.

Todo homem, por exemplo, tem posse da língua. Mesmo na limitada posse de um ignorante. Consciência da língua, porém, só alcança, meditando nela, quem lhe pesquisa o poder veicular na estrutura e morfia.

64. O limite da consciência que progride, costuma estar na plenitude social vigente, cota comum dos afeiçoados peculiares. A esse progresso particular, de sentido menor, opõe-se a grande ascensão coletiva da espécie, no vagaroso crescer do eu antrópico ou geral.

Nem sempre é fácil distinguir, no patrimônio da consciência, entre feições recebidas da tradição e posteriores feições, de propriedade pessoal. O grande portador é o eu antrópico da espécie, transindividual e diacrônico, no suceder das gerações. Ele capta, na hora madura, entre as ondas do espírito, as oferecidas imagens.

65. A distância posse x consciência representa a distância entre o nível zoológico e o nível antrópico. No nível zoológico, o reflexo estimular se traduz em procederes vitais, morficamente iterativos, sem a modalização vivencial, que a economia homínica elabora.

O saber zoológico, em vez de se internar em consciência, diz Bergson, externa-se em procederes exatos. E cita o exemplo do "sitário' à página 158 da Evolução Criadora: esse coleóptero bota o ovo na entrada subterrânea da abelha antófora. Daí a larva, aderindo ao macho, alteia-se com ele ao vôo nupcial, a fim de passar à fêmea e com ela descer ao ninho. e depois ao ovo que, devorado, lhe fornece, na casca, uma canoa de flutuar no mel e dele se nutrir, como ninfa, até se fazer inseto...

O caso revela um engenho natural impressionantemente complexo, de proceder não aprendido. Assim a posse vital, numa hora sem eu, dispara equacionados procederes.

66. Diverge dela a solução vivencial: tira-se à coisa o estímulo do fazer, reduze-o a mnemiatos elaboráveis, internados nas reservas do eu. Diluem-se coerções e fórmulas, em equações temporizadas de respostas. Assim foi capitalizada, entre ensaios e erros, a lazeira feliz do saber aprendido.

Modesta no início, instrumental e chancista, a consciência foi ficando reflexiva e inteligente, capaz de comandar, milionária, os serviços da mão, do cérebro e da fala: a mão que faz, o cérebro que cria e a fala que manifesta.

67. A vida homínica faz-se posse e consciência: a posse tradicional dos fazeres noticiados, tratados no exercício do entender, cria a consciência do saber.

 

19. A reflexão

68. A reflexão é um efeito de espelho que repete, espacial, a imagem recebida. No espelho temporal da memória também se repete, mediante proceder reminiscente, a reflexão da idéia que nos vem, com repercussão no fenomênico.

Todo conhecimento é reflexivo, quer na primária vivência, menos hominizada, quer na meditada vivência de um homem bem ensimesmado.

O exercício reflexivo tem sido historicamente incerto e geograficamente desigual, mas por ele é que a hominidade progride, entre o conhecimento elementar e o conhecimento metódico, na marcha que vai do infra-científico ao científico.

Para exaltar o científico, não se diga ser reflexo o conhecimento vulgar. Reflexo é o proceder zoológico, um proceder de quem não conhece, mas sabe responder a um estímulo vital.

O conhecimento cria-se vivencialmente, por reflexão, no pavimento homínico, recinto sobre-zoológico e pós-natural, povoado de idéias manifestáveis. Aí se afeiçoa ele fabularmente, e fabularmente se divulga, no comércio mental com que se enriquece, da hominidade, a humanidade. Na diferença entre posse e consciência é que pode entrar a distância entre conhecimento vulgar e conhecimento científico. Um, posse empírica mais ou menos global da notícia tradicional. O outro, posse intelectiva, metodica mente ordenada, transfeita em consciência da notícia.

 

20. A lógica

69. A lógica é um poder de ordenar que a inteligência meneia, trabalhando com os diáfanos da idéia, tomados à repercussão fenomênica.

70. Trabalha no conhecer, para o Sujeito cognoscente, sobre o Objeto cognoscível, em três áreas de cognoscibilidade:

a. a área natural do mundo do não-eu ou mundo fenomênico, feito de matéria física e fisiológica:: mineral, vegetal, animal;

b. a área pós-natural do homem antrópico, ser cognoscente que se opõe, como Sujeito, ao Objeto cognoscendo;

c. a area sobrenatural do trans-sensível, assunto maior da metafísica.

71. Na corografia do pós-natural é que se desenvolve a figura da hominidade antrópica, na lenta superação do zoológico, na progressiva racionalidade mental, na ductilidade vivencial com que vai enriquecendo os procederes vitais.

72. Se é mundo de não-eu o mundo cognoscível, resta saber se pode ser objeto o Sujeito cognoscente.

A resposta diz que sim. em tratamento como de espelho, através de anamnese e analogia. Como objeto mental cognoscendo, todo homem é uma ilha que se ordena a si mesma, na intimidade vivencial da própria alma: nosce te ipsum. Como sócio do sócio, todo homem é consonâncias simpáticas, proceder vital e declarações sintônicas do proceder fabular. E frúctibus arbor.

Todo homem que começa, começa como Secundo, ante as lições de Primo, até se fazer Secundo Primo, ordenador do real. Não começa como primeira pessoa, eu, mas como segunda pessoa, tu.

Cada Sujeito, vendo-se nos outros, descobre analogias. Vendo-se em si, coordena-se por anamnese rememorando seus condensados internos.

Na intimidade vivencial do que não mostra, seu eu é inviolável para outrem. Tem janelas para ver fora, mas não as tem para ser visto dentro. Somente pode ser observado quando se externa, fazendo ou falando. Aí o outro o supõe e interpreta, mediante a analogia simpática do que faz e a analogia sintônica do que diz.

Além de ser inviolável, o eu é subtil aos próprios olhos do Sujeito, principalmente se este, sem hábitos de si-mesmice, continuamente se envolve na lúdica atração da alteridade fenomênica. A anamnese cognoscente é uma ascese.

Tudo que se condensa no eu, vem no tempo hominizador e vem através do outro, seja um outro fenômeno, seja um outro analógico. Ego ab áltero et alter a diachrónia.

 

21. A economia mental

73. Eis o que faz a inteligência, como poder mental:

a. dissocia equações fenomênicas, reduzindo fatores estimulares e mnemiatos, transfazendo-os em juros da experiência;

b. aos instrumentos orgânicos da naturalidade vital soma instrumentos inorgânicos que cria, por invenção vivencial;

c. troca os procederes necessariamente vitais, do patrimônio zoológico, por seus progredientes procederes optáveis, vito-vivencialmente homínicos.

74. A inteligência ama a tarefa de reduzir o mesmo ao mesmo. É uma tarefa de glória e perigo, sob o risco de ficar muito adicta à quantiação, exatamente satisfeita com aquelas repetições em que descobre ipsidade.

75. Segundo a metafísica tradicional, diz Bergson, de geração da inteligência não se fala, ne parlez pas de 1'engendrer (Evolution Créatrice, p. 210 ). Entretanto, continuamos nós, a inteligência é um poder em marcha, entre os contatos vitais com a coisa e os contatos vivenciais do convívio: a partir da repercussão fenomênica - espacial - e a notícia temporal da repercussão.

Não fora a capitalização tradicional, e a vida ficaria reduzida, anti-hominicamente, a procederes zoológicos, a fatos biológicos do corpo, sensório, locomotor e nervoso. Nessa tríplice base física do Espírito, a hominidade instalou o fato psíquico, vivencialmente acervado pelo Sujeito. após haver superado a barreira zoológica.

76. A inteligência, diz Bergson que se banha no espaço, por não ter visto que ela se banha é no tempo.

O que se banha no espaço e o corpo, no exercício dos procederes vitais, a que segue, no tempo, o exercício da inteligência, funcionária de um quadro pós-contactual, que mora na duração, entre idéias assentadas e idéias suscitadas. Antigas iterações e recentes analogias.

77. A economia mental encadeia-se na tríplice economia do proceder vital, do proceder fabular e do proceder vivencial:

a. na economia do proceder vital, os sentidos captam repercussões da coisa;

b, na economia do proceder fabular, o espírito recebe a notícia da coisa;

c. na posterior economia do proceder vivencial, a inteligência elabora idéias, com que volta ao real, no venturo proceder.

Fica subentendido que é individual e diacrônìco o momento c, da vivência, mas que são sociais e sincrônicos os momentos a e b, fatores do encontro didático.

O encontro fenomênico do momento a diariamente se repete como encontro individual ou não social. Mas costuma não passar de iteração ou volta ao real, o que lhe dá sentido e admissibilidade subjetiva. Um encontro novo, para Secundo vital, será motivo de espanto e alarme zoológico, visto lhe faltar, na experiência anterior, a solução vivencial da resposta. Dependerá de sua iniciativa, zoológica ou analógica, a emergente reação com que proceda.

Secundo Primo, como síntese de quem ouve e quem fala, é o Sujeito ordenador do real. Só se chega a Primo depois de ter sido Secundo: o Secundo vital do encontro homem e coisa, paciente do fenômeno, e o Secundo social do encontro homem e homem, que recebe de Primo a notícia da idéia, sobretudo na sintonia do ouvir, mas também na simpatia do ver fazer.

78. Sentir a coisa no plano zoológico é receber o estímulo de um proceder vital configurado numa resposta que o proceder vivencial estiliza, no plano da superação. O animal sente e responde, mas o homem sente, mentaliza e responde... a não ser que proceda zoologicamente.

 

22. O comércio mental

79. O animal não pode ir além do ser que "sabe" e "não conhece"; mas o homem trocou o saber zoológico por um saber aprendido, desde o tempo em que Primo foi capaz de significar, no veículo da fala, a representação de uma idéia.

Estava aberto o comércio dos mentados.

80. E a humanidade foi ordenando o conhecimento metódico, ao estudar, na física o proceder da matéria, e na fisiológica, o proceder da vida. Essa ordenação espacial, contudo, não alcança, no tempo, o proceder inespacial do Espírito, cuja epifania, histórica, requer a psicologia histórica de seus condicionados diacrônicos.

81. O idealista diz que a inteligência não atinge o extra- mental, afirmação aceitável mas se ancorada em outras águas, na diferença "vital x vivencial":

a. a extra-mental vem na equação indivíduo e coisa do proceder, cujo circuito é feito de coisa-estímulo e homem-sensível, captador de aflúvios fenomênicos, em momento que, geneticamente zoológico, não é intelectivo.

b. a inteligência, vinda na duração, é pós-contactual. Não está no aqui-agora da coisa mas no alhures-outrora do proceder vivencial, quando a idéia-estímulo acorda a representação mental do Sujeito estimulado. Aí, numa hora reminiscente, é que a inteligência trabalha, posta consigo mesma, no seu recinto intra- mental, onde filtra reais que elabora, elaborando mnemiatos que a experiência sensível fornecera.

Lembrar o extra-mental, ato reminiscente, não é tanger nem atingir, mas lembrar.

82. O mundo externo, agente, repercute sensório no Sujeito. Este, vivencializando imagens internadas, volta agente a repercutir no mundo externo, paciente. Redispondo mentados, reformulando equações, renovando respostas a velhos estímulos, a inteligência regiminiza o obediente real.

Dessa inversão de papéis foi que nasceu o progresso da adaptação oicológica, no plano homínico de, ajustando-se ao mundo, ajustar a si o mundo.

Vivendo um vital vito-vivencialmente capitalizado, a inteligência reconfigurou o mundo por imagens fiéis e imagens análogas: as imagens fiéis do real como real sentido, e as imagens análogas do real como real inventado.

 

23. A sabedoria antrópica

83. Dizem os realistas que o idealista pensa, mas não conhece, pois não pode chegar ao Objeto quem parte, não do conhecer, mas do pensar.

A antinomia pode ser diluída pela equivalência entre pensar e conhecer, no seguinte encadeado fenomenológico;

a. enquanto os sentidos, captando, apreendem, a inteligência, compreendendo, conhece;

b. o conhecimento homínico, inter-individualmente construído, é reflexivo e diacrônico, diverso do zoológico saber, meramente reflexo;

c. o saber reflexivo elabora-se na vivência do pensar.

Pensar é o mesmo que ordenar a experiência e criar o conhecimento, ajustando representações mentais da repercussão fenomênica, sensoriamente internada.

O sensório apreende, e a inteligência conhece.

84. A humanidade, sublimando a sabedoria dos sentidos, acumulou a sabedoria do conhecimento, embora seja ele de não certa constância, no seu fraco teor persuasivo, tolerando que o homem, vendo o melhor, ainda siga o pior, convencido de seus pendores animais.

85. O saber antrópico é uma conquista progressiva, cujos níveis de subida se remarcam na história da diacronia homínica. Ao se medir um conhecer, deve-se imergir o cognoscente no clima de sua existência e hominidade, entre hábitos de seu proceder vito-vivencial e habituações que lhe influi a circunstância, tanto vital como social.

Com a dieta de um cita não se obtém um Platão, nem se chega a Bergson com uma receita de cafre. Aristóteles não é um produto natural, mas lento fruto de uma jardinagem seletiva.

86. Não se resolve a questão do conhecimento imaginando situações irreais, como faz certo abstratismo corrente, supondo o homem intelectivamente puro ante coisa fenomenicamente pura. Quem chega à idade de ordenar o mundo já está, quando chega, socialmente condicionado, portador de um noticiário comum a seu grupo, ao nível da hominidade vigente. Chegada a sua vez, pode ser que descubra e refunda e renove, se tem olhos de revisor. O costumeiro, porém, é cada um se dar à tradição, nem mesmo desconfiando de contribuições de mudança que o tempo soma e a diacronia revela.

Há sempre, aliás, no patrimônio recipiendo, cabedal bastante para escolhas e tempo seguinte para variações, por efeito e graça dos intervalos vivenciais.

87. A primeira operação coisa x idéia, nos contatos vitais de Secundo discente, é a que lhe vem na informação noticiária de Primo docente. Depois, na contingência do tempo, cheio de analogias, a vida irá correndo entre o pólo da coisa e o pólo da idéia, todavia sem monopólio de sentido, tanto podendo ir da idéia à coisa como da coisa à idéia.

 

24. A filosofia

88. A filosofia, ordenando motivações do proceder humano, coordena-as com motivações de conhecer homínico, obtido em boas noções do proceder fenomênico.

As vezes, tomando exemplo na dimensibilidade quantiada, o cientista sonha incluí-la na explicação do proceder homínico, humanamente qualitativo, e assim refundir o código da tradição moral. Entretanto, no homínico, há sempre alguma coisa que não cede, mostrando-se refratária a provetas e fórmulas de ensaio.

89. Apesar de haver conseguido medir o biológico necessário e o zoológico elementar, a ciência não tem conseguido, na ordenação do homínico, eficácia metódica. Afeita ao canonismo fenomênico. engana-se ao procurar absorver na inclusão natural a qualidade pós-natural da hominidade.

Tendo qualificado o homem zoológico, base física do Espírito, ainda não entendeu o homem antrópico, ser progressivo. E peleja por incluir na espacialidade animal a subtileza temporal de uma flor diacrônica.

Achando que a História não é "ciência", a metódica vai tomar presunções no antropóide, eliminando a superação, qual se pouco importasse, desde a iteração vital de um símio, o que fizeram centimilênios de vivência. Para explicar Platão ou Bergson, acha bastante combinar, com certa espécie de psicologia zoológica, um pouco de certa gregariologia elementar chamada sociologia.

90. Bergson pediu que a filosofia, no caso homínico, deixando o modo científico, se pusesse a receber, ascendendo, na rampa da inteligência. Embora seja outro o seu plano, é boa a sua motivação quando diz, na página 31 da Evolução Criadora, que a ciência costuma, ao fixar o iterativo, primeiro o isentar à duração e ao irreversível histórico.

O necessário é codificar melhor as ciências do homem, visto ele como Sujeito cognoscente, historicamente envolvido na aventura do mundo. Cumpre olhá-lo melhor, na sua qualidade pós-natural de ser temporizado, crescido nos afazeres práticos do seu existir e no fazer estético de seu comover-se, entre impulsos morais de seu ethos e motivações vivenciais de sua ética.

91. Pela simbiose da estesia, empaticamente filiável à inocência primeira, o Sujeito procura fundir-se no objeto, como centro de encontro e fruição. Pelo seu ato intelectivo de Sujeito, feito centro do encontro, ele avulta contra o Objeto que rege, após o recriar no Espírito, usina de repercussões fenomênicas.

Através desse ordenar intelectivo costuma ter, como viático do gosto dilectivo, os três amores da sabedoria: o amor intelectual da verdade, o amor estético da beleza e o amor ético do bem. Amor veri, amor pulchri, amor boni.

 

92. Eis as linhas principais da filosofia:

a. a fruição da gratuidade do real e o fazer estético

b. a fruição da utilidade do real e o fazer prático

c. a fruição da utilidade social e a motivação ética

d. o conhecer das fruições e a noética do advital e do advivencial.

e. a inquietude do trans-sensível, na causa primeira, e a metafísica.

 

25. A ciência

93. Gostaria de encontrar filósofo que discriminasse o conhecimento em termos de Ciência do Objeto e Ciência do Sujeito, estudando o proceder do mundo no espaço e o proceder an trópico do homem no tempo.

94. Para tanto, veria no Sujeito cognoscente um ser histórico, instituído no insimultâneo, como na sucessão de um filme. Um progressivo ser diacrônico, imerso na espacialidade sincrônica.

95. Graduaria metodicamente as distinções que visse:

a. na massa molecular do minério, onde corre a energia química da matéria;

b. na estrutura celular do animado, onde corre a energia fisiológica da vida;

c. na lembrança fisiológica da vida, onde corre a energia diacrônica da consciência.

96. Como ciência da matéria, a Ciência do Objeto é espacial e natural; como ciência do Espírito, a Ciência do Sujeito é temporal e histórica.

97. A Ciência do Objeto estudaria

a. o proceder estrutural da matéria, traduzível em equações naturais, quer na intimidade criptomênica de seu existir, quer na atividade emergente que tem a coisa, estimulada por outra coisa;

b. o proceder elementar da vida, com suas equações de economia biológica;

c. o proceder evolutivo do animal, quando busca realizar, em equações com a circunstância, as equações do proceder biológico.

98. A Ciência do Sujeito estudaria

- o proceder homínico, historicamente progressivo e pós-naturalmente criador. Um proceder que, mentalizando o fenomênico, estilizou as respostas vitais, que, adaptando a si o mundo, por economia vivencial, permite que o Sujeito volte à coisa e a servilize, aperfeiçoando-se em liberdade.

Através de tal proceder, a humanidade capitalizou hominidade, influindo na base biológica da vida e superando a fronteira zoológica do patrimônio vital.

 

BH, 22 de agosto de 1963.

 

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