1. Quem diz "Caio comprou casa", molde /213/, Nominativo Verbo Acusativo, está empregando, num estado posterior, a mesma língua de "Caius emit domum".
Quem o diz empregou uma frase ou unidade da fala. A frase é uma expressão da fala; a fala é uma expressão do homem; o homem, repetindo o homem, vai filtrando assim a sua língua, na diacronia da humanidade.
Como veículo que veicula um veiculado, a frase atualiza-se numa veiculagem que a língua potencializa em veicularidade. A frase é o veículo, a fala a veiculagem e a língua a veicularidade.
A frase é um veículo ou estrutura de sintagmas, a carrear conteúdo semântico atualizado da relação veículo x veiculado. Ela contém veicularidade ou poder de relacionar idéias.
A frase é pois uma estrutura de morfias a serviço de uma estrutura de idéias. O conteúdo semântico de "Caius emit domum" é /Caiocomproucasa/.
Manifestando a representação mental de quem fala, a frase promete sintonia com a representação mental de quem ouve. Marcada pela intenção de sintonia, ela exibe, numa estrutura fônica, uma estrutura mental que a vivência afeiçoa, criando uma riqueza que aumenta, à medida que o indivíduo se apossa da língua.
2. A frase, unidade da fala, tem
como unidade o sintagma,
um todo de valor funcional, como nos três sintagmas de "Caius
emit domum".
Fracionada a frase polissintágmica, cada sintagma se fraciona em bases e morfemas, "Caiu-s" "domu-m", cheios de contraste mórfico e veicular, no estado romano da língua. No estado pós-românico, o diluir dos morfemas: a base tendeu a ser igual a um vocábulo, como "Caio" e "casa", obrigando o uso a concentrar a energia relacional em outros recursos estruturais como (no pós-românico) a mobilização do topomorfema e do tonomorfema, além das contribuições do contexto fabular; é fácil, por exemplo, a estrutura /213/ de "Caio comprou casa", mas na frase "ama o povo o bom rei ", assim sem mais nada, ignoramos se o sentido é /123/ ou /132/.
Mediante desnudamento morfêmico, faz-se vocábulo na língua o que na fala era sintagma, realmente ocupado em veicular um sentido. O valor fabular, vindo em sintagmas na fala de Primo, então se potencializa em vocábulos, morfemas fabulares e moldes na língua
de Secundo, cabedal de sua fala futura.
O sintagma é univocabular,
como no exemplo "Caius.emit.domum"/ "Caio.comprou.casa", /213/;
ou plurivocabular, como em "domus Lucii. empta est. ab eius fratre Caio" / "a casa de Lúcio. foi comprada. por seu irmão Caio",
/214/.
3. A experiência fabular, insinuada na iteração,
dilui a veiculagem da fala em veicularidade da
língua, mas sem garantia da fidelidade, capaz de alterar.
A mudança vem devagar, na diacronia de um poder individual não percebido, sob a vária contingência dos níveis
sociais, na hominidade do grupo.
Sob o regime iteração-alteração, a língua é um patrimônio que muda e persiste, dentro da continuidade tradicional: a) muda no trato prolatório da matéria sintágmica, na opção dos moldes usuais, na geral conservação da riqueza; b) mas persiste, ainda assim, no desenho dos moldes, no padrão da veicularidade, nas tendências da evolução prolatória.
Essa a razão de se dizer que nossa língua, no seu estado pós-românico, é a própria língua indeuropéia, mantida na continuidade evolutiva de seus moldes frásticos, sintágmicos e prolatórios.
Do comércio fabular nasce a posse dos moldes, a posse da língua, transfundida na prática dos encontros. Do meditar sobre a fala, ordenando a infusão possessória, nasce a consciência da língua, no subtil exercício de desenhar moldes, analisar unidades e elementos e ponderar veicularidades.
A língua, frutificando na iteração, promete iterações. Quem foge do uso, fugindo a facilidade transitiva, está dificultando os lucros da socialidade e provocando as sanções de repulsa do grupo. Mas iteração não é ipsidade: repetindo, ou pensando que repete, vai cada indivíduo alterando os valores da fala, assim contribuindo, pelo uso, na economia evolutiva da língua.
4. Na consciência da língua vem a consciência dos moldes, que são três.
O molde frástico é uma estrutura destinada, da ordem costumeira. Tal molde é pois uma distribuição usual, uma ordem possível. O latim, rico de morfemas fabulares, cheio de riqueza polimorfêmica e autonomia posicional, podia dizer "Caius emit domum" /213/, "domum emit Caius" /312/, "emit Caius domum" /123/, ou "emit domum Caius" /132/. O pós-românico, por haver diluído a facilidade polimorfêmica, obrigando-se à posição, já não admite bem o molde /312/ de a casa comprou Caio. Mas isso na situação absoluta de um momento inicial, visto que, num momento seguinte, a economia expositiva admite amplitude, compensando a fraqueza veicular das morfias com adminículos do contexto geral e prolatório.
O molde prolatório é aquela estrutura de melodia e ritmo com que a frase deve ser proferida. Comparem-se os matizes do todo "Caio
comprou casa", imaginando a frase como assertiva, interrogativa, exclamativa.
O molde sintágmico é aquela fôrma peculiar à forma de cada sintagma. Consta de uma base vocabular e de um morfema fabular relacional, um endereçar da função.
No romano "Caius emit domum" existe o claro vigor dos endereços; no pós-românico "Caio comprou casa", diluindo-se o morfema adnominal na desinência, o vigor desapareceu; mas não desapareceu a estruturação por sintagmas: a inserção fabular, veicularmente compensada, exibe a diferença entre, por exemplo, o vocábulo casa e o sintagma casa. O
sintagma tem morfema, ainda que reduzido a zero; mas o vocábulo, desmorfemado e potencial, não passa de mera quantidade léxica.
Nota [1]:
Com auxílio
do contexto fabular (vozeado), temos (1) o contexto teatral -
presença de quem fala e quem ouve, presença
de coisas dicticamente sinalizáveis;
(2) o contexto mímico, (visual do gesto
díctico
a plástico), da atitude fisionômica, enfim
de elementos da fala-do-corpo; é o contexto do ator
representando. Além
de tais contextos, (o fabular, o teatral e o mímico)
vale, também, pelo convívio dos parceiros,
o contexto particular do indivíduo,
a expressividade pessoal com que tempera a fala.
5. Extraído da frase e tratado por anatomia, o sintagma fraciona-se em elementos da língua: a) um molde sintágmico, de figura usual; b) base vocabular; c) morfema fabular que endereça e atualiza a função. Veja-se no léxico o vocábulo em estado virtual, polivalente, com seus vários
sentidos e o sintagma na frase em estado de fala, ou atual, univalente.
O morfema fabular pode ser: a) uma desinência [apomorfema] ou um vocábulo [pro-morfema conectivo]; b) uma posição, na estrutura da frase; c) um ritmo e tom, na [estrutura] prolatória. [i]
a) a desinência, adnominal ou adverbal, é um morfema fusivo, que imprime feição na base vocabular: a terminação de comprou, endereçando comprar, mostra também sua conveniência com o Nominativo Caio, exibindo uma intenção de referência ao 'assunto' e não a uma das duas pessoas do discurso. Com a [promoção] do assunto, o morfema fabular tem a função de relacionar dois sintagmas (a x b), veiculando a relação ora entre sintagmas, tal "veio de casa", ora dos adnominais com o centro do sintagma "a casa de Lúcio". Desde o pré-romano que antigos valores adverbais foram sendo reduzidos a ponte, entre sintagmas (função diassintágmica) ou entre os elementos de um sintagma (função endossintágmica). [ii]
b. o morfema da posição é um influxo do lugar: em "Caio comprou casa" /213/, a ordem lembra que o sintagma [de símbolo] /2/ é Nominativo e o /3/, Acusativo de paciência.
c. o morfema da prolação implica tom e ritmo: confrontem-se os dois ritmos possíveis, na frase "Caio comprou a casa de Lúcio". No ritmo de um só fôlego, a expressão "de Lúcio", adnominal, entra num todo de três sintagmas, /213/; no segundo ritmo, com leve pausa em "casa", "de Lúcio" (adverbal) perfaz quatro sintagmas, /2134/.
6. O Verbo, como centro da frase, é o ponto de irradiação do regime binomial. É o primeiro termo da fatoração /a x b/. Essa preeminência tem caráter
bastante para se fazer da adverbalidade um sintoma,
e promover a "sintagma" todo elemento adverbal, reduzindo a parcela [ todo elemento adnominal.
O Verbo, como sintagma nº 1, é uma espécie de sintagma forte, que tem os outros sob si: o Nominativo /N/ do sujeito e o Acusativo /A/ do objeto direto, sintagmas de nº /2/ e /3/. Na conta do sentido: em /213/, semanticamente, [os sintagmas] se coordenam. Em /14/, pós-românico, o /4/ é subordinado. Em /15/, "deu-lhe", /5/ é subordinado semântico. O vocativo /6/ é um sintagma autônomo não
entrosado.
A norma que manda o Verbo concordar com o sujeito, marcada de sabor logicista, estaria melhor, na realidade fabular, se mandasse o sujeito concordar com o Verbo. Mas o melhor é partir da idéia de "oração", definida como conveniência entre um sujeito e um predicado. A idéia de "oração" foi gerada na força da "frase". As duas costumam coincidir, embora a frase, além de igual, também seja maior e menor que a oração. Maior no período composto e menor quando sem verbo, com estrutura infra-fabular e estrutura econômica.
Sujeito e predicado convêm entre si, relacionados por sinais que o uso lhes põe.
Sob a lei do costume, o trinômio NVA, expansão
fundamental, consta de três sintagmas que se coordenam,
corados de especial intimidade semântica. Essa a razão
de lhes darmos iniciais maiúsculas: o Verbo V, o Nominativo
N e o Acusativo A.
Abaixo vêm os sintagmas não
fundamentais, situadores que
estão no ablativo ab ou no acusativo ac,
morficamente subordinados, quer dizer introduzidos por
preposição, pro-morfema, ou semanticamente subordinados,
(sem preposição) em certas estruturas latinas que
persistiram no pós-românico.
Nota [2]: À frase verbal, de
centro V, opõe-se a frase nominal, que é frase
nominal insossa, do tipo /Nn/ "vita brevis",
/22'/ ou frase nominal temporizada [soldada por ligativo],
onde o verbo ser é parte do predicativo, do
tipo "vita est brevis" /Nvn/, Nominativo | verbo | nominativo.
O centro do predicado não está no verbo v mas
no nominativo n, predicativo: em lugar de traduzir um proceder
de x, o verbo não faz mais do que inserir no tempo uma
atribuição. /22'/, /202'. Atribui-se um aspecto: "Caio é bom";
uma classificação: "Caio é romano"; uma
identificação: "Caio é este".
Nota [3]: A estrutura
de sujeito e predicado já supõe uma fase homínica
adiantada, de desenvolvimento mental. É uma
estrutura perfabular a que se opõe a estrutura infra-fabular de
frases como "socorro!". Não se lhes confunda o monossintágmico,
infra-fabular, com o monossintágmico do tipo "sim",
intra-fabular, nutrido em subvenções
da economia dialogal.
7. A função dos sintagmas é aludir ao proceder de um procededor dentro de uma situação determinável numa relação mental no espaço, no tempo. A economia da frase depende da economia mental de quem fala. Segundo a progressão histórica, o indeuropeu foi assentando modelos do tipo "chove" no monômio /'V/,
que noticia um proceder sem sujeito; do tipo "Caio chegou", no binômio /NV/,
que noticia um proceder sem projeção; do tipo "Caio comprou casa",
no trinômio do /NVA/, /213/, que noticia um proceder
projectício, de Verbo transitivo.
Sendo o proceder
V situável no espaço no tempo ou num modo analógico, o predicado central /V/, /1/, pode receber o pormenor explicativo de um sintagma não fundamental, do tipo /4/ (ac[usativo], abl[ativo], dt [dativo] pós-românicos).
8. Além do monômio do tipo "chove" apropriado à fala teórica, existe o monômio do tipo imperativo "veni" / ["vem"], próprio da fala pragmática. Do molde /'V/, de "chove" difere o molde /V'/, de "veni": no primeiro, representa-se uma oração sem sujeito; no segundo, uma oração que, tendo sujeito, não veste o sintagma /2/ Nominativo. Até o francês diz: "viens", apesar de sentir tanta falta do sujeito que somou um /2/ formal ao tipo "il pleut", "il faut".
9. O trinômio NVA, cheio de intimidade semântica,
faz pensar na teoria da voz passiva, diacronicamente insegura, apoiada no contraste que o Verbo foi instalando entre o agente N e o paciente A,
segundo um pronunciamento semântico daquela melhora mental por que o homem foi descobrindo, no fenomênico, relações
de causa e efeito.
No estado anterior da língua, o morfema "-r" denunciava, não
a voz passiva, mas um interesse do procededor no proceder
noticiado. "Lavo r manus"/ "Lavo minhas mãos".
O monômio do tipo /"V/ ou /V'/, e o binômio /NV/, são persistências de idade antiga, sendo conquista recente o trinômio /NVA/. Acontece também que o Verbo, na economia da fala, já sem /A/, quando intransitivo, pode vir sem a figura sintágmica de /N/, inclusa na desinência a alusão: é perfeita uma frase como "venio" / "venho".
Fica bem, portanto, simbolizarmos a frase, genericamente, na
figura visual / N) V (A /.
10. Junto aos sintagmas fundamentais /123/, distinguidos
com maiúsculas, /VNA/ podem vir os não fundamentais, situadores espaciais, temporais, analógicos. No exemplo "Caio veio ontem, com pressa, de Túsculo a Roma, pela Via Latina", [iii] após os sintagmas "Caio" e "veio" junto a /1/ os demais. Todos paralelos e de nº /4/, funcionam como situadores, numa frase cheia de acumulados: /2 1 4 4 4 4 4/, repetindo cinco vezes um sintagma não fundamental. Dos cinco sintagmas, três indicam espaço ("de Túsculo" "a Roma" "pela Via Latina") um indica tempo ("ontem") e um indica modo ("com pressa").
Os casos do sintagma nº /4/, situador, no latim, são o ablativo e o acusativo espacio-temporal (diverso do Acusativo de paciência). Reduziram-se a ac[usativo], abl[ativo], dt [dativo] e gt [genitivo].
10.1. A função de situar cabia também ao dativo, sintagma de nº /5/, de pouca importância e de incerto caráter. A tradição logicista procurou identificá-lo com a função de "objeto indireto", praticando uma violência diacrônica semelhante à que praticou com o acusativo, mal visto como situador e exaltado como "objeto direto".
No pós-românico, trocado
por outros casos, o dativo desapareceu, deixando de
si alguma lembrança, em morfias pronominais que o vulgo
maltrata.
Eis, numa frase, o sintagma de nº 5: ontem,
pelo aniversário de Lúcio, Caio deu-lhe um livro
de presente /4 4 2 1 5 3 4/.
10.2. Do ponto de vista prático, a lista quase pára nos 4 sintagmas anteriores ao /5/, embora exista ainda o de nº /6/, o Vocativo, um sintagma absoluto, absolto de toda intimidade com o resto da frase. É um sintagma de feição velha, próprio da fala pragmática, e vindo da infra-fabular. É capaz
de sozinho constituir uma frase.
Tanto o Vocativo
como o imperativo, apoiados no teatral e no prolatório, descarecem de especificação desinencial: basta-lhe a base vocabular, seguida de morfema zero, a uma frase como "Cai, veni" / "Caio, vem".
11. Equação viciada não resolve problema. A tradição gramatical eivou-se de vocabulismo, ao partir da idéia "cada coisa com seu nome", num mundo pré-fabricado. Examinando a língua por categorias de sentido, inventou um quadro lógico onde mistura o veiculado e o veículo, não vendo que seu objeto era só o veículo. Examinando a matéria fabular, trata como vocábulo o que é sintagma, escamoteando a função relacional do morfema, confundindo língua com fala. Não lhe pesa, nos cuidados, a univalência fabular do sintagma e a plurivalência léxica do vocábulo.
11.1. Persiste na metódica o engano fisicista dos que vêem na língua um produto natural, apesar de ela ser uma criação pós-natural .
Ainda não existe muita convicção de que a fala traduz o homem e não a coisa, pois a fala é um veículo de mentados e não um nomear de reais fenomênicos. Já se fala em signo liberado, mas não se quer sair das adjacências espaciais da coisa, para mergulhar no tempo homínico - esse lugar inespacial onde germina e cresce a língua, enseivada na diacronia do espírito. Misturando veículo e veiculado, não se vê que a
essência da língua está na veicularidade.
11.2. Motivada num desvio infeliz de de Saussure,
a metódica vigente enveredou pela rotina anti-histórica, fixando uma estática fabular que não existe, fracionando a diacronia em momentos fechados, comprimindo a língua em quadros aprióricos, tratando-a como se fora de um homem já nascido aristotélico, dono de meios seus perfeitos. Em verdade, se o recurso fabular é uma coisa feita, mas não perfeita, na posse da geração docente, cumpre lembrar também que é sempre coisa facienda, no adquirir da geração
discente.
Nos momentos dialogais da fala, com
efeitos pessoais de alteração, recebe a língua os germes da mudança, disseminada pelo uso. Minando-lhe a estabilidade, trabalham urgências da forma seguinte e do seguinte sentido, numa difusa lei de metamorfia e de metassemia, ritmada pela evolução da hominidade. A língua muda com o tempo, estendida numa diacronia de relógio não certo, cheio de horas não homocrônicas mas quânticas. A competência fabular de seu tesouro afina com a riqueza mental do grupo; a riqueza do grupo, com a riqueza de uma hominidade que sobe, desde a cota inferior da mente mítica e analógica, até a superior tendência da mente lógica.
11.3. Centrando a língua no vocábulo, a metódica saussuriana viu a língua abastecendo a fala, mas não viu a fala abastecendo a língua. Deixa parecer que a língua faz a fala. Em vez de, olhando a fala, ver-lhe frases que identificar em moldes, que fracionar em sintagmas, que desmanchar em vocábulos - a escola, invertendo o fenômeno, começa no vocábulo,
tomado como cabedal primeiro, de que se faz a frase.
Um método sem razão não pode achar a razão da língua, principalmente a secionando em línguas nacionais, cujo momento "m" se recompõe
com sincronia espacial, subestimando a diacronia.
Saussure, abraçando a língua, tomou a nuvem por Juno, deixando de ver que os atos da fala geram os fatos da língua; e que os fatos da língua não passam de figuras mentais, de oscilantes efeitos da reminiscência fabular, quando esta reduz a potência o atual da fala ouvida, enquanto vai transfazendo em poder intra-individual o que era ação
inter-individual, na hora da sintonia.
Se a língua vem da fala e só na fala se mostra, tem de passar pela fala a via e método que leva à língua. Pensar na fala é pensar no diálogo, na transmissão de pai a filho, no suceder entre geração docente e geração discente, no continuar da tradição diacrônica. É achar-se induzido, enfim, na via genética, recedendo pelos caminhos da aurora, em busca das nascentes fabulares. Para isso, cumpre vencer o fronteirismo nacional; cumpre admitir, metodicamente, que a fala é de Primo e a língua é de Secundo. Cumpre ultrapassar o vocabulismo fisicista, inserindo a fala no homem e os dois no tempo; cumpre ver a língua, não como um produto natural, naturalmente sistemável, mas como produção da diacronia homínica, historicamente recenseável.
11.4. O vocabulismo, agravando o desvio, acabou
em fonicismo, exagerando um setor de certo muito lúdico, mas sem promessa alguma de lingüística, pois a fala tem por unidade a frase, que é feita de sintagmas, que são feitos com vocábulos, que são feitos de sílabas, que são feitas de fonemas. O que cumpre é estudar a fala, feita de frases, discriminando-lhes o veículo,
do veiculado, e identificando-lhes a veicularidade.
Verificada a morfia histórica do veículo e a diacronia da relação veicular, está cumprida a missão da lingüística, num programa fácil de enunciar, mas que abrange a humanidade inteira, com toda a sua hominidade, na evolução
do homem progressivo.
12. O vocabulismo não sabe conceituar o sintagma, por ter ficado adicto à língua e infenso à fala, obturando o caminho da invenção com a barreira metódica do antinomismo sincronia-diacronia. Fundado em perspectiva de aparências, quis subtrair ao tempo o que é do tempo, não vendo que só a história explica a fala, a língua
e o homem.
Fazer diacronia é confrontar falas de agora e outrora, na continuidade tradicional. É reduzir, em recessão, o pós-românico, o românico ao romano, e o romano ao pré-romano. É configurar a imagem evolutiva da língua, feita de moldes mentais, exibindo-lhe a sucessão diacrônica dos estados sincrônicos. É seguir pelo corte geológico, vendo a persistência da frase, a constância da estrutura, a dosagem da razão evolutiva, na metamorfose da matéria sintágmica.
12.1. Realizar o sintagma é despotencializar o vocábulo, atualizado por morfemas que o tiram da plurivalência léxica para a univalência fabular. O morfema costura as partes da frase com a linha da relação /a x b/, no limite intra-oracional, mas promovida a relação
/A x B/, no ambiente inter-oracional.
No estado romano da frase "Caius emit domum", a vigorosa presença dos morfemas fusivos constitui uma figura cuja fisionomia é comum ao vocábulo e ao sintagma. Ante variações como "domus" "domum" "domo", não se pode abstrair, depurando-a da ganga, num limpo corpo léxico, a imagem potencial de um vocábulo como "casa". Fundem-se, na concretice primeira, o potencial e o atual, o vocabular e o sintágmico. Daí a dificuldade latina de menear um vocábulo como vocábulo,
segundo pode ver-se, por exemplo, no De língua latina de
Varrão ou, por outro exemplo, no Minerva de F.
Sánchez Brocense.
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