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Lingüística e Filosofia da Linguagem

GLOSSÁRIO

 
 

Introdução ao "Glossário" de Mistérios, Rezende, J.Severiano.
Belo Horizonte, Imprensa da UFMG, 1971

 

Entre os séculos XV e XIX, a Europa renovou o poder de expressão dos idiomas ocidentais, nutrindo-os, por aculturação diacrônica, na seiva mediterrânea, feita de grego latinizado e de latim vernaculizado. Depois, no século XIX, o Romantismo começou a tingi-los de reação popularizante, infensa ao gosto estético do latim, cuja importância, como veículo universitário, se foi limitando, pouco a pouco, à serventia intelectiva da técnica nomenclatória. Mas não faltou, meado o século, a repristinação da aristocracia parnasiana, estendida ao primeiro vintênio do XX. Veio daí, nos poetas de então, seu vocabulário de alto coturno. Veja-se por exemplo, entre nós, o autor de Mistérios, na mesma linha de Bilac ou de Alberto de Oliveira.

Entretanto este século XX, recortado de guerras e traumas sociais, viu a paz do viver torvar-se gravemente, sob a nociva constância de uma alteridade vital que nos impede, exacerbada, a via do ensimesmar-se. O homem de agora, tomado de saudade zoológica, refoge as altitudes antrópicas, renegando a virtude. Ama receder à natividade primária da competência animal, servido por uma velocidade mecânica lúdicamente fascinante. Esmoreceram para ele, com dupla ruína mediterrânea, o exercício da cogitação teleológica e o exercício tradicional do latim, cujo poder disciplinador, afiando a inteligência, afina habilidades mentais . Não tem mais crédito, para nós, a promessa do professor que dizia: "dê-me um bom latinista que lhe darei nele um bom matemático". Um homem de letras já não sente, como letrado, quanto se lhe rebaixa, sem o latim, o patrimônio do seu recurso expressivo. Finalmente, no momento inferior a que descemos, até a Igreja católica já não quer sustentar, no latim, essa língua que era mais sua que nossa.

Ante um livro do tipo Mistérios, um leitor mediano de hoje, criado sem latim, terá de abrir o dicionário a cada passo, mesmo para nomes que outrora já teria sabidos, pois outrora lhe vinham ministrados, climaticamente, na infusão iterativa da dieta escolar. Para leitores tais se planejou êste trabalho. Cuida de vocábulos não vulgares, registrados ou não em dicionários vernáculos. Mesmo sem rigor exaustivo, colheu-se deles mais de três centenas, distribuíveis entre latinismos, grecismos latinizados, decalques franceses, arcaísmos de vário sabor e uns tantos nomes peregrinos.

Visto o excesso da colheita, na estreiteza de um plano elementar, achamos que bastavam dois serviços:

1) alistar uma centena de latinismos do autor, como prova de seu estilo e tempero;

2) glosar apenas uma parte, deixando o mais aos dicionários.

Recomendamos ao leitor, para o sentido elementar, o Pequeno Dicionário Brasileiro (PDB). Estão nele quase todos os latinismos de Mistérios. Para mais alta inteligência, recomendamos três dicionários etimológicos: o DEL de Ernout-Meillet (para o latim) o DEC de Corominas (para o castelhano) e o DEP de JP Machado (para o português).

 

I. Amostra dos Latinismos

evo protervo delicio clausurar ressupino úlulo olente tintinabular recôndito delubro sérpeo crebro incude palude deambular pando qüérulo rotundo pávido túrgido

hígido aflar escrutar magníloquo êxul difluir eflúvio feral bestiário precito hirto mádido tábido agro noctambular iináculo lenir transfuso abluir exsurgir

armento vígil obumbrar efundir estelante íncola cérulo occiso lúrido procumbir virente albente comburente adusto algente lugente exaudir ópido percuciente rubente

cinéreo lactescente incombusto atracto recumbente irruente detração nefário infausto mesto bájulo calcâneo procaz cons­ puir secure merídio tabescente exicial ultriz

omnímodo vesânico ínfero fautor terebrante anélito incuná­ bulo frâmea aríete nuto reato prónubo prístino mémor apro­ pinquar fulmíneo multifário ignívomo absterso virga redempto congérie ínscio exardescer piacular oblação grátulo.

 

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