Entre os séculos XV e XIX, a Europa renovou
o poder de expressão dos idiomas ocidentais, nutrindo-os,
por aculturação diacrônica, na seiva mediterrânea,
feita de grego latinizado e de latim vernaculizado. Depois, no
século XIX, o Romantismo começou a tingi-los de
reação popularizante, infensa ao gosto estético
do latim, cuja importância, como veículo universitário,
se foi limitando, pouco a pouco, à serventia intelectiva
da técnica nomenclatória. Mas não faltou,
meado o século, a repristinação da aristocracia
parnasiana, estendida ao primeiro vintênio do XX. Veio daí,
nos poetas de então, seu vocabulário de alto coturno.
Veja-se por exemplo, entre nós, o autor de Mistérios,
na mesma linha de Bilac ou de Alberto de Oliveira.
Entretanto este século XX, recortado de
guerras e traumas sociais, viu a paz do viver torvar-se gravemente,
sob a nociva constância de uma alteridade
vital que nos impede, exacerbada, a via do ensimesmar-se. O homem
de agora, tomado de saudade zoológica, refoge as altitudes
antrópicas, renegando a virtude. Ama receder à natividade
primária da competência animal, servido por uma velocidade
mecânica lúdicamente fascinante. Esmoreceram para
ele, com dupla ruína mediterrânea, o exercício
da cogitação teleológica e o exercício
tradicional do latim, cujo poder disciplinador, afiando a inteligência,
afina habilidades mentais . Não tem mais crédito,
para nós, a promessa do professor que dizia: "dê-me
um bom latinista que lhe darei nele um bom matemático".
Um homem de letras já não sente, como letrado, quanto
se lhe rebaixa, sem o latim, o patrimônio do seu recurso
expressivo. Finalmente, no momento inferior a que descemos, até
a Igreja católica já não quer sustentar,
no latim, essa língua que era mais sua que nossa.
Ante um livro do tipo Mistérios, um
leitor mediano de hoje, criado sem latim, terá de abrir
o dicionário a cada passo, mesmo para nomes que outrora
já teria sabidos, pois outrora lhe vinham ministrados,
climaticamente, na infusão iterativa da dieta
escolar. Para leitores tais se planejou êste trabalho. Cuida
de vocábulos não vulgares, registrados ou não
em dicionários vernáculos. Mesmo sem rigor exaustivo,
colheu-se deles mais de três centenas, distribuíveis
entre latinismos, grecismos latinizados, decalques franceses,
arcaísmos de vário sabor e uns tantos nomes peregrinos.
Visto o excesso da colheita, na estreiteza de um plano elementar, achamos que bastavam dois serviços:
1) alistar uma centena de latinismos do autor, como
prova de seu estilo e tempero;
2) glosar apenas uma parte, deixando o mais aos dicionários.
Recomendamos ao leitor, para o sentido elementar,
o Pequeno Dicionário Brasileiro (PDB). Estão
nele quase todos os latinismos de Mistérios.
Para mais alta inteligência, recomendamos três
dicionários etimológicos: o DEL de Ernout-Meillet
(para o latim) o DEC de Corominas (para o castelhano)
e o DEP de JP Machado (para o português).
I. Amostra dos Latinismos
evo protervo delicio clausurar ressupino úlulo
olente tintinabular recôndito delubro sérpeo crebro
incude palude deambular pando qüérulo rotundo pávido
túrgido
hígido aflar escrutar magníloquo êxul difluir eflúvio feral bestiário precito hirto mádido tábido agro noctambular iináculo lenir transfuso abluir exsurgir
armento vígil obumbrar efundir estelante íncola cérulo occiso lúrido procumbir virente albente comburente adusto algente lugente exaudir ópido percuciente rubente
cinéreo lactescente incombusto atracto recumbente irruente detração nefário infausto mesto bájulo calcâneo procaz cons puir secure merídio tabescente exicial ultriz
omnímodo vesânico ínfero fautor terebrante anélito incuná bulo frâmea aríete nuto reato prónubo prístino mémor apro pinquar fulmíneo multifário ignívomo absterso virga redempto congérie ínscio exardescer piacular oblação grátulo.
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