A fala, que manifesta Primo ante Secundo, é
uma expansão elementar ou uma notícia.
A fala expansão está próxima
do vozeio
zoológico. A fala expressão, ou fala notícia,
é um vozeio
homínico, um definido veículo da representação
mental. É um veículo fônico, e pois auditivo,
apoiado em adminículos visuais do gesto e da fisionomia.
A fala é infra-fabular e fabular. A fala
infra-fabular é a da expansão: fala meramente emocional,
espontâneamente interjectiva, numa frase tão menor
que a oração que, quando lhe toma o feitio, como
no exemplo "Deus me livre", então lhe esvazia e reduz a
peculiar veicularidade a um simples comprimido de emoção.
A fala fabular, noticiando o proceder de um procededor,
baseia a frase na oração, isto é,
numa estrutura de sujeito e predicado.
Admitido que Primo fala por frases, pode ver-se
que a frase é menor, igual ou maior que a oração.
É menor, etimologicamente menor, na fala infra-fabular,
e possível de ser menor na economia dialogal. É
igual à oração na estrutura fabular monofrástica
(unioracional) e maior que a oração na estrutura
fabular difrástica
(plurioracional).
Nota [1]: Ainda que as orações
sejam muitas, a análise revela que se arranjam duas
a duas, difrasticamente, segundo binariedade que
lhes revela o regime. Seu símbolo geral é o
binômio /A. B/ inter-oracional. É análogo
ao símbolo /a. b/ próprio da binomialidade intra-oracional.
Nota [2]: Símbolo geral é
/A.B/, da estrutura difrástica. É análogo
ao símbolo /a.b/, na estrutura intra-oracional. A frase
de plenitude fabular, firmada pelo uso, atende ao binômio
/a.b/ da oração e ao binômio /A.B/ de
um período. Na oração - regime /a.b/
diassintágmico: sintagma verbal com sintagma nominal
e os fatos endossintágmicos (centro nominal e adjuntos
adnominais)
Nota: [3]:
Relação endossintágmica (intra)
diassintágmica (inter)
monofrástica
e diafrástica (entre orações)
Monofrástica
A fala notícia tem seu modelo geral numa estrutura do
tipo Caio saiu, veículo da convivência
entre um sujeito e um predicado, suficientemente expressos pelo
nominativo N e pelo verbo V. O verbo traduz um proceder "sair"
atribuído a um procededor " Caio".
Se o verbo traduz um proceder que se projeta num
paciente (verbo transitivo), o molde fabular, em vez de o binômio
/21/ = /NV/, será um trinômio /213/ = /NVA/, "Caio
comprou casa", onde o terceiro sintagma é um acusativo
A, de paciência. Traduz o objeto do proceder, semanticamente
pedido pelo verbo projectício.
São fundamentais os três sintagmas
do molde
/213/ = /NVA/, coordenados entre si para veicular a relação
opositiva agente - processo - paciente: /1/ = /V/ representa
um proceder ativo, 2 = /N/, o procededor agente e /3/ = /A/, o
objeto paciente.
O verbo é o centro semântico da
frase verbal, coordenado aos dois outros sintagmas fundamentais.
Ora, se o verbo é o centro semântico e os sintagmas
são coordenados entre si, não tem sentido normal
a velha regra de sintaxe que manda o verbo concordar com o sujeito.
É uma velha regra logicista, que submete o verbo a uma
inexistente hierarquia do nome.
Nota [4]: A hierarquia é semântica,
é do sentido veiculado pela frase; pelo sentido veiculando
é que a fala ordena a morfia dos sintagmas, no veículo.
O fato notável é que sujeito e verbo, coordenados,
concordam entre si, formando o centro da oração,
definível esta como conveniência de um sujeito
e um predicado.
À frase verbal opõe-se a frase
nominal, cujo predicado se concentra, não no verbo,
mas no sintagma n, predicativo.
A frase nominal é pura, como na fala expansiva
ou na fala
gnômica - bela casa, vita brevis - ou então
vai temporizada por um verbo ligativo: Caio é bom.
/N n/ /N v n/.
Bela casa não é fruto de
alguma elipse de verbo, mas velha persistência de uma estrutura
indeuropéia. A frase está dizendo, com seu jeito
afetivo, o que diria o molde a casa é bela, em
frase meramente judicativa.
O que faz diferença entre a frase verbal
e a frase nominal é o poder semântico de cada uma.
A frase verbal noticia um proceder: "Caio saiu de casa ontem"
[2144]; a frase nominal porém, noticia um juízo
a respeito de um procededor: "Caio é bom". Na frase verbal,
o verbo é o centro do predicado: "(Caio) saiu de casa ontem"
/1 4 4/. Na frase nominal o centro do predicado está no
adnominal referindo ao sujeito: o verbo é um conectivo
que tem nele o situador temporal. Em vez de ser verbal, o predicado
é adnominal, podendo qualificar ("Caio é bom"),
classificar ("Caio é mineiro"), identificar ("Caio é
este").
Nota [5]: a diferença entre
o binômio do tipo Caio saiu e o trinômio
do tipo Caio comprou casa, desenvolvida na diacronia,
representa um progresso mental mediterrâneo, desde que
Primo, vivencialmente adiantado, começou a encarar,
no proceder fenomênico, a reação causa
e efeito. À fala meramente fenomênica, juntou-se
a fala causalista, como em Caio fez casa /213/.
Nota [6]: É ocioso
lembrar que estamos, por agora, tratando só do fundamental:
sintagmas que veiculam a notícia do proceder, do procededor
e do objeto. Na representação mental de Primo,
todo acontecer tem seu lugar, seu tempo e seu modo. Para situar
o evento noticiado, a fala foi criando o sintagma de situação,
o de no 4: Caio saiu de casa ontem com muita
pressa /21444/. A oração apresenta /213/
uma vez só, mas o 4 aparece quantas vezes convenham.
NV e NVA são moldes da abundância
fabular. Servem bem à fala noticiosa, que trata de alguma
coisa; é uma fala teórica, feita para outro lugar
e hora, toda reminiscente, que replena, com sintagmas fabulares,
a ausência do que não pode ser mostrado.
É outra a economia da fala pragmática,
fala presencial, cheia de aqui-agora, num teatro de coisas visíveis
e situáveis. Basta o sintagma verbal endereçado:
saio - sais, com economia vocabular do sintagma N. Constitui-se
em exemplo de tal fala o molde da fala imperativa: veni -
venite. Era assim no estado anterior e assim continua ainda
hoje - viens- venez - mesmo em língua como o
francês, que se obriga a falsificar sujeito formal até
para verbos como il pleut.
Vejamos, pois, recapitulando:
frase verbal
I a) com N incluso:
o monômio do tipo imperativa " dize" /V'/ e do
tipo " digo" "dizes" /V'/
o monômio do tipo econômico (dialogal): ("Caio vem?")
- "vem" /V'/
b) com Nominativo inexistente:
o monômio do tipo chove /'V/, que anuncia um proceder
sem formular o procededor.
II. o binômio do tipo " Caio veio" /NV/
III o trinômio do tipo "Caio comprou casa" /NVA/
frase nominal
pura /N n/ "casa bela";
temporizada /N v n/ "Caio é bom".
Nota [7]: além do símbolo
vocabular, empregaremos também o símbolo numérico,
para identificar os sintagmas, graduados na hierarquia semântica.
Até agora temos: /1/ o verbo V, /2/ o nominativo N,
/3/ o acusativo A. O número facilita a exibição
do molde frástico, exibindo a topologia dos sintagmas.
Assim "lupus vidit agnum" [o lobo vê o cordeiro] dá
o molde /213/; mas "lupum vidit agnus" [ao lobo vê o
cordeiro] é /312/.
Numa frase nominal do tipo "casa bela", o outro
sintagma, predicativo, é o nominativo /n/. Em "Caio é
bom" o verbo, mero temporizador, é o verbo v, menos que
1 e tendendo para zero. Fazendo /n/ igual a /2'/ e /v/ igual a
/0/, teremos:
casa bela /N n/ ou /2 2'/
Caio é bom /N v n/ ou / 202'/
era bela a nossa casa. /vnN/ ou /02'2/
Sintagmas Situadores
Os sintagmas fundamentais podem noticiar um proceder,
o procededor e a projeção do proceder. Mas todo
proceder, vivencialmente mentado por Primo, tem situação
que é
teatral, no espaço
temporal, na sucessão
modal, na figura.
Daí a fala tomar sintagmas adminiculares, noticiadores
da circunstância.
A classificação deles é um
problema para o lingüista que se motive, como deve, no fato
de que a fala é uma expressão do homem e não
da coisa. Um veículo tradicional dos mentados homínicos
e não da realidade externa, fenomênica. Ela tinge-se
de matizes pessoais, moldeada segundo o poder individual de conceituar
a coisa e de lhe selecionar, como aspecto e situação,
quanto lhe julgue suficiente ou necessário.
O fundamental tem certa firmeza, tendo passado
a fundamental porque assim o determinou e fixou não só
a iteração fenomênica, mas também a
iteração fabular, capaz de assim garantir a forma
de certas idéias.
O circunstancial, porém, é mais variado
e menos repercussivo, por menos captado e menos insistentemente
confirmado pela veiculagem fabular.
Tomemos para exemplo a questão da diferença
entre um objeto indireto, um complemento verbal e um adjunto adverbial.
Seu pé lingüístico atual é inteiramente
manco, por estar preso a duas ou três imbecilidades metódicas
(tomando-se aqui imbecilidade no sentido em que se opõe
a firmeza e que vem, só ele, no dicionário
de Morais). Nutre-se tal fraqueza: numa viciada conceituação
tradicional do dativo latino; na idéia formal de um regime,
que no latim marcava acusativo e ablativo mas que no pós-românico
se alastrou, invasoramente, sem lei nem modo, ao ter de compensar,
na sua hipomorfia, a endereçada polimorfia do estado romano.
Ajunte-se ainda, com sua vigência, o nosso pertinaz viés
metódico de não discriminar bem entre o veículo
fabular e o veículado mental, confundindo
na mistura o signo fabular, a idéia significada (fruto
vivencial) e a coisa anterior (estímulo vital), e atribuindo
a pormenores da estrutura veicular certas valias que lá
não cabem, por estarem sobre si mesmas, na tradição
geral do sentido.
Preferimos ladear a questão, fugindo a nomenclatura
usual, nomeando os sintagmas à latina, e simbolizados numericamente.
Evitamos assim um impasse muito antigo, modernamente agravado
pelos sincronistas e estruturalistas, que andam por aí,
novos devotos do Port-Royal, aperreando uma classificação
impossível, dentro do seu regressismo logicista. É
melhor ser diacronista, ser histórico e recessivo, buscando
a figura tradicional da frase da fala e os moldes virtuais do
patrimônio língua, na figura de seus estados anteriores,
pelo menos entre o romano e o pós-românico, na nave
etimológica, do português ao romance e do romance
ao latim.
Sintagma /4/
Mediante a cooperação do comércio
fabular, o homem, dominando melhor os contatos vitais, foi apurando
o teor de sua hominidade, sua consciência do mundo, seu
internato mental de figuras que foi ordenando no espaço
e no tempo: o espaço da coisa e o tempo do homem.
O poder de situar no tempo é uma conquista
mais recente, como se vê na etimologia
da fala indeuropéia. Seu verbo de há 40 séculos
era, como na fala de um tribal contemporâneo, um veículo
capaz de riqueza aspectiva, mas pobre de morfemação
temporal - utilidade paulatinamente instalada, na marcha diacrônica
do grupo. Outro sinal da antiga hipocronia
vem no fato de que já estavam servindo, na topologia espacial,
vocábulos que passaram à função de
situar no tempo. É vistamente visível, na conversão
anafórica, essa acumulação funcional:
vocábulos dícticos, apontadores do espaço
teatral, recebem a função remissiva de também
apontar ao espaço fabular, espaço temporal feito
de sucessão. A anaforia imita a díctica, levando
para a alusão fabular, que é no tempo, a alusão
teatral, que é no espaço. Imaginemos que diga Primo
a Secundo
"esse homem", cumpre ver, pelo contexto, que o "esse" é
teatral e díctico - "o homem que está perto, ao
encontro, de ti" - ou então, se fabular e anafórico
- "o homem de que estou falando".
Além do situador espacial, "Caio
saiu de casa", e do situador temporal, "Caio
saiu ontem", fica o situador analógico, feito
à semelhança dos dois outros, veículo de
uma relação mental ou não - espacial: "Caio
saiu apressadamente".
Multiplicando, no molde, os situadores, a expressão
fabular pode dar numa frase como "Caio saiu de casa ontem apressadamente".
Para situar um proceder, a morfia fabular romana
tinha recurso no locativo, no ablativo e no acusativo: est
ruri, "está no campo"; rediit rure, "veio
do campo"; rediit rus, "foi para o campo". Ou então,
para o tempo: venit heri, "veio ontem"; venit tertio
die, "veio no terceiro dia"; vixit unum diem, "viveu
um dia".
Para o situador analógico, houve um caso,
o instrumental, indicialmente exibido na fase arcaica do latim.
Foi sendo absorvido, como também o locativo, pelo ablativo.
É sintagma do tipo instrumental o ablativo dos exemplos
"pugnavit cum gládio" / "combateu com espada ";
"rediit domum cum febri" / "voltou com febre a casa".
Visto que o situador analógico, por sutil
e abstrato, é um sintagma que pede mais nível homínico,
fica parecendo antinômica, na fase proto-histórica,
a presença de um caso a ele apropriado. Não nos
esqueça, todavia, que desde cedo se cristalizou, no homo
faber, a noção de instrumento, noção
aliás muito sensível e especializável, como
se pode ver no exemplo "combateu com espada". A partir daí
é que se deve ter chegado à inespacialidade modal
do exemplo "voltou com febre a casa". Ou do exemplo "hoc fecit
lenta mente" / "fê-lo com espírito lento", analogia
instrumental de um ablativo "mente ", cujo destino histórico,
por crescente hipossemia, vai acabar na morfemização
desinencial do nosso "lentamente".
Entregue a dois casos que os lingüistas franceses
chamam de concretos, a função de situar, distribuída
neles, tomou conformidade com o sentido do movimento e a posição
de não movimento: para o termo do movimento o acusativo
de "vai ao campo / it rus ". Para a origem do movimento,
o ablativo de "sai do campo / it rure ". Para o não
movimento o ablativo de "está no campo / est rure ".
Não se confunda o acusativo de situação
/ac 4/ com o Acusativo de paciência /A 3/. Nem se conserve,
entre professores de latim, a impertinência de concentrar
na idéia de objeto direto a noção de acusativo,
a ponto de ficar parecendo exceção o acusativo de
circunstância. A única intenção que
pomos, no / A / maiúsculo do Acusativo de paciência,
é vincar, entre os sintagmas fundamentais, a semântica
preeminência que o tempo lhe deu, não porém
uma preeminência de uso, que não existe.
Um exemplo como "viveu um dia / vixit unum
diem " está mostrando que o português é
uma persistência do latim, um estado posterior da mesma
língua. Não se trata de duas línguas. Instalado
na Ibéria, o latim, sem perder a identidade, andou seu
caminho, cresceu sua idade, mudou seu aspecto, como acontece ao
que existe no tempo e vai perlongando emergências de sua
marcha. No caso da língua: analogias persistências
opções esquecimentos inovações renovações.
Viveu um dia não é tradução
mas simples tradição bimilenar de vixit unum
diem. É a mesma frase, metida no seu molde, com os
mesmos sintagmas, em dois momentos diacrônicos distantes,
mudanças do aspecto mórfico no vozeio, do aspecto
sintágmico nas estruturas, do aspecto patrimonial na riqueza
- tudo isso constitui a própria história de uma
língua, lingüisticamente perqüirenda. Não
deve admirar que seja maior a diferença, entre o século
XX e o século I, do que entre o século XX e o século
XV.
Chamar de português ao que se chamava latim
foi um mero fato nativista, que não cria entidade e não
dá existência, visto lhe faltar a razão metódica
ou razão dos fatos, e não lhe chegar para tanto
o seu motivo sentimental.
Estudar o português na sua identidade histórica
e na sua legitimidade patrimonial é receder pela sua diacronia,
século a século, pelo menos até Plauto, no
latim histórico.
Não desejo que me atribuam retórica
sentimental, numa afirmação honestamente técnica,
de substância estritamente lingüística. Se alguma
excitação acaso suscitar, debite-se ela à
nossa vigente versatilidade, agora que o latim escolar está
sendo despejado de sua casa escolar, enquanto nos sopra, do sertão
nativo, transfeito em sertão federal, seu persistente vento
nativista, insinuador da equação nacionalismo x
bugrismo.
Sintagma 5
Simbolizando por 1, por 2 e por 3, respectivamente,
o verbo V da frase verbal, o nominativo N ou sujeito e o acusativo
A do objeto direto, será 4 o sintagma seguinte, situador
do proceder noticiado no verbo, morficamente endereçado
como acusativo ou ablativo. "Caio saiu de casa ontem apressadamente"
é uma frase cujo molde fabular é /21444/ e "Caio
comprou de Lúcio, na semana passada, uma casa no Flamengo,
por dez milhões", /2144344/.
Os outros valores declináveis da língua
indeuropéia são o dativo, o vocativo e o genitivo.
Embora desaparecido no pós-românico,
o dativo /5/ deixou persistência na declinação
pronominal: "Eu lhe disse a verdade" /2513/. "Não me respondeu"
/51/. "Negaram-te abrigo" /153/. "Faça-nos tal favor" /153/.
"Isso vos é indiferente" /2502'/.
Não persistiu no pós-românico
o dativo de objeto indireto, gramatiqueiramente o mais notado
dos dativos. Foi trocado, romanicamente, por um acusativo analógico:
em vez de "dedit librum Lucio" /135/ passou a usar-se "dedit librum
ad Lucium" /134/, molde fabular que o tempo não mudou,
apenas lhe desgastando a morfia sintágmica, deu um
livro a Lúcio /134/.
Nota [8]: Venho pesquisando, como
professor de latim, faz muitos anos, a veicularidade semântica
do dativo. O único matiz que lhe parece peculiar é
traduzir o interesse de alguém no proceder noticiado:
est tibi pater /152/[é pai a ti], da
mihi panem /153/[dá a mim pão]. Fora daí,
sutil e supérfluo, é quase como um suplente
do acusativo/ablativo, preferidamente nalguma relação
mental ou analógica. Por não ser preposicionável,
parece, faltou-lhe melhor conveniência com aquela sensoriedade
concreta, espacial ou temporal, do sintagma situador. Sua
leveza funcional, notoriamente boa no latim clássico,
foi leveza que se fez anemia mortífera quando, com
a invasão primária e báltica da incultura,
baixou rasteira, sobre o Império, a concretice mental,
no fim do Império Romano.
Sintagma 6
O vocativo /Voc/ é um sintagma autônomo,
estruturalmente desimpedi-do, na frase. Tem jeito de caso antigo,
presente já, na origem da fala pragmática. Seu morfema
zero, sintoma de sua autonomia fabular, emparelha-o, nisso, com
o presente do imperativo. É tão livre que, sozinho,
faz frase, concentrado num vozeio
de convocação, parecendo-se, dentro de semelhante
estrutura infra-fabular, com os vozeios expansivos do tipo "fogo"
ou "socorro". É um sintagma sem dificuldades.
Sintagma 7 - Sub Sintagma 7, latino
Falando em sub-sintagma 7, pensamos mais no genitivo
adnominal gt: "ali fremem os ventos, com grande murmúrio
do monte" / "illic fremunt venti, magno cum murmure
montis" /412 4.7/
Nota: [9]: a frase é de Vergílio,
[Aen 1.55], mas interpolada pelo recitador.
Cumpre notar que o genitivo latino podia ser também
elemento adverbal, funcionando como situador analógico,
isto é, como sintagma 4: "memini mortuorum / lembro-me
dos mortos"/14/. "Quanti emisti / por quanto comprastes" /41/.
"Tantae molis erat romanam cóndere gentem [Aen 1.33] /
de tanta grandeza era fundar a nação romana" /41(23)/
Entretanto, no próprio latim, o genitivo
adverbal representa uma persistência limitada,
vista sua importância adnominal. Sua morfia desapareceu
no pós-românico, cedendo ele ao ablativo a sua veicularidade
semântica. Em vez de "domus patris" o romance generalizou
o tipo "domus de patre", molde que se adaptou em "casa do pai",
graças à opção vocabular "casa" e
ao reforço anafórico do artigo.
Desaparecendo a forma, não porém
a veiculagem semântica, preferimos guardar a denominação
de "genitivo", para que fique bem marcada a mais típica
das funções adnominais, primariamente adnominal
e intra-sintágmica, ponto de um contraste metodicamente
fecundo, visto que ser elemento adverbal é ser
sintagma, não passando de sub-sintagma
o elemento adnominal. Em "cunctus pelagi cecidit fragor
[Aen 1.154] / cessou todo o fragor do mar" /1 2.7/, frase de apenas
dois sintagmas, o genitivo "do mar / pelagi" é um sub-valor
dentro do sintagma "todo o fragor do mar", que se junta, como
N, ao V cessou.
Essa função adnominal ou intra-sintágmica
pode caber a outros casos, primariamente no aposto, secundariamente
a elementos outrora adverbais, semantizados pela atração
nominal [1]:
O professor Caio saiu /22'1/
Vi o professor Caio /13.3'/
O sol na agonia esbraseia o ocidente / 24'13/
Tomou uma resolução agradável a todos
/1 3.4'/
Resumo
I. Elemento verbal da frase
Em vidit lupus agnum / "viu o lobo ao cordeiro" /123/,
o verbo é vidit / viu. É o sintagma do
verbo V, sintagma nº /1/, veículo de um proceder,
centro do predicado.
II-VI Elementos adverbais
II lupus vidit agnum. / o lobo vê
o cordeiro /213/. Sintagma nº /2/. Nominativo N.
Noticia o procededor
III lupum vidit agnus / ao lobo vê
o cordeiro /312/. Sintagma n º /3/. Acusativo
/A/ de paciência.
IV in lupum venit pastor / contra o lobo
vem o pastor /412 /; a lupo fugit agnus / do lobo
foge o cordeiro /412/ Sintagma nº 4. Sintagma
situador em forma de acusativo ac ou de ablativo ab
V lupo erat magna fames / (ao lobo) era-lhe
grande a fome /512/ Sintagma nº 5. dativo dt,
situador.
VI lupe, quid fecisti? / lobo, que fizeste?
/631/. Sintagma nº 6. Vocativo Voc
VII. Elemento adnominal
lupi fames erat magna / a fome do lobo
era grande /.72 02'/ era grande a fome do lobo " /02'24/
Sub-sintagma 7, valor intra-sintágmico,
especialmente o genitivo gt
Nota [10]: O genitivo é um
resíduo clássico: quanti emisti? /4
1/, isto é, com função adverbal.
Comum é o genitivo adnominal, parcela do sintagma:
in domo patris mei / "na casa de meu pai" /4 4' 4''/
LIÇÃO GERAL
A frase indeuropéia conta, pois, na fase
histórica, seis tipos de sintagma: três tipos fundamentais
/V N A/ dois tipos de situador, ac-ab e dt-gt, e um tipo autônomo
/Voc/. Qualquer deles admite a presença adnominal do sub-sintagma
7, menos o verbo V, centro semântico da frase verbal, rodeado
de adverbais que, por adverbais, são sintagmas.
A tradição inter-individual, com
a força do uso, instala os moldes fabulares, com seus devidos
sintagmas, enriquecendo quem fala, segundo proposições
de sua capacidade e experiência. O problema do número
de sintagmas presentes numa frase, além de estar condicionado
a emergências teatrais, depende do estilo fabular do grupo
e do estilo fabular de Primo. Divide-se entre o uso comum, economia
geral do grupo, e o uso peculiar de alguém, economia particular
do indivíduo.
O molde fabular da frase pode ter uma amplitude
que varia, desde a feição monossintágmica
do tipo "sim" até à feição polissintágmica
da frase-oração e da frase pluri-oracional.
Imaginemos, para exemplo, este diálogo:
Caio comprou casa? /213/
Sim /4/
De quem? /4/
Comprou-a de Lúcio, no ano passado, com
facilidade, no Flamengo, a prestação, para sua residência.
/13444444/
As frases "sim" e "de quem" são monossintágmicas.
São frases-sintagmas, próprias do momento seguinte,
na economia dialogal, diversas do sintagma-frase, próprio
da manifestação infra-fabular: "cruz credo", "Nossa
Senhora", "Deus me livre", "socorro".
A última frase [do diálogo], além
de dois sintagmas fundamentais, tem nada menos de seis situadores.
Isso nos faz lembrar que, dentro de cada molde
oracional, sendo plúrimo o lugar do situador nº 4,
é síngulo porém o lugar dos sintagmas fundamentais.
O sujeito e o objeto direto (2 e 3) podem ser compostos; mas o
sintagma V nem isso, mesmo que seja composta a forma verbal.
Nota [11]: Fernando de Saussure, por
haver antinomizado a língua e a fala, perdeu o ensejo
de um grande achado. Bastaria motivar-se no admitido fato
de que a língua vem da fala, para que visse
que são da língua, a partir da fala,
os moldes fabulares: o molde frástico, o molde
prolatório, o molde sintágmico. São feitios
da língua, devidamente definidos e atuantes. São
valores que a fala vai moldando e que, feitos, entrega ao
patrimônio da língua. Depois deles, num segundo
plano realmente secundário, vem, como cabedal miúdo,
o patrimônio léxico, o armazém daqueles
vocábulos que o saussurismo erigiu, enganadamente,
em primeira unidade da língua.
Junto à simbolização vocabular
dos sintagmas, tem suas vantagens a simbolização
numérica (simbolização vocabular /NVA/, simbolização
numérica /213/, para "Caio comprou casa".):
1 - evita-se a dificuldade histórica de
saber se tal ou qual situador corresponde a um acusativo e não
um ablativo;
2 - foge-se à dificuldade categórica
da função que oscile entre objeto indireto complemento
verbal e adjunto adverbial;
3 - é uma segura e sintética análise
sintática;
4 - vincando a visão topológica da
frase, realça o molde fabular, como um quase convite aos
exercícios do estilo, ao confronto de opções
na estrutura:
"a lua banha a solitária estrada" /213/
"a lua a estrada solitária banha" /231/
Interpretando funções é que
o docente mostra as relações que a frase tem:
1 - parafraseando a veicularidade geral do veículo,
na sua consonância com o veiculado;
2 - anatomizando o veículo, identificando
em sintagmas, satélites da órbita verbal;
3 - identificando os sub-sintagmas functores da
órbita nominal;
4 - submetendo a estrutura e o trânsito dos
sintagmas ao exame da constância binomial. No trânsito
endofrástico dos sintagmas a constância /a. b/. No
trânsito diafrástico do período composto,
a constância binomial /A. B/, relacionando as orações.
O melhor nome para a análise fabular é
o de análise binomial [2].
São imperfeitos, são impertinentes, nomes como análise
gramatical, análise lógica, análise léxico-sintática.
ANÁLISE BINOMIAL
A economia da frase tem de ser analisada pela interpretação
das funções, pois não pode caber na classificação
lógica da rotina gramatical, quando tenta exatidão
impossível.
Já foi dito que a gramática não
pode ser como um compêndio de lógica. Diacronicamente,
para o homem cotidiano, a fala tem sido uma epifania
de vivência
psicológica.
1 - Examinando funções, identificamos
uma órbita verbal, rodeada de satélites: centro
semântico é o sintagma verbal; em torno dele, os
sintagmas nominais. É a economia diassintágmica
da frase. Em Caio comprou casa" /213/, o efeito semântico
de "comprou" (um proceder) lembra o procededor Caio
e o paciente do proceder casa. Economia diassintágmica.
2 - Identificamos também a órbita
nominal do sintagma. Em seu centro semântico está
um nome, rodeado de functores adnominais, que são
parcelas dele. Economia endossintágmica. Ex: "Caio comprou
uma bela casa de campo ". O molde é o mesmo /213/.
Mas o sintagma /3/, plurivocabular, merece análise particular.
Consta de um centro casa, rodeado de functores adnominais:
dois são coordenados, mas é subordinado o terceiro.
O número /3/, que é do sintagma, simboliza o centro
nominal. Três com uma plica e o quatro também marcado
simbolizam os adnominais assim: /3' 3' 3 4'/. Com o sintagma verbal
/1/ e os satélites nominais /2/ /3/, /4/, /5/, /6/, toda
uma frase mostra as unidades que tem: uma verbal e tantas nominais.
No sintagma nominal plurivocabular podemos, simbolizando,
identificar, junto do centro, como parcelas, os adnominais que
tenha: situadores e aspectivos - centros nominais em função
adnominal (casa de campo. /3 4'/).
Dissemos que a simplificação numérica
permite evitar, na área /4/, os conflitos que pode provocar,
semanticamente, a resistência dos sintagmas, infiéis
a exatidões, do tipo objeto indireto, complemento verbal,
adjunto adverbial. Não se quer dizer que o docente evite
assinalar tais matizes e tais etiquetas. O que não deve
é tentar impô-las segundo um plano categórico,
sobretudo para discentes imaturos, destinados primeiro à
tomada de posse da língua. Vem depois a tomada de consciência.
Para o docente sim, com sua capacidade profissional, a miúda
consciência da língua (para além da posse)
deve ser a constante preocupação. Bom senhor do
ofício é o que se busca aprofundar nos fatos da
língua, acertando discrimes de morfologia e semântica,
roteando vias diacrônicas, configurando efeitos psicológicos,
peculiares ou aculturantes. Pela história de uma estrutura
fabular é que se pode descobrir, em frase do tipo saiu
de casa, porque o situador 4 nos parece emergente, e como
que desnecessário à plenitude semântica do
verbo, ao passo que nos parece imposto, semanticamente, como quase
projeção do verbo, o situador da frase "gosto do
Rio", "vim da rua", "mora aqui".
Anote o observador minúcias tais, na área
do veiculado, mas não lhe esqueça que o
que está analisando é o veículo,
uma estrutura de morfias. Em saiu de casa e em gosto
do Rio, o segundo sintagma é um ablativo, situador
nº 4. A diversa densidade semântica é um problema
fabular, não porém do veículo e sim da veiculagem.
Já é tempo de clarear umas tantas
noções que Saussure entreachara, como no caso do
signo, que diz ser união de um conceito e de uma imagem
acústica, Curso [Saussure, 1960, p. 98/ 1969,
p. 80]. [3]
Além de reduzir o signo fabular a signo vocabular,
fica parecendo que ele consta de duas partes - conceito e imagem
- quando, em verdade, signo é só o valor fônico,
veículo de um veiculado. É um vozeio
que, atual na fala como sintagma, vive potencial no espírito
como recurso. É um fruto vivencial daquela análise
por que Secundo
Primo transfaz os valores da fala em valores da língua.
1. Caio saiu |
/2 1 / |
binômio coordenado /a
x b/
regime fabular zero = regime semântico.
Caius exiit - coordenação conveniente,
morfemas fabulares.
Caio saiu - sintagma verbal morficamente claro.
Ausência de morfema em /2/ [Nominativo] permite o
valor topomorfêmico ou de posição. |
2. Caio
saiu de casa |
/2 1 4/ |
dois binômios: Caio
saiu /2 1/ + saiu de casa /1 4/, um coordenado,
o outro, subordinado.
Os dois binômios são endofrásticos:
ficam dentro da mesma oração.
Regime fabular: de
símbolo x introduz a subordinação
|
3. Caio
comprou casa |
/2 1 3/ |
trinômio coordenado
regime zero = regime semântico
dois binômios: Caio comprou /2 1/ + comprou
casa /1 3/
o verbo é o regente semântico de 2 em /2 1/
e de 3 em /1 3/
Cf.
o monômio /'1/ na frase "chove"
o binômio /2 1/ em "Caio saiu"
o trinômio /2 1 3/ em "Caio comprou casa."
São estruturas fundamentais da língua indeuropéia,
com sintagmas coordenados entre si no binômio e no
trinômio. Persiste o seu regime semântico nos
idiomas pós-românicos ou neolatinos |
4. viveu
um dia |
/1 4/ |
Mesmo com a coordenação
fabular (regime zero). o sintagma nominal é visto
como subordinado em português. A estrutura é
uma lembrança pós-românica do romano
vixit unum diem, resto de uma possibilidade paratáctica
do pré-romano. O verbo não é projectício
nem é fundamental o sintagma que o segue.
Não é acusativo de paciência, mas de
situação. " Quanto tempo viveu? -Viveu
um dia.
Confrontar essa frase com a frase Caio
viveu longa vida /2 1 3/, onde o verbo se fez transitivo,
completado por um acusativo etimológico. O
mesmo acontece na frase Caio dormiu longo sono
/2 1 3/, onde o acusativo 3 é um cognato semântico
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