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Lingüística e Filosofia da Linguagem
Livro Da Vida à Vivência - Conceitos de Lingüística Fabular

ESTRUTURA DA FRASE [*]

 

A fala, que manifesta Primo ante Secundo, é uma expansão elementar ou uma notícia.

A fala expansão está próxima do vozeio zoológico. A fala expressão, ou fala notícia, é um vozeio homínico, um definido veículo da representação mental. É um veículo fônico, e pois auditivo, apoiado em adminículos visuais do gesto e da fisionomia.

A fala é infra-fabular e fabular. A fala infra-fabular é a da expansão: fala meramente emocional, espontâneamente interjectiva, numa frase tão menor que a oração que, quando lhe toma o feitio, como no exemplo "Deus me livre", então lhe esvazia e reduz a peculiar veicularidade a um simples comprimido de emoção.

A fala fabular, noticiando o proceder de um procededor, baseia a frase na oração, isto é, numa estrutura de sujeito e predicado.

Admitido que Primo fala por frases, pode ver-se que a frase é menor, igual ou maior que a oração. É menor, etimologicamente menor, na fala infra-fabular, e possível de ser menor na economia dialogal. É igual à oração na estrutura fabular monofrástica (unioracional) e maior que a oração na estrutura fabular difrástica (plurioracional).

Nota [1]: Ainda que as orações sejam muitas, a análise revela que se arranjam duas a duas, difrasticamente, segundo binariedade que lhes revela o regime. Seu símbolo geral é o binômio /A. B/ inter-oracional. É análogo ao símbolo /a. b/ próprio da binomialidade intra-oracional.

Nota [2]: Símbolo geral é /A.B/, da estrutura difrástica. É análogo ao símbolo /a.b/, na estrutura intra-oracional. A frase de plenitude fabular, firmada pelo uso, atende ao binômio /a.b/ da oração e ao binômio /A.B/ de um período. Na oração - regime /a.b/ diassintágmico: sintagma verbal com sintagma nominal e os fatos endossintágmicos (centro nominal e adjuntos adnominais)

Nota: [3]:
Relação endossintágmica (intra)
diassintágmica (inter)
monofrástica e diafrástica (entre orações)

 

Monofrástica

A fala notícia tem seu modelo geral numa estrutura do tipo Caio saiu, veículo da convivência entre um sujeito e um predicado, suficientemente expressos pelo nominativo N e pelo verbo V. O verbo traduz um proceder "sair" atribuído a um procededor " Caio".

Se o verbo traduz um proceder que se projeta num paciente (verbo transitivo), o molde fabular, em vez de o binômio /21/ = /NV/, será um trinômio /213/ = /NVA/, "Caio comprou casa", onde o terceiro sintagma é um acusativo A, de paciência. Traduz o objeto do proceder, semanticamente pedido pelo verbo projectício.

São fundamentais os três sintagmas do molde /213/ = /NVA/, coordenados entre si para veicular a relação opositiva agente - processo - paciente: /1/ = /V/ representa um proceder ativo, 2 = /N/, o procededor agente e /3/ = /A/, o objeto paciente.

O verbo é o centro semântico da frase verbal, coordenado aos dois outros sintagmas fundamentais. Ora, se o verbo é o centro semântico e os sintagmas são coordenados entre si, não tem sentido normal a velha regra de sintaxe que manda o verbo concordar com o sujeito. É uma velha regra logicista, que submete o verbo a uma inexistente hierarquia do nome.

Nota [4]: A hierarquia é semântica, é do sentido veiculado pela frase; pelo sentido veiculando é que a fala ordena a morfia dos sintagmas, no veículo.

O fato notável é que sujeito e verbo, coordenados, concordam entre si, formando o centro da oração, definível esta como conveniência de um sujeito e um predicado.

À frase verbal opõe-se a frase nominal, cujo predicado se concentra, não no verbo, mas no sintagma n, predicativo.

A frase nominal é pura, como na fala expansiva ou na fala gnômica - bela casa, vita brevis - ou então vai temporizada por um verbo ligativo: Caio é bom. /N n/ /N v n/.

Bela casa não é fruto de alguma elipse de verbo, mas velha persistência de uma estrutura indeuropéia. A frase está dizendo, com seu jeito afetivo, o que diria o molde a casa é bela, em frase meramente judicativa.

O que faz diferença entre a frase verbal e a frase nominal é o poder semântico de cada uma. A frase verbal noticia um proceder: "Caio saiu de casa ontem" [2144]; a frase nominal porém, noticia um juízo a respeito de um procededor: "Caio é bom". Na frase verbal, o verbo é o centro do predicado: "(Caio) saiu de casa ontem" /1 4 4/. Na frase nominal o centro do predicado está no adnominal referindo ao sujeito: o verbo é um conectivo que tem nele o situador temporal. Em vez de ser verbal, o predicado é adnominal, podendo qualificar ("Caio é bom"), classificar ("Caio é mineiro"), identificar ("Caio é este").

Nota [5]: a diferença entre o binômio do tipo Caio saiu e o trinômio do tipo Caio comprou casa, desenvolvida na diacronia, representa um progresso mental mediterrâneo, desde que Primo, vivencialmente adiantado, começou a encarar, no proceder fenomênico, a reação causa e efeito. À fala meramente fenomênica, juntou-se a fala causalista, como em Caio fez casa /213/.

Nota [6]: É ocioso lembrar que estamos, por agora, tratando só do fundamental: sintagmas que veiculam a notícia do proceder, do procededor e do objeto. Na representação mental de Primo, todo acontecer tem seu lugar, seu tempo e seu modo. Para situar o evento noticiado, a fala foi criando o sintagma de situação, o de no 4: Caio saiu de casa ontem com muita pressa /21444/. A oração apresenta /213/ uma vez só, mas o 4 aparece quantas vezes convenham.

NV e NVA são moldes da abundância fabular. Servem bem à fala noticiosa, que trata de alguma coisa; é uma fala teórica, feita para outro lugar e hora, toda reminiscente, que replena, com sintagmas fabulares, a ausência do que não pode ser mostrado.

É outra a economia da fala pragmática, fala presencial, cheia de aqui-agora, num teatro de coisas visíveis e situáveis. Basta o sintagma verbal endereçado: saio - sais, com economia vocabular do sintagma N. Constitui-se em exemplo de tal fala o molde da fala imperativa: veni - venite. Era assim no estado anterior e assim continua ainda hoje - viens- venez - mesmo em língua como o francês, que se obriga a falsificar sujeito formal até para verbos como il pleut.

Vejamos, pois, recapitulando:

frase verbal

I a) com N incluso:
o monômio do tipo imperativa " dize" /V'/ e do tipo " digo" "dizes" /V'/
o monômio do tipo econômico (dialogal): ("Caio vem?") - "vem" /V'/
b) com Nominativo inexistente:
o monômio do tipo chove /'V/, que anuncia um proceder sem formular o procededor.

II. o binômio do tipo " Caio veio" /NV/

III o trinômio do tipo "Caio comprou casa" /NVA/

frase nominal

pura /N n/ "casa bela";
temporizada /N v n/ "Caio é bom". 

Nota [7]: além do símbolo vocabular, empregaremos também o símbolo numérico, para identificar os sintagmas, graduados na hierarquia semântica. Até agora temos: /1/ o verbo V, /2/ o nominativo N, /3/ o acusativo A. O número facilita a exibição do molde frástico, exibindo a topologia dos sintagmas. Assim "lupus vidit agnum" [o lobo vê o cordeiro] dá o molde /213/; mas "lupum vidit agnus" [ao lobo vê o cordeiro] é /312/.

Numa frase nominal do tipo "casa bela", o outro sintagma, predicativo, é o nominativo /n/. Em "Caio é bom" o verbo, mero temporizador, é o verbo v, menos que 1 e tendendo para zero. Fazendo /n/ igual a /2'/ e /v/ igual a /0/, teremos:

casa bela /N n/ ou /2 2'/
Caio é bom /N v n/ ou / 202'/
era bela a nossa casa. /vnN/ ou /02'2/


Sintagmas Situadores

Os sintagmas fundamentais podem noticiar um proceder, o procededor e a projeção do proceder. Mas todo proceder, vivencialmente mentado por Primo, tem situação que é

teatral, no espaço
temporal, na sucessão
modal, na figura.

Daí a fala tomar sintagmas adminiculares, noticiadores da circunstância.

A classificação deles é um problema para o lingüista que se motive, como deve, no fato de que a fala é uma expressão do homem e não da coisa. Um veículo tradicional dos mentados homínicos e não da realidade externa, fenomênica. Ela tinge-se de matizes pessoais, moldeada segundo o poder individual de conceituar a coisa e de lhe selecionar, como aspecto e situação, quanto lhe julgue suficiente ou necessário.

O fundamental tem certa firmeza, tendo passado a fundamental porque assim o determinou e fixou não só a iteração fenomênica, mas também a iteração fabular, capaz de assim garantir a forma de certas idéias.

O circunstancial, porém, é mais variado e menos repercussivo, por menos captado e menos insistentemente confirmado pela veiculagem fabular.

Tomemos para exemplo a questão da diferença entre um objeto indireto, um complemento verbal e um adjunto adverbial. Seu pé lingüístico atual é inteiramente manco, por estar preso a duas ou três imbecilidades metódicas (tomando-se aqui imbecilidade no sentido em que se opõe a firmeza e que vem, só ele, no dicionário de Morais). Nutre-se tal fraqueza: numa viciada conceituação tradicional do dativo latino; na idéia formal de um regime, que no latim marcava acusativo e ablativo mas que no pós-românico se alastrou, invasoramente, sem lei nem modo, ao ter de compensar, na sua hipomorfia, a endereçada polimorfia do estado romano. Ajunte-se ainda, com sua vigência, o nosso pertinaz viés metódico de não discriminar bem entre o veículo fabular e o veículado mental, confundindo na mistura o signo fabular, a idéia significada (fruto vivencial) e a coisa anterior (estímulo vital), e atribuindo a pormenores da estrutura veicular certas valias que lá não cabem, por estarem sobre si mesmas, na tradição geral do sentido.

Preferimos ladear a questão, fugindo a nomenclatura usual, nomeando os sintagmas à latina, e simbolizados numericamente. Evitamos assim um impasse muito antigo, modernamente agravado pelos sincronistas e estruturalistas, que andam por aí, novos devotos do Port-Royal, aperreando uma classificação impossível, dentro do seu regressismo logicista. É melhor ser diacronista, ser histórico e recessivo, buscando a figura tradicional da frase da fala e os moldes virtuais do patrimônio língua, na figura de seus estados anteriores, pelo menos entre o romano e o pós-românico, na nave etimológica, do português ao romance e do romance ao latim.

 

Sintagma /4/

Mediante a cooperação do comércio fabular, o homem, dominando melhor os contatos vitais, foi apurando o teor de sua hominidade, sua consciência do mundo, seu internato mental de figuras que foi ordenando no espaço e no tempo: o espaço da coisa e o tempo do homem.

O poder de situar no tempo é uma conquista mais recente, como se vê na etimologia da fala indeuropéia. Seu verbo de há 40 séculos era, como na fala de um tribal contemporâneo, um veículo capaz de riqueza aspectiva, mas pobre de morfemação temporal - utilidade paulatinamente instalada, na marcha diacrônica do grupo. Outro sinal da antiga hipocronia vem no fato de que já estavam servindo, na topologia espacial, vocábulos que passaram à função de situar no tempo. É vistamente visível, na conversão anafórica, essa acumulação funcional: vocábulos dícticos, apontadores do espaço teatral, recebem a função remissiva de também apontar ao espaço fabular, espaço temporal feito de sucessão. A anaforia imita a díctica, levando para a alusão fabular, que é no tempo, a alusão teatral, que é no espaço. Imaginemos que diga Primo a Secundo "esse homem", cumpre ver, pelo contexto, que o "esse" é teatral e díctico - "o homem que está perto, ao encontro, de ti" - ou então, se fabular e anafórico - "o homem de que estou falando".

Além do situador espacial, "Caio saiu de casa", e do situador temporal, "Caio saiu ontem", fica o situador analógico, feito à semelhança dos dois outros, veículo de uma relação mental ou não - espacial: "Caio saiu apressadamente".

Multiplicando, no molde, os situadores, a expressão fabular pode dar numa frase como "Caio saiu de casa ontem apressadamente".

Para situar um proceder, a morfia fabular romana tinha recurso no locativo, no ablativo e no acusativo: est ruri, "está no campo"; rediit rure, "veio do campo"; rediit rus, "foi para o campo". Ou então, para o tempo: venit heri, "veio ontem"; venit tertio die, "veio no terceiro dia"; vixit unum diem, "viveu um dia".

Para o situador analógico, houve um caso, o instrumental, indicialmente exibido na fase arcaica do latim. Foi sendo absorvido, como também o locativo, pelo ablativo. É sintagma do tipo instrumental o ablativo dos exemplos "pugnavit cum gládio" / "combateu com espada "; "rediit domum cum febri" / "voltou com febre a casa".

Visto que o situador analógico, por sutil e abstrato, é um sintagma que pede mais nível homínico, fica parecendo antinômica, na fase proto-histórica, a presença de um caso a ele apropriado. Não nos esqueça, todavia, que desde cedo se cristalizou, no homo faber, a noção de instrumento, noção aliás muito sensível e especializável, como se pode ver no exemplo "combateu com espada". A partir daí é que se deve ter chegado à inespacialidade modal do exemplo "voltou com febre a casa". Ou do exemplo "hoc fecit lenta mente" / "fê-lo com espírito lento", analogia instrumental de um ablativo "mente ", cujo destino histórico, por crescente hipossemia, vai acabar na morfemização desinencial do nosso "lentamente".

Entregue a dois casos que os lingüistas franceses chamam de concretos, a função de situar, distribuída neles, tomou conformidade com o sentido do movimento e a posição de não movimento: para o termo do movimento o acusativo de "vai ao campo / it rus ". Para a origem do movimento, o ablativo de "sai do campo / it rure ". Para o não movimento o ablativo de "está no campo / est rure ".

Não se confunda o acusativo de situação /ac 4/ com o Acusativo de paciência /A 3/. Nem se conserve, entre professores de latim, a impertinência de concentrar na idéia de objeto direto a noção de acusativo, a ponto de ficar parecendo exceção o acusativo de circunstância. A única intenção que pomos, no / A / maiúsculo do Acusativo de paciência, é vincar, entre os sintagmas fundamentais, a semântica preeminência que o tempo lhe deu, não porém uma preeminência de uso, que não existe.

Um exemplo como "viveu um dia / vixit unum diem " está mostrando que o português é uma persistência do latim, um estado posterior da mesma língua. Não se trata de duas línguas. Instalado na Ibéria, o latim, sem perder a identidade, andou seu caminho, cresceu sua idade, mudou seu aspecto, como acontece ao que existe no tempo e vai perlongando emergências de sua marcha. No caso da língua: analogias persistências opções esquecimentos inovações renovações.

Viveu um dia não é tradução mas simples tradição bimilenar de vixit unum diem. É a mesma frase, metida no seu molde, com os mesmos sintagmas, em dois momentos diacrônicos distantes, mudanças do aspecto mórfico no vozeio, do aspecto sintágmico nas estruturas, do aspecto patrimonial na riqueza - tudo isso constitui a própria história de uma língua, lingüisticamente perqüirenda. Não deve admirar que seja maior a diferença, entre o século XX e o século I, do que entre o século XX e o século XV.

Chamar de português ao que se chamava latim foi um mero fato nativista, que não cria entidade e não dá existência, visto lhe faltar a razão metódica ou razão dos fatos, e não lhe chegar para tanto o seu motivo sentimental.

Estudar o português na sua identidade histórica e na sua legitimidade patrimonial é receder pela sua diacronia, século a século, pelo menos até Plauto, no latim histórico.

Não desejo que me atribuam retórica sentimental, numa afirmação honestamente técnica, de substância estritamente lingüística. Se alguma excitação acaso suscitar, debite-se ela à nossa vigente versatilidade, agora que o latim escolar está sendo despejado de sua casa escolar, enquanto nos sopra, do sertão nativo, transfeito em sertão federal, seu persistente vento nativista, insinuador da equação nacionalismo x bugrismo.

 

Sintagma 5

Simbolizando por 1, por 2 e por 3, respectivamente, o verbo V da frase verbal, o nominativo N ou sujeito e o acusativo A do objeto direto, será 4 o sintagma seguinte, situador do proceder noticiado no verbo, morficamente endereçado como acusativo ou ablativo. "Caio saiu de casa ontem apressadamente" é uma frase cujo molde fabular é /21444/ e "Caio comprou de Lúcio, na semana passada, uma casa no Flamengo, por dez milhões", /2144344/.

Os outros valores declináveis da língua indeuropéia são o dativo, o vocativo e o genitivo.

Embora desaparecido no pós-românico, o dativo /5/ deixou persistência na declinação pronominal: "Eu lhe disse a verdade" /2513/. "Não me respondeu" /51/. "Negaram-te abrigo" /153/. "Faça-nos tal favor" /153/. "Isso vos é indiferente" /2502'/.

Não persistiu no pós-românico o dativo de objeto indireto, gramatiqueiramente o mais notado dos dativos. Foi trocado, romanicamente, por um acusativo analógico: em vez de "dedit librum Lucio" /135/ passou a usar-se "dedit librum ad Lucium" /134/, molde fabular que o tempo não mudou, apenas lhe desgastando a morfia sintágmica, deu um livro a Lúcio /134/.

Nota [8]: Venho pesquisando, como professor de latim, faz muitos anos, a veicularidade semântica do dativo. O único matiz que lhe parece peculiar é traduzir o interesse de alguém no proceder noticiado: est tibi pater /152/[é pai a ti], da mihi panem /153/[dá a mim pão]. Fora daí, sutil e supérfluo, é quase como um suplente do acusativo/ablativo, preferidamente nalguma relação mental ou analógica. Por não ser preposicionável, parece, faltou-lhe melhor conveniência com aquela sensoriedade concreta, espacial ou temporal, do sintagma situador. Sua leveza funcional, notoriamente boa no latim clássico, foi leveza que se fez anemia mortífera quando, com a invasão primária e báltica da incultura, baixou rasteira, sobre o Império, a concretice mental, no fim do Império Romano.

 

Sintagma 6

O vocativo /Voc/ é um sintagma autônomo, estruturalmente desimpedi-do, na frase. Tem jeito de caso antigo, presente já, na origem da fala pragmática. Seu morfema zero, sintoma de sua autonomia fabular, emparelha-o, nisso, com o presente do imperativo. É tão livre que, sozinho, faz frase, concentrado num vozeio de convocação, parecendo-se, dentro de semelhante estrutura infra-fabular, com os vozeios expansivos do tipo "fogo" ou "socorro". É um sintagma sem dificuldades.

 

Sintagma 7 - Sub Sintagma 7, latino

Falando em sub-sintagma 7, pensamos mais no genitivo adnominal gt: "ali fremem os ventos, com grande murmúrio do monte" / "illic fremunt venti, magno cum murmure montis" /412 4.7/

Nota: [9]: a frase é de Vergílio, [Aen 1.55], mas interpolada pelo recitador.

Cumpre notar que o genitivo latino podia ser também elemento adverbal, funcionando como situador analógico, isto é, como sintagma 4: "memini mortuorum / lembro-me dos mortos"/14/. "Quanti emisti / por quanto comprastes" /41/. "Tantae molis erat romanam cóndere gentem [Aen 1.33] / de tanta grandeza era fundar a nação romana" /41(23)/

Entretanto, no próprio latim, o genitivo adverbal representa uma persistência limitada, vista sua importância adnominal. Sua morfia desapareceu no pós-românico, cedendo ele ao ablativo a sua veicularidade semântica. Em vez de "domus patris" o romance generalizou o tipo "domus de patre", molde que se adaptou em "casa do pai", graças à opção vocabular "casa" e ao reforço anafórico do artigo.

Desaparecendo a forma, não porém a veiculagem semântica, preferimos guardar a denominação de "genitivo", para que fique bem marcada a mais típica das funções adnominais, primariamente adnominal e intra-sintágmica, ponto de um contraste metodicamente fecundo, visto que ser elemento adverbal é ser sintagma, não passando de sub-sintagma o elemento adnominal. Em "cunctus pelagi cecidit fragor [Aen 1.154] / cessou todo o fragor do mar" /1 2.7/, frase de apenas dois sintagmas, o genitivo "do mar / pelagi" é um sub-valor dentro do sintagma "todo o fragor do mar", que se junta, como N, ao V cessou.

Essa função adnominal ou intra-sintágmica pode caber a outros casos, primariamente no aposto, secundariamente a elementos outrora adverbais, semantizados pela atração nominal [1]:

O professor Caio saiu /22'1/
Vi o professor Caio /13.3'/
O sol na agonia esbraseia o ocidente / 24'13/
Tomou uma resolução agradável a todos /1 3.4'/



Resumo

I. Elemento verbal da frase
Em vidit lupus agnum / "viu o lobo ao cordeiro" /123/, o verbo é vidit / viu. É o sintagma do verbo V, sintagma nº /1/, veículo de um proceder, centro do predicado.

II-VI Elementos adverbais

II lupus vidit agnum. / o lobo vê o cordeiro /213/. Sintagma nº /2/. Nominativo N. Noticia o procededor

III lupum vidit agnus / ao lobo vê o cordeiro /312/. Sintagma n º /3/. Acusativo /A/ de paciência.

IV in lupum venit pastor / contra o lobo vem o pastor /412 /; a lupo fugit agnus / do lobo foge o cordeiro /412/ Sintagma nº 4. Sintagma situador em forma de acusativo ac ou de ablativo ab

V lupo erat magna fames / (ao lobo) era-lhe grande a fome /512/ Sintagma nº 5. dativo dt, situador.

VI lupe, quid fecisti? / lobo, que fizeste? /631/. Sintagma nº 6. Vocativo Voc

VII. Elemento adnominal

lupi fames erat magna / a fome do lobo era grande /.72 02'/ era grande a fome do lobo " /02'24/

Sub-sintagma 7, valor intra-sintágmico, especialmente o genitivo gt 

Nota [10]: O genitivo é um resíduo clássico: quanti emisti? /4 1/, isto é, com função adverbal. Comum é o genitivo adnominal, parcela do sintagma: in domo patris mei / "na casa de meu pai" /4 4' 4''/

 

LIÇÃO GERAL

A frase indeuropéia conta, pois, na fase histórica, seis tipos de sintagma: três tipos fundamentais /V N A/ dois tipos de situador, ac-ab e dt-gt, e um tipo autônomo /Voc/. Qualquer deles admite a presença adnominal do sub-sintagma 7, menos o verbo V, centro semântico da frase verbal, rodeado de adverbais que, por adverbais, são sintagmas.

A tradição inter-individual, com a força do uso, instala os moldes fabulares, com seus devidos sintagmas, enriquecendo quem fala, segundo proposições de sua capacidade e experiência. O problema do número de sintagmas presentes numa frase, além de estar condicionado a emergências teatrais, depende do estilo fabular do grupo e do estilo fabular de Primo. Divide-se entre o uso comum, economia geral do grupo, e o uso peculiar de alguém, economia particular do indivíduo.

O molde fabular da frase pode ter uma amplitude que varia, desde a feição monossintágmica do tipo "sim" até à feição polissintágmica da frase-oração e da frase pluri-oracional.

Imaginemos, para exemplo, este diálogo:

•  Caio comprou casa? /213/
•  Sim /4/
•  De quem? /4/
•  Comprou-a de Lúcio, no ano passado, com facilidade, no Flamengo, a prestação, para sua residência.
•  /13444444/

As frases "sim" e "de quem" são monossintágmicas. São frases-sintagmas, próprias do momento seguinte, na economia dialogal, diversas do sintagma-frase, próprio da manifestação infra-fabular: "cruz credo", "Nossa Senhora", "Deus me livre", "socorro".

A última frase [do diálogo], além de dois sintagmas fundamentais, tem nada menos de seis situadores.

Isso nos faz lembrar que, dentro de cada molde oracional, sendo plúrimo o lugar do situador nº 4, é síngulo porém o lugar dos sintagmas fundamentais. O sujeito e o objeto direto (2 e 3) podem ser compostos; mas o sintagma V nem isso, mesmo que seja composta a forma verbal. 

Nota [11]: Fernando de Saussure, por haver antinomizado a língua e a fala, perdeu o ensejo de um grande achado. Bastaria motivar-se no admitido fato de que a língua vem da fala, para que visse que são da língua, a partir da fala, os moldes fabulares: o molde frástico, o molde prolatório, o molde sintágmico. São feitios da língua, devidamente definidos e atuantes. São valores que a fala vai moldando e que, feitos, entrega ao patrimônio da língua. Depois deles, num segundo plano realmente secundário, vem, como cabedal miúdo, o patrimônio léxico, o armazém daqueles vocábulos que o saussurismo erigiu, enganadamente, em primeira unidade da língua.

Junto à simbolização vocabular dos sintagmas, tem suas vantagens a simbolização numérica (simbolização vocabular /NVA/, simbolização numérica /213/, para "Caio comprou casa".):

1 - evita-se a dificuldade histórica de saber se tal ou qual situador corresponde a um acusativo e não um ablativo;

2 - foge-se à dificuldade categórica da função que oscile entre objeto indireto complemento verbal e adjunto adverbial;

3 - é uma segura e sintética análise sintática;

4 - vincando a visão topológica da frase, realça o molde fabular, como um quase convite aos exercícios do estilo, ao confronto de opções na estrutura:

"a lua banha a solitária estrada" /213/
"a lua a estrada solitária banha" /231/

Interpretando funções é que o docente mostra as relações que a frase tem:

1 - parafraseando a veicularidade geral do veículo, na sua consonância com o veiculado;

2 - anatomizando o veículo, identificando em sintagmas, satélites da órbita verbal;

3 - identificando os sub-sintagmas functores da órbita nominal;

4 - submetendo a estrutura e o trânsito dos sintagmas ao exame da constância binomial. No trânsito endofrástico dos sintagmas a constância /a. b/. No trânsito diafrástico do período composto, a constância binomial /A. B/, relacionando as orações.

O melhor nome para a análise fabular é o de análise binomial [2]. São imperfeitos, são impertinentes, nomes como análise gramatical, análise lógica, análise léxico-sintática.

 

ANÁLISE BINOMIAL

A economia da frase tem de ser analisada pela interpretação das funções, pois não pode caber na classificação lógica da rotina gramatical, quando tenta exatidão impossível.

Já foi dito que a gramática não pode ser como um compêndio de lógica. Diacronicamente, para o homem cotidiano, a fala tem sido uma epifania de vivência psicológica.

1 - Examinando funções, identificamos uma órbita verbal, rodeada de satélites: centro semântico é o sintagma verbal; em torno dele, os sintagmas nominais. É a economia diassintágmica da frase. Em Caio comprou casa" /213/, o efeito semântico de "comprou" (um proceder) lembra o procededor Caio e o paciente do proceder casa. Economia diassintágmica.

2 - Identificamos também a órbita nominal do sintagma. Em seu centro semântico está um nome, rodeado de functores adnominais, que são parcelas dele. Economia endossintágmica. Ex: "Caio comprou uma bela casa de campo ". O molde é o mesmo /213/. Mas o sintagma /3/, plurivocabular, merece análise particular. Consta de um centro casa, rodeado de functores adnominais: dois são coordenados, mas é subordinado o terceiro. O número /3/, que é do sintagma, simboliza o centro nominal. Três com uma plica e o quatro também marcado simbolizam os adnominais assim: /3' 3' 3 4'/. Com o sintagma verbal /1/ e os satélites nominais /2/ /3/, /4/, /5/, /6/, toda uma frase mostra as unidades que tem: uma verbal e tantas nominais.

No sintagma nominal plurivocabular podemos, simbolizando, identificar, junto do centro, como parcelas, os adnominais que tenha: situadores e aspectivos - centros nominais em função adnominal (casa de campo. /3 4'/).

Dissemos que a simplificação numérica permite evitar, na área /4/, os conflitos que pode provocar, semanticamente, a resistência dos sintagmas, infiéis a exatidões, do tipo objeto indireto, complemento verbal, adjunto adverbial. Não se quer dizer que o docente evite assinalar tais matizes e tais etiquetas. O que não deve é tentar impô-las segundo um plano categórico, sobretudo para discentes imaturos, destinados primeiro à tomada de posse da língua. Vem depois a tomada de consciência. Para o docente sim, com sua capacidade profissional, a miúda consciência da língua (para além da posse) deve ser a constante preocupação. Bom senhor do ofício é o que se busca aprofundar nos fatos da língua, acertando discrimes de morfologia e semântica, roteando vias diacrônicas, configurando efeitos psicológicos, peculiares ou aculturantes. Pela história de uma estrutura fabular é que se pode descobrir, em frase do tipo saiu de casa, porque o situador 4 nos parece emergente, e como que desnecessário à plenitude semântica do verbo, ao passo que nos parece imposto, semanticamente, como quase projeção do verbo, o situador da frase "gosto do Rio", "vim da rua", "mora aqui".

Anote o observador minúcias tais, na área do veiculado, mas não lhe esqueça que o que está analisando é o veículo, uma estrutura de morfias. Em saiu de casa e em gosto do Rio, o segundo sintagma é um ablativo, situador nº 4. A diversa densidade semântica é um problema fabular, não porém do veículo e sim da veiculagem.

Já é tempo de clarear umas tantas noções que Saussure entreachara, como no caso do signo, que diz ser união de um conceito e de uma imagem acústica, Curso [Saussure, 1960, p. 98/ 1969, p. 80]. [3] Além de reduzir o signo fabular a signo vocabular, fica parecendo que ele consta de duas partes - conceito e imagem - quando, em verdade, signo é só o valor fônico, veículo de um veiculado. É um vozeio que, atual na fala como sintagma, vive potencial no espírito como recurso. É um fruto vivencial daquela análise por que Secundo Primo transfaz os valores da fala em valores da língua.

1. Caio saiu

/2 1 /

binômio coordenado /a x b/
regime fabular zero = regime semântico.
Caius exiit - coordenação conveniente, morfemas fabulares.
Caio saiu - sintagma verbal morficamente claro. Ausência de morfema em /2/ [Nominativo] permite o valor topomorfêmico ou de posição.

2. Caio saiu de casa

/2 1 4/

dois binômios: Caio saiu /2 1/ + saiu de casa /1 4/, um coordenado, o outro, subordinado.
Os dois binômios são endofrásticos: ficam dentro da mesma oração.
Regime fabular: de
símbolo x introduz a subordinação

3. Caio comprou casa

/2 1 3/

trinômio coordenado
regime zero = regime semântico
dois binômios: Caio comprou /2 1/ + comprou casa /1 3/
o verbo é o regente semântico de 2 em /2 1/ e de 3 em /1 3/
Cf.
o monômio /'1/ na frase "chove"
o binômio /2 1/ em "Caio saiu"
o trinômio /2 1 3/ em "Caio comprou casa."
São estruturas fundamentais da língua indeuropéia, com sintagmas coordenados entre si no binômio e no trinômio. Persiste o seu regime semântico nos idiomas pós-românicos ou neolatinos

4. viveu um dia

/1 4/

Mesmo com a coordenação fabular (regime zero). o sintagma nominal é visto como subordinado em português. A estrutura é uma lembrança pós-românica do romano vixit unum diem, resto de uma possibilidade paratáctica do pré-romano. O verbo não é projectício nem é fundamental o sintagma que o segue. Não é acusativo de paciência, mas de situação. " Quanto tempo viveu? -Viveu um dia.

Confrontar essa frase com a frase Caio viveu longa vida /2 1 3/, onde o verbo se fez transitivo, completado por um acusativo etimológico. O mesmo acontece na frase Caio dormiu longo sono /2 1 3/, onde o acusativo 3 é um cognato semântico

 

 

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