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Educação e Humanismo
Vida: 1953

SAUDAÇÃO À PROFESSORA HELENA ANTIPOFF

 
 

A 2 de março de 1953, na Faculdade de Filosofia da UFMG, tomou posse a professora HELENA ANTIPOFF, catedrática de Psicologia Educacional. Foi saudada, em nome da Congregação, pelo Professor J. Lourenço de Oliveira. Foi este o seu discurso:

 

Um dia, entre a neblina de um conceito kantiano e o fulgor de um superismo nietzscheano, o professor Francisco Campos, Secretário de Estado, criou a Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico. O ano era 1929. Da Columbia University, após um Curso de Especialização no Teachers' College, haviam regressado, representando o nosso lado americano, as professoras Amélia de Castro Monteiro, Alda Lodi, e Lúcia Schmidt Monteiro de Castro. Vinha a contribuição européia, contratada em Paris e Genebra, com os professores Simon, Walther, Mme Artus Perrelet, e Mme Antipoff, auxiliar de Clarapède, no I. J. J. Rousseau. Tínheis, além do nome, o renome dos cursos que fizéreis, em Genebra, em Paris, em Londres, em Berlim. Nós vos devemos ao governo Antônio Carlos.

O nossa diretor Camilo Alvim errou e acertou, ao designar-me para receber-vos em nome da Congregação. Errou porque o recebedor está longe de bem representar os que recebem, ante quem recebemos. Entretanco acertou quando escolheu quem vos tem observado, em vossas atividades, desde que chegastes a Minas, afim de contribuirdes para uma escola que aqui fora criada, nos moldes da melhor pedagogia, um instituto superior de magistério, anterior em dez anos à Faculdade Nacional de Filosofia. Nela vinham tirar curso didático as professoras de nosso Estado, interior e capital, bem como de outras regiões, tão distantes como Ceará ou Rio Grande do Sul. Começou a aparecer, nos meios internacionais da pedagogia, o nome de Belo Horizonte, projetado pela Escola.

Naquele tempo, tinham de ouvir, na língua de Racine, as alunas do curso, a múltipla lição cotidiana, dada por professores europeus que aqui estavam, ou por aqui passavem. Sentindo os impecilhos do regime, no vosso amor do diálogo completo, resolvestes então estudar nossa língua. Para o privilégio de ensinar-vos, fez-me convite o diretor da Escola, que era o professor Lúcio dos Santos. Desde as primeiras lições, aprendíeis por vossa diligência, cheia de simpatia curiosa, por nossa terra e nossa gente.

Ante tudo que estava por fazer, quando chegastes, poderíeis ficar adstrita ao contrato, dando vossa lição catedrática, explicando o diagnóstico de nossos achaques e desenhando receitas de planos teóricos. Mas em vez de mandar preferistes fazer: montastes um laboratório de psicologia que foi, no Brasil, nosso primeiro modelo de pesquisa pedagógica. Criastes a Sociedade Pestalozzi, pois cumpria cuidar dos subdotados. Em favor dos vendedores de jornais, organizastes a Assistência ao Pequeno Jornaleiro. Remediando a disponibilidade juvenil reestruturastes a Federação Escoteira. Valorizando o contacta da terra e do campo, estabelecestes a Fazenda do Rosário, num plano que surgiu, como coroa, a Escola Normal Rural. De "Mme Antipoff" que sois, em pouco tempo vos fazíeis "D. Helena", a Dona Helena dos escoteiros, dos pequenos jornaleiros, dos meninos do Instituto Pestalazzi... enfim, a nossa D. Helena, mineira, muito mineira, não como quem tal nasceu, mas tal se fez, por essência de afeto e bondade, para tanto mortificando a que deixara no tempo, além Atlântico, na vossa Europa natal berço de inteligências que se afinam com o quilate e cultura da vossa inteligência.

Vossos colegas europeus que aqui vieram também daqui se foram, no final do compromsso. Mas não foi tal o vosso proceder, movendo-vos razões do coração, quando sentistes nossa infância e nossa gente. Chamada para a teoria de educar, não sofrestes estar na teoria, achando pouco tal obrigacão e entrando no devoção. Na obra social iniciada, íeis aliciando os ajudantes, com fina e conhecida pertinácia. Digam-no aquelas discípulas nue passaram, do vosso laboratório, para o vosso trabalho apostolar; e tantos amigos vossos dos quais recito, como nomes de exemplo, desde os primeiros dias, Marques Lisboa, Otávio Magalhães e Orlando de Carvalho.

Muito nos admira, em vossa obra, a igualdade e constância do exercício, durante um Brasil conturbado, na tempestade ocidental de um mundo em retrocesso. Começastes em 1929, um ano antes da Revolução de Trinta, encenada em outubro, num movimento que assustou, retido entre nós, o vosso amigo Clarapède. Trazido por vosso empenho, aqui viera para dar um curso, em nossa Escola de Aperfeiçoamento. Estourando o motim nacional, fizestes que ele mudasse, do Grande Hotel em que estava, para a pensão em que moráveis, na Rua Pernambuco. Aí, segundo o combinado, ia eu ajudar a distraí-lo, tout étourdi et épouvanté, como bom europeu, com a nossa arrelia tropical. Após a revolução, os anos seguiram-se longos, negastos para a empresa pedagógica, iniciada no governo Antônio Carlos. Faltou-lhes continuidade aos sucessores, visão de perseverança. E foi assim escasseando o oxigênio, para uma escola que desmedrou e que poderia ter sido nossa primeira Faculdade de Filosofia. Não vos faltavam, entretanto, reiterados convites de outros institutos, nacionais e estrangeiros. Acabastes cedendo aos apelos do Rio, expansão federal de vosso apostoloado, alguns anos depois, voltando para casa, isto é, para Minas, trazendo outra semente que plantar, a Escola Normal Rural.

Assim viestes procedendo, infatigável, por 25 anos, movendo, epla insistência do exemplo, quem vos queira ajudar. Sendo européia e do melhor quilate, aqui vos adaptastes, entre modesta dimensão de um meio americano. No vosso caso, ilustra-se um pensar de Sêneca, o filósofo, que, em vez de seu rincão, dizia ser o mundo a sua pátria: non sum uni angulo natus. Patria mea totus hic mundus est, e de Camões, o poeta, quando diz que "toda terra é pátria para o forte".

Senhores professores, agora que recebemos D. Helena, cuida quanta razão de júbilo nos dá. Vem ocupar a cátedra que é sua, de pleno juro, faz mais de doze anos, desde quando se estruturou a nossa Faculdade, por sua comissao planejadora, constituída pelos professores Lúcio José dos Santos, Artur Versiani Veloso, Braz Pellegrino, padre Clóvis de Souza e Silva, J. Lourenço de Oliveira. Foi no ano de 1939. Na esmerada eleição de nosso corpo docente, inscrevíamos nomes bem talhados, com um renome como o de Lúcio dos Santos, Cláudio Brandão, Arduíno Bolivar, Alcides Ferreira, Magalhães Gomes, Orozimbo Nonato, Milton Campos, e assim por diante, até se chegar à seção de Didática, onde a realidade nos impôs, com seus dez anos de exercício e tirocínio, a Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico. Foi lá que nós pudemos escolher, para as devidas cátedras aqui, Helena Antipoff e Alda Lodi, Maria Luísa de Almeida Cunha e Filoscelina de Almeida Matos.

Quanto a vós, senhora professora, nesses dez anos iniciais e menos certos, algumas causas vos fizeram demorar: primeiro vossos outros afazeres, depois a discrição e certo escrúpulo. Mas viestes enfim à companhia, depois de vos vencer nossa insistência. Deixai que aproveitemos nesta casa, nossa e vossa, os frutos de vossa muita experiência. Nossa Congregação estando em festa, permiti-me dizer que viestes ao Brasil qual um outro Anchieta, a fim de doutrinar em outra selva, nossa trama de atrasos e carências. Além de continuar o amanho da cultura que vossa iniciativa preparou, tendes agora a vossa cátedra de Psicologia Educacional. São universitários os alunos, portadores do nome de estudantes, mas estudantes brasileiros, avezados a folgas e suetos, um tanto parecidos, no descuido, com aqueles de que Acnheita se queixava, já faz 400 anos, em informação sobre a Província do Brasil. Trazei-nos pois convosco, aquela vossa paciência apostolar, sobretudo agora que vossa naturalização a titulou para nós e que o vigor de vosso sangue já palpita, com teor tropical, no sangue de vossos netos, brasileiros como eu.

 

 

Copyright © 2004 by Alaíde Lisboa de Oliveira.

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