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Educação e Humanismo
Vida: 1926

SÃO FRANCISCO DE ASSIS

 
 

Conferência no Teatro Municipal de São João Del-Rei. Texto publicado na revista A Cruzada, São João Del-Rei, em 18 de agosto de 1926.

 

Há setecentos anos que a tua esplendorosa alma abandonou o teu corpo, que atingiste a meta fatal da existência humana, e transpuseste a barreira terrestre por este transe que se apelida: morrer!

Há setecentos anos, mas não morreste! Vives, vives, não em nossa região adolorida e enlagrimada, mas na região dos eleitos!

Vives, não morreste. E nós hoje te conhecemos e tratamos e admiramos tua vida, como se ainda te acharas realmente entre os vales da Umbria e os penhascos do Alverne e lá pudéramos ir ver-te! Vives qual se já tiveras peregrinado e corrido os recantos da terra, deixando, por todos, alguma coisa de ti mesmo! Esta alguma coisa são os milhares e milhares e de filhos da tua ordem Terceira, os milhares e milhares e milhares de filhos da tua Ordem Segunda, os milhares de filhos da tua Primeira Ordem - os vinte mil frades franciscanos espalhados pelo globo!

Esta alguma coisa é o perfume esplêndido de poesia, de êxtase naturalista - o Franciscanismo - que em ti, num remoto e septicentenar período medieval, antes da Renascença, antes de Boccacio e de Petrarca e de Dante, em ti vai buscar origem e nome. É verdade, os homens de nossos séculos de apoucada fé, homens que te admiram e ora também celebram o teu 7º. centenário, falsificaram o teu espírito, e o teu amor da natureza - a Deus através da natureza - e produziram um ateísmo lamentável, - lamentável abastardamento daquela tua arte de sentir as coisas, de diante delas e com elas te confundires, não por uma errônea omnidivinização, mas por teu mirabilíssimo e finíssimo espírito de referência das criaturas ao Criador!

Também eles festejam a tua data. Escrevem deslumbrantes coisas a respeito de tua admirável poesia, de tua alma artística, de teu espírito grande e de teu grande coração. Não vêem, por detrás das coisas, o que vias. Mas não importa: é uma homenagem assim mesmo, ao herói, ao santo, que a Igreja elevou e que a cristandade venera.

Em compensação, ali está o mundo católico cantando o teu verdadeiro espírito, celebrando tua verdadeira personalidade, num frêmito geral de júbilo, pelo incenso, pelos hinos, pelas harmonias de nossos templos e pelas páginas que enchem, em teu louvor, as mais fulgurantes penas católicas!

O dia da morte, na existência dos pró-homens, é como o nota de uma contingência dolorosa.

Dos heróis da humanidade, celebramos a vida preciosa, increpando a morte que a cortou. Não assim para os heróis, os santos do cristianismo. O dia do que chamamos sua morte, o dia do seu trânsito desta a melhor, é que é o seu verdadeiro dia. Não é o seu dia negro, mas o seu dia luminoso.

Francisco, "pobrezinho de Deus", há setecentos anos, corrias os vales da Umbria, parmilhavas os caminhos de Itália, Arauto de um grande Rei, ascendias as cumiadas do Alverne, para os teus entretenimentos e arrebatamentos místicos.

Há setecentos anos, cantavas e pregavas Deus, aos homens, aos animais e às coisas, convertendo, abrandando os perversos e os de coração empedernido, acordeirando lobos, porfiando com rouxinóis, exaltando a glória do Criador da natureza!

Há setecentos anos também, o teu corpo desapareceu de sobre a terra. Mas não morreste.

Vives, vives: vives nos milhares de teus filhos. Vives pela florescência de teu espírito na arte. Vives na extraordinária agitação de entusiasmo com que ora soleniza o mundo o teu sétimo centenário!

 

Copyright © 2004 by Alaíde Lisboa de Oliveira.

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