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Educação e Humanismo
Livro Lenine, Ford e Pio XI
Vida: 1931

LENINE, FORD E PIO XI

 

I - LENINE

"A Rússia é um país camponês, um dos mais atrasados da Europa. Não pode o socialismo, ali, vingar diretamente e de uma vez".
Lenine –
Carta aos proletários suíços

"O industrial não é senão um servidor da comunidade e ele a serve, dirigindo as suas empresas de modo a pôr à disposição do público artigos cada vez melhores, a preços cada vez mais baixos e pagando aos que participam na produção, salários cada vez mais elevados".
FORD –
Minha vida e minha obra

"Ac primum quidem merces operario suppeditanda est, quae ad illius eiusque familiae susteniationem par sit".
Pius XI –
Quadragesimo anno

... a burguesia... perdeu em grande parte o senso de seus deveres e possui demais o amor de seus direitos".
Tristão de Athayde –
Preparação à sociologia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Há hoje uma expressão que se escreve com iniciais maiúsculas e que muito vem preocupando a vida moderna: QUESTÃO SOCIAL.

Batido de ânsias, de dúvidas, de apreensões, diante dos fatos e das ameaças, expressão social da vida hodierna, o homem pensa interrogativamente no que vai ser - com mais um pouco, - deste nosso mundo tonto, desequilibrado supliciado de misérias e absurdos, dividido e desconfiado, cheio de desentendimentos, de muitas dúzias de propostas de solução, de gente gritando doidamente em todos os pontos insatisfeitíssimos do globo, fazendo com que a terra mais se pareça a uma casa de orátes do que a um planeta no espaço.

Daqui de dentro deste Brasil pobre e grande, fica a gente escutando o murmúrio sombrio, o escachôo misterioso de umas vagas longínquas. E atônito com os ecos lancinantes que ouve. Parece que há um naufrágio medonho e geral não sei onde. E como alguém fechado dentro da noite, a gente fica a imaginar sobre se a onda não avassalará também a barca em que se está.

E todos se angustiam quando cogitam um pouco na situação de impasse do mundo. Parece uma crise sem saída. A fermentação complexíssima de tudo, - grande, enquanto é pequena a nossa visão e nossa experiência, - faz a imaginação ampliadora supor já o globo ser uma bomba prestes a estourar. Quem sabe não estarão os marcianos tapando os ouvidos para se defenderem da explosão?

Nem os moços se salvam da obsessão.

Até há pouco despreocupado e ingênuo, nosso moço era romântico e poeta. Saindo da casa dos "teens", - para falar feito norte-americano, - e entrando as portadas risonhas dos vinte anos, (... que idade flórida e bela - a dos vinte. anos, não é?...) ele sabia fazer um soneto, uma declaração à namorada e uma noitada boêmia. Era estudante de direito. Lia Chateaubriand e sabia quem era Byron. Ouvia dissertações sobre o "Corpus juris" ou sobre o livro quinto das Ordenações afonsinas. Mais tarde, já com vários filhos e anos, lograva ser deputado e fazia discursos célebres, sonhando com Pitts, Gladstones e Disraelis.

Hoje... quantum mutatus ab illo! Não se delicia tanto com a literatura francesa. Não acha mais graça em ser um parlamentar à inglesa. Joga futebol, vai ao cinema e... quer o "confort" yankee. Americanizar-se. Ou então, no fundo, é um comunista ou pelo menos um "simpatizante". Na sua casa, entre a Economia política de Carlos Gide e algum volume do Bevilacqua, há edições mais ou menos suspeitas dessa infindável literatura sobre a Rússia.

E tudo é questão social, a qual, pelo jeito que tomaram as coisas, é uma questão econômica.

Há alguns homens, pelo caminho da humanidade aí fora, que podemos citar como responsáveis morais de todo o desespero de desvarios e desgarres, ante esta fauce hiante de não-sei-o-quê, aonde a humanidade parece em vésperas de se precipitar. São a Renascença, Lutero, Calvino, Bacon, Descartes, Rousseau, Kant, Locke, a Revolução Francesa, Adam Smith, Hegel, Feuerbach, Saint-Simon, Darwin, Comte, Spencer, Marx....

A Renascença é uma saudade furiosa do paganismo. Com uma diferença: na Grécia, a arte era uma tradução sincera de um espírito abandonado a si mesmo e era um meio. Na Renascença, a arte é um espírito que se abandona propositadamente e que faz da arte uma coisa em si. Lutero marca os primeiros compassos do monstruoso individualismo de que hoje sofre o homem. Bacon e Descartes fornecem a meada para o experimentalismo moderno e toda a sua tendência à limitação humana. Descartes, sobretudo, vinha subjetivar a filosofia, substituindo o senso comum pelo senso próprio. Kant convenceu o homem da independência moral do indivíduo. Rousseau impinge todos os seus romantismos libertários que a Revolução Francesa vai consagrar em declaração de direitos.

E o homem, cada vez mais individualizado, vai sentindo apagar, na consciência, a noção dos deveres. Vai ficando sempre mais insaciávelmente reivindicador.

Locke é um precursor da escola clássica ou liberal, a escola de Smith e de Ricardo, econômicamente a maior responsável pela congestão financeira que ora ameaça de morte o mundo. Da escola clássica saem o capitalismo e o comunismo. Marx e a Inglaterra. Lenine e os Estados Unidos.

O homem foi ficando cada vez mais uma coisa em si. A sociedade, cada vez mais, dissociada, desligada, até esta coisa dolorosa, martirizada, enorme, ululante, indefinível, de agora.

*****

Do mundo antigo nós guardamos, em geral, uma idéia admiradora, pensando em suas grandezas. Atenas é a arte, a suma arte, esplendorosa, inacessível, divina... e a gente reza, então, com Renan, a oração da Acrópole; (Quanta dissolvência, santo Deus!)

Roma, ou é a virtude austera e a força, esmagando Cartago, ou é a magnificência dos Césares, com Horácios e Virgílios, com suntuosos empreendimentos, com carnes de cristãos rechinando e ensanguentando bocas de leões, mas, por sobre tudo, Roma é o formidável gênio político, de asas obumbrando o mundo... e a gente então, com Savigny, reza o direito romano.

O lado negro da vida, naqueles tempos (negro, hoje, para nossa concepção de filhos dos direitos), a formidável desigualdade e barbaria social, -- fica quase esquecido. Coisa, aliás, explicável por uma natural repugnância humana.

*****

Apagaram-se nos tempos longos, os ecos de todas aquelas inomináveis desgraças, com gritos de milhões, que a gente, quando quer e apura o ouvido, parece que ainda ouve, enchendo as furnas do passado, lá longe.

Veio, então, aquele que está no meio dos tempos. O marco miliário, que todos destacam na eminência dos séculos. E Cristo trouxe uma palavra nova aos homens. Houve uma mutação lenta, na face da sociedade. O cristianismo ganhava a Europa. Um espírito diferente soprou e os homens podiam sentir sobre a alma a carícia daquela brisa.

A idade média é sempre olhada com desdém pelo espírito iluminado de nossos progressos. Aquilo era uma coisa soturna, uma galeria escura, um subterrâneo, onde nem ao menos luz elétrica existia.

E misturam o espírito admiravelmente belo que a informou, com os atrasos e contingências inevitáveis, de um dado estágio da evolução humana. No entretanto, o espírito cristão seria o único capaz de saciar toda esta trágica insatisfação desesperada do homem moderno.

Toda esta igualdade material hoje tão reclamada, entre vociferações lúgubres (e fundamentadas, - ai de nós! -), o espírito cristão a foi capaz de realizar. Se não, vede as ordens religiosas. Verificai ali o comunismo integral e cordato de tudo. Monges laborando a terra, meditando a Bíblia ou copiando Virgílios. Dentro do espírito evangélico, em nada os preocupa a questão material. O trabalho de todos resulta para todos.

Mas a força do comunismo religioso não está numa doutrina social e sim no seu caráter de finalidade ultraterrena. O bem material é uma contingência, uma necessidade relativa: é um bem de todos e é de ninguém, porque é um accessório e não é para que a ele alguém se apegue.

Nossa humanidade de hoje, não sei como há de realizar algum comunismo, agarrando-se como se agarra ao bem material. Fazendo-o uma finalidade em si, uma coisa absoluta. Enquanto a sede do homem for esta busca ansiosa, sôfrega do gozo em si, do gozo estandardizado a que o Américano chama "confort", como aspiração final, hávemos de ter mais brigas do que fora preciso, porquanto não se estará satisfeito. Ficará sempre, no fundo da alma, a inquietação eterna, a nostalgia grande do não-sei-o-quê.

A sabedoria medieval do bem terrestre como accessório é bem mais construtora.

Sómente a noção de secundarismo, de transitoriedade do bem material poderá salvar um pouco da insatisfação trágica o homem descontente. Mas como se há de fazer tal coisa, se para ele tudo é matéria e só matéria? Se ele dissociou ablativamente os mundos e se fechou dentro da terra delimitada?

O homem moderno desmembrou a sociedade, desmontou aquele corpo místico, tão bela concepção da Igreja. A dissociação, a atomização, pela hipertrofia do individualismo, cresceu, aumentou em força, até cada homem se sentir hoje um cosmos com leis próprias, com gravitação própria. O sistema solar de antes, com os indivíduos gravitando em torno de um núcleo comum de verdades objetivas, por cuja luz todos se orientavam, ficou esfacelado, com o subjetivismo cartesiano, - e o homem, dantes com rotação sobre si mesmo e gravitação solar, passou também a gravitar, em torno de si mesmo, gerando todas as desordens desencontradas da vida, quebrando dolorosamente o esforço da harmonia universal.

Econômicamente, em vez de o indivíduo gravitar em torno da sociedade, ele tentou uma inversão violenta, fazendo a sociedade gravitar em torno do indivíduo.

"A economia medievel, - é Tristão de Ataíde quem fala, - existia com grande atraso sobre a economia moderna, mas com, grande vantagem moral, quanto à vida humana, às necessidades humanas, à finalidade humana". (Preparação à Sociologia, pag. 100).

E Marx, não numa barretada ao cristianismo, porém como que falando por descuido, fez justiça a tal economia.

"Na Inglaterra, - escreve o Alá do comunismo (Engels é seu profeta) - a servidão pessoal estava quase que suprimida na ultima parte do século XIV. A maioria absoluta da população já se compunha então, e principalmente no século XV, de camponeses livres e econômicamente independentes... Em todos os países da Europa, a produção feudal se caracterizava pela divisão do solo entre o maior número de occupantes..." (Das Kapital. Citado por Tristão de Athaide, em Preparação à Sociologia).

No século XVI a situação do operariado tinha piorado muito, diz ainda Marx.

Faziam sentir-se os efeitos da modernização do mundo.

A "Reforma accentuou o individualismo econômico", afirma Harold Lasky. (In Comunismo).

Lutero, Calvino, Bacon, Descartes... - e toda a ladainha, - inoculavam o gérmen da dissolvência no espírito cristão.

As descobertas científicas e os descobrimentos geográficos acendem no homem todas as sedes.

As descobertas científicas, sobretudo, vão engendrar um filho que põe orgulho a jorrar de todas as fontes humanas: a Máquina, hoje um monstro, um deus Moloc, que é fervorosamente cultuado e que devora seus idolatradores. Num arroubo justificável, o homem se acreditou com a chave da libertação definitiva. Lobrigou, numa ilusão, a possibilidade certa de escancarar as portas dos enigmas, dos mistérios. Ver tudo, sondar tudo, e sentir, afinal, que o deus é ele mesmo.

A máquina cresceu. Destinada a libertar o homem, servindo-o, ela excluiu-o e o escravizou. O homem ficou "um apêndice da máquina" (Carlos Marx). Porém o filho de Adão a adorou e a adora. Seu espírito é o espírito da máquina. E a grande filosofia moderna e uma teogonia absurda desse novo deus, - o qual só não se apresenta sob um aspecto místico e maravilhoso, porque, emfim, não estamos em uma fase de primarismo completo, de budismo ou helenismo primitivo.

Destinada a auxiliar-nos e facilitar-nos os meios de produção, a máquina aguçou formidavelmente, em nós, uma nsaciabilidade inextinguível, uma fome sem remédio.

"O espetáculo das massas humanas que não vivem senão para comer, acabou por dar uma importância enorme ao ganha-pão, depois à técnica do ganha-pão, mesmo quando já não se tratava mais de ganhar pão". (Waldo Frank. Nouvelle découverte de l'Amérique, pag. 285).

Foi a libertação da máquina e a escravização do homem. Foi a fuga da máquina à função puramente utilitária que lhe destinavam. Foi uma inversão de papéis, em que ela passou a orientar o homem, em vez do homem a orientar.

Daí o desequilíbrio lamentável, o estado miserável da sociedade atual, ora desgarrada e essencialmente infeliz, como na Rússia, ora dourada por uma prosperidade em bloco, feito em Norte América.

A humanidade antiga e a medieval podiam manter sua economia com a produção dependendo do consumo. Mas o enorme desenvolvimento da indústria, sem um desenvolvimento paralelo da sociedade, alterou a ordem das coisas e buscou adaptar o consumo à produção. Na economia antiga, o homem produzia porque necessitava consumir. Na moderna, ele necessita consumir porque produz. Depois que descobriu a possibilidade de localizar, pelo mercado, o que faz, não teve mais receio de produzir por produzir.

Pela situação social hierarquizada da humanidade, sendo necessário à montagem de máquinas, o que hoje se chama capital, bem se vê que sua aquisição e benefício havia de constituir monopólio de alguns: a classe proprietária, a classe hoje capitalista.

Com o espírito industrialista, é verdade, - sobretudo em Norte América, - ficou possível a qualquer homem subir do nada até ser Henry Ford.

Entretanto, o regímen capitalista, atribuindo tudo a suas máquinas, esqueceu-se de compensar devidamente o braço que as movia.

E o antagonismo entre superiores e subordinados, donos e assalariados, patrões e operários, tomou o tom feroz de uma guerra surda e tenaz. Estourou na comunização violenta que se processa na Rússia e ameaça de maneira impressionante o mundo ocidental.

Todos vêem que a situação é insustentável. Que é preciso uma transformação na vida industrial do mundo, afirma-o todo o mundo. Que as relações entre capitalismo e proletarismo precisam alterar-se num sentido a favor do segundo, é ponto em que estão de acordo Lenine, Ford e Pio X1.

*****

Lenine era discípulo de Marx. E presumia que os comunistas russos eram os únicos discípulos verdadeiros do barbaças judeu que nos deixou Das Kapital. Lenine era, - e querem, ainda hoje, que seja, - todo o comunismo russo. E sua afirmação era feita contra Martof (mencheviques) e contra Kautsky, (um renegado alemão).

(NOTA - "... Lenine morreu, mas vive na alma de cada membro do partido. Cada membro do partido é uma parcela de Lenine. Toda nossa família comunista é encarnação coletiva de lenine". [Palavras de um manifesto do partido, no dia seguinte ao da morte do grande chefe]}.

Marx foi Marx mesmo, doutrinando. Lenine pretendeu ser um Marx agindo.

Vamos falar, pois, do marxismo.

Karl Marx nasceu em Trèves, na Renânia, em 1818. Morreu em 1883. Judeu, estudante poeta, jornalista irreverente e inadaptado, considerado perigoso pela burguesia e mais de uma vez convidado por ela a passeios forçados ora para França, ora para Inglaterra, ora para Belgica, com intervalos de Alemanha. Deixando como obra principal o seu Das Kapital - nebuloso, maciço, minucioso, transcendente feito um alemão, - não era fácil prever que ele tomasse tão rapidamente a importância que agora tem, sobretudo apresentado à nossa inquietação por um país como a Rússia.

O próprio Marx, vivo hoje, se assustaria ao ver a Rússia falando marxismo tão violentamente, tão fanaticamente, porquanto ele profetizara que as revoluções proletárias se iniciariam pelos países fortemente industrializados.

A evolução mental de Marx apresenta três fases, segundo E. Costa, no seu livro Karl Marx.

Na primeira fase, Marx é liberal. É rousseauniano. Rousseau, este "sujeito malsão" (Carlyle: Os heróis), é, pois, o seu primeiro padrinho moral.

Na segunda fase, Marx se entrega ao abstrusíssimo Hegel. Marx leu Hegel de ponta a ponta, no decorrer de uma doença. Identidade de contrários: eu e não-eu, finito e infinito, vir-a-ser, ser e não-ser, - toda a famosa dialética do sucessor de Fichte na cadeira de filosofia de Berlim, vai armar de novas maneiras intelectuais o amigo de Engels e pai putativo da Rússia.

Na terceira fase, vivendo em Paris, - Paris de Comte e Saint-Simon, - seu hegelianismo vai dissolver-se num materialismo sem ambages, para cuja precipitação muito concorreu a leitura de Feuerbach, então aparecido. É a fase do positivismo naturalista.

Neste espírito é que Marx adopta e alarga a teoria do materialismo histórico, - também chamada posteriormente, e com mais precisão, determinismo econômico. A teoria ficou ligada a seu nome; porém, não é originariamente dele.

O materialismo histórico é uma idéia simples e dura. Afirma que o motivo primordial das alterações sociais é o sistema de produção de uma determinada época. A lei, a religião, a política, a filosofia nascem de uma reação sobre o entendimento humano, dos métodos de produção.

É o fato econômico presidindo e comandando como força única, todos os fatos humanos: religiosos, morais, políticos, sociais. É o deus vago, mutável, informe e fatal, regendo os destinos e o mundo.

Esta é a mais célebre das afirmações de Marx. E o determinismo econômico ficou na base de sua doutrina.

Com a dialética de Hegel, - o que ele mais aproveitou no filósofo alemão foi o método, - e com o materialismo a frio de Feuerbach, o Alá barbaçudo e genial erigiu em princípio fundamental de toda a dinâmica humana, em mola real de todas as nossas lutas e ânsias e cruciamentos, em razão propulsora de todos os nossos sonhos e idealismos, - esta coisa rudimentar, esta necessidade animal de comer, vestir e abrigar-se.

É, realmente, demais, pouco consolador. E todas as agruras da humanidade, todos os martírios da história são ridículos, - motivados em tão comesinha finalidade. E fica menos do que quixotesco vir o filho de Adão por aí fóra, removendo e remodelando, em todos os sentidos, a face da terra, só e só por comer, vestir e abrigar-se.

Estou fazendo romantismo. lnfelizmerte, porém, Marx não é um absurdista. É um registador intencionado e sério. Ele é sumário, é simplista (seu grande erro foi sempre reduzir tudo a linhas muitas e singelas), mas sua teoria é uma transmutação e transmissão do que ele recebeu e percebeu, na humanidade: ele, Marx, com seu espírito, resultante já de um espírito predominante no mundo moderno.

Os sintomas de tal doutrina e suas conseqüências aí estão. E não podemos dizer até onde chegarão. O homem, desligado das finalidades extraterrestres, não é mais o "Deo similis" da teologia. Nem mesmo o "homo sapiens" de Lineu. É o "homo oeconomicus". Entalado, coitado, nesta atual e intrincada tragédia que ele mesmo preparou com todos os seus desvários. Num impasse impressionante.

Oswaldo Spengler escreveu a Decadência do Ocidente. Waldo Frank vai mais longe e afirma a morte da Europa... de que a América é o túmulo. E para que ninguém se iluda com a aparência de vida e movimento, ele previne: "Mas a morte orgânica não significa inanição. Vede o primeiro cadáver entrado em estado de putrefação: vede como vive. A Europa fervilha na morte". (Waldo Frank - Nouvelle Découverte de l'Amérique, p. 25).

Um defunto e... um cemitério. Se o imprevisto não fosse a mais constante lei da história (T. de Ataíde) e se, de fato, só o materialismo histórico regesse o mundo... era o caso de nossa humanidade "entregar os pontos".

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Vejamos a doutrina de Marx em O Capital, este novo Corão dos Comunistas.

Vamos acompanhar a Harold Lasky, - professor da Universidade de Londres, - num seu excelente trabalho, Comunismo. Lasky que, por sua vez, se ajudou com Master of Balliol, a melhor apreciação inglesa sobre a obra principal do filósofo alemão.

O nucleo da afirmação marxista é que o proletário trabalha e... o capitalista recebe os lucros de tal trabalho.

Marx construiu seu sistema com duas teorias principais, a do valor e a do sobrevalor.

A teoria do valor é inglesa, é classica, é de Smith e já se delineava em Locke. É uma teoria que afirma dever medir-se o valor de um artigo pelo trabalho social invertido nele.

Toda mercadoria tem dois valores: valor-de-uso e valor-de-troca, valores cujo sentido está indicado nas denominações.

A indústria funda-se no valor-de-uso. É sua garantia. Produzindo o que é útil, sei que produzo o que posso vender. Mas o artigo não tem só o valor-de-uso para o consumidor. Antes de chegar a este, ele passa por outras mãos e adquire então, o valor-de-troca, - a equivalência entre meu produto e os produtos que me dão em permuta. O símbolo de tal valor é a moeda.

Para Marx o valor-de-uso é qualitativo, e o valor-de-troca é quantitativo. Abstraindo todas as qualidades da mercadoria, exceto o que tenha de comum com as outras, descubro que, no fundo, o que fica é "uma mera condensação de trabalho humano homogêneo, de energia de trabalho invertido, sem ter em conta o caráter da inversão". O valor, pois, base do valor-de-troca é o trabalho-tempo, invertido no artigo. O tempo que seria necessário, em condições normais, para o fabricar. O valor-de-uso é a forma concreta. É o trabalho do pedreiro, do mineiro, do amanuense. O valor-de-troca é um valor abstrato, indiferenciado, homogêneo. A diferença, no esforço, é uma questão de quantidade. Manual ou cerebral, no trabalho, gastam todos uma mesma coisa: energia ativa. E se tal trabalho vale uma 'dose' de energia, tal outro valerá duas 'doses' e mais um outro dez 'doses', etc. Pode determinar-se, de tal modo, cientificamente, quanto vale o esforço de cada um. Isto faz-se levando o produto ao mercado, onde se acha o seu valor-de-troca, no negócio entre o vendedor e o comprador. No mercado é que se determina o "trabalho social necessário" invertido no produto.

Temos, pois, (a) que o valor depende do trabalho-tempo; (b) que ele se revela no processo da troca; (c) que o tipo de troca se fixa conforme o valor do artigo (valor dependendo da valorização). É a lei da oferta e da procura. Marx admitia que a super-produção (oferta maior do que a procura) podia desvalorizar a mercadoria. Explica ele: quando um fabricante leva ao entreposto mais tecidos do que necessários ao consumo é porque uma porção grande do trabalho total da coletividade se gastou em forma de tecer.

Entretanto, o fulcro do economismo marxista é a teoria do sobrevalor ou mais valia. Aqui estão operários. Nada têm, mas possuem disponível a própria capacidade de trabalho. Vem o capitalista, compra aquela atividade e a aplica a instrumentos inanimados de produção. Depois ele vende o artigo produzido a um preço que é superior ao custo dos instrumentos e ao custo da energia de trabalho invertida. Ademais, sem aplicação humana, o instrumento seria improdutivo. O valor é, pois, uma função do esforço humano, o qual produz valores superiores ao custo dos instrumentos, da matéria-prima e ao próprio custo. Na diferença está o "sobrevalor" do Marx. Sobrevalor de que fica despojado o trabalho operário, porquanto ele é distribuído entre os capitalistas.

O edifício, a matéria-prima, as máquinas, - a que, tudo, denominava Marx de capital constante, - nada produzem. Quem faz produzir é o capital variável, isto é, a energia de trabalho invertida sobre o capital constante.

No que Marx foi extraordinariamente lúcido, foi em prever os resultados do capitalismo.

O primeiro resultado é o esforço crescente no sentido de substituir o operário pela máquina. O capital constante eliminando o capital variável. Redundando num exército de reserva proletária, o exército dos sem-trabalho, horrível característica do sistema industrial de nossos dias.

O segundo resultado é que o emprego mais amplo do capital constante expele da concorrência o pequeno capital. As empresas se alargam, por meio de combinações. Os meios de produção se enfeixam em mãos, cada vez mais, pouco numerosas. É a lei da concentração capitalista.

E no meio de tudo o operário se verá cada vez mais esmagado; cada vez mais degradado à função de "apêndice da máquina"; sem nada de encanto pelo trabalho, convertido em tarefa enfadonha; sequestrado das possibilidades intelectuais da ciência; com a vida feita uma constante labuta; com a mulher e os filhos comprimidos sob as rodas do capital. E quanto mais aumenta o capital, tanto mais piora a sorte do proletário. A acumulação de riqueza num polo acarreta a necessária acumulação de miséria no outro. (Quadro com tintas de Marx).

O terceiro resultado é que a crescente concentração capitalista anula a classe média, o pequeno produtor; aumenta o exército de reserva dos trabalhadores; diminui a capacidade aquisitiva (procura), demasiando a oferta. E a superprodução e o infraconsumo, com todo o séquito de desequilíbrios e misérias que, justamente agora, acabrunham o mundo.

Lenine completou, depois, o esboço de Marx, com mais dois efeitos correlatos, do capitalismo: o imperialismo e a guerra.

Bem vemos, em nossos dias, quanto se luta pela hegemonia sobre Ásia, África, Sul América, - fontes de matéria prima e destinos de produtos.

A competência explode em guerras caracterizadas, como foi a de 1914.

Caros collegas do Centro de estudos, a experiência industrial do nosso tempo vem resultando no sentido previsto por Marx.

O antagonismo entre patrões e empregados aí está. E a luta de classes sobre que tanto insistia ele. A qual deve acabar pela ditadura do proletariado.

Hoje, a venda de energia operária é nada mais do que uma escravidão de feitio especial.

Não há, pois, liberdade.

O obreiro tem dificultadissimo o acesso à justiça, à cultura, ao poder político.

Não há, pois, igualdade

Incitado pelas competências, o capitalismo se lança em todos os jogos perigosos, processos inseguros, que resultam em fracassos dos quais a maior vítima é o proletário. São mais razões para a rebeldia, a guerra.

Não há, pois, fraternidade.

Marx tem razão quando conclui que o lucro, no sistema industrial moderno, fica todo entre os capitalistas. Há, pois, uma enorme injustiça, nele. Há um conflito entre o regímen burguês e a igualdade. Como a igualdade deve vencer, no final, - diz Marx, - a fase capitalista é uma etapa de transição para a socialista - a comunidade dos meios de produção.

A teoria marxista é insustentável como análise econômica, acha Harold Lasky. A solução que apresentou, e nos termos em que a apresentou, é uma solução insolvente.

O valor é um resultado social e não consequência somada de esforços individuais. É uma cooperação dentro de cuja soma total é impossível discriminar a contribuição humana de cada pessoa. Há um efeito de conjunto que só o conjunto produz e que uma divisão matemática viciaria.

O efeito lógico de tal verificação é "destruir os fundamentos de uma sociedade individualista". É o coletivismo, para o qual Marx reivindicava a comunidade dos meios de produção.

Chegando ao termo desta exposição, damos de frente com o grande analista numa situação natural e humana, delineando genialmente o enorme problema social do mundo, mas sem poder resolvê-lo, prevê-lo em seu processo.

Vendo no individualismo social (individualismo incomportável, eivado de hipertrofia) a fonte de todo o desequilíbrio, toda a desgraça de nossos dias, ele prognosticou para remédio o coletivismo, a socialização.

Diagnosticar o mal, com visão segura dos sintomas, era coisa possível, humana. E foi o que Marx genialmente conseguiu fazer. Previu admiravelmente o caminho ascensional (concentração capitalista), até agora não desmentido pelo desenvolvimento industrial do mundo.

Sua diagnose foi acertada e acertado foi também o prognóstico do processo de formação da enfermidade. Mas o processo de resolução não o podia Marx descrever com segurança.

Está dentro da experiência humana precisar num indivíduo, quase matematicamente, a marcha de uma doença que começa hoje e irá terminar dentro de prazo prefixado. Mas um homem não pode precisar a resolução de um mal social. A história lhe dá sempre bons tapas de contradição.

Marx percebeu que, para dentro das grandes linhas de sua previsão socialista, havia novidades que ele não alcançava predelinear. E seu instinto científico, - afirma Lasky, - salvou-o do perigo de fazer utopias.

Simplista, imaginando o homem em linhas muito feitas, ele achava que a comunização da indústria simplificaria a sociedade. Foi muito sumário em desmontar o homem de toda a sua complexidade, como se esta máquina de mistérios e desencontros e contradições, que é cada um de nós, pudesse ser reduzida a traços puros e geométricos.

A fase atual da evolução humana apresenta qualquer aspecto intrincado, difícil, que torna dificílimas as previsões, baseadas no passado.

O mais característico sintoma de nossos dias, creio que é aquela diminuição ou queda de sacralidade de que fala Tristão de Ataíde. Ou então à desintegração, a quebra do sentido da Totalidade de que fala Waldo Frank.

O homem sempre viveu sob a sensação de uma força exterior e impalpável, atuante no universo. Graça Aranha gostava de chamar a isso "terror cósmico”.

Deus ou divindade, tal força representou sempre uma finalidade exterior, orientando a humanidade, dentro de normas com ela relacionadas, no sentido de satisfação ou tributo humano.

Para o cristão é o Deus imutável, principio de tudo e destino de repouso eterno.

A filosofia moderna subverteu e destruiu a concepção espiritualista. “A característica de Deus, em Hegel, é o movimento. O movimento, em Bergson, torna-se Deus. Com os positivistas e os pragmatistas Ele acabou por se dissolver na ação". (W. Frank, op. cit.)

Desde a Renascença o homem veio progredindo na marcha da libertação. Hoje ele se imagina um Prometeu desacorrentado. Libertado de todas as peias morais. E Marx, para explicar as razões da humanidade, submeteu-a sumariamente ao fenômeno econômico.

Denormado, antes, por leis divinas, o homem despedaçou tais leis. Dissociado de qualquer relação, integralizada no próprio individualismo, seccionou seu mundo da regência exterior. Substituiu o finalismo transcendente, objetivo e universo, de informação ordenada do mundo, pelo fenomenismo sensual, subjetivo e muitiverso, de ação caótica, na vida; o esforço unista, pela desagregação pluralista.

"O espírito subjetivo e, por conseguinte, a vontade subjetiva, ganhou, a pouco e pouco, o tempo e o espaço; o universo do sentido e da razão transformou-se em uma manifestação do desejo". (W. Frank, op. cit.)

O homem tornou-se um ser de direitos, sem deveres. De liberdades mal restringidas. Ele inutilizou a "censura” divina. Cumpre colocar-lhe, no lugar, pelo materialismo, uma "censura" humana.

Ora, se com a primeira ele não deixou de ser o "homem naturalmente mau" de Maquiavel, (cf. Otavio de Faria, in Maquiavel e o Brasil), parece-me muito difícil, a regeneração sob a segunda.

Como se irá, portanto, processar a resolução da crise?

Resta, em todo caso, a esperança dos crentes, no progresso indefinido, no melhoramento ascensional infinito. Os marxistas estão no número. Para eles o dia da comunização será o dia da entrada da humanidade no paraíso. Quando vier a sociedade comunista, - dizem, - deixará de existir a tirania da presente divisão do trabalho. As atividades cerebral e manual valerão indiferenciadamente. O trabalho não mais será mercadoria de compra e venda. Cada um trabalhará espontaneamente, segundo sua capacidade. "De cada um, segundo suas energias; a cada um, segundo suas necessidades", como dizia o Manifesto Marx-Engels. O estado será uma inutilidade, que se atrofiará pelo inuso... e desaparecerá.

O filho de Adão, nesse tempo, não será, bem se vê, o "homo homini lupus" da velha e sábia sentença latina.

*****

Por uma metempsicose como a de que falava, ainda há pouco, inefavelmente, Henry Ford, numa entrevista concedida a Austregésilo de Ataíde, a alma de Marx deve ter transmigrado, - após um curto repouso lá no não-sei-onde, - para Lenine, cuja vida ela informou de maneira excepcionalmente dinâmica.

Vladimir Ilitch Uliánof (Lenine) viveu cinqüenta e quatro anos (1870-1924).

Figura extraordinária, ele destruiu um país de muitos séculos, em sete anos.

Foi vocacionalmente petroleiro. Um petroleiro genial.

Um seu irmão, Alexandre, foi enforcado porque participou de uma tentativa de assassinar o czar.

Quando era universitário em Kazan, Vladimir entrou num agitadíssimo tumulto estudantino. Como lhe perguntou a autoridade se não sabia que se estava estourando contra uma parede, ele respondeu: - Uma parede sim, mas podre; uma sacudida forte a derrui.

Foi exilado nesta ocasião para a aldeia de Alakajevka. Ficou proibido de seguir curso. Estudava muito. Enchia de notas cadernos e cadernos. E lia Das Kapital.

A muito esforço, obteve sua mãe, em 1891, que lhe fosse permitido ir bacharelar-se a Petrogrado (leia-se: Leningrado).

Em 1895 ele pegou cadeia e tres anos de Sibéria, por conta de uma publicação: "A causa operária".

Tinha 25 anos, mas o diabo, - segundo se disse - desde os 17, lhe havia entrado no corpo, de sorte que ele estava completamente entregue à sua obra marxista.

Voltando do exílio, conseguiu emigrar para Munique

Em 1903, abriu-se em Bruxelas um congresso social-democrata, transportado, logo depois, a Londres, por deferência para com a polícia belga. Nesta ocasião nasceu a conhecida ruptura entre Martof e Lenine, dentro do socialismo russo. E como do lado de Lenine estava a maioria, eles ficaram com o nome de bolcheviques, enquanto Martof se acompanhava dos mencheviques (minoria). Na razão numérica, - e não em maximalismo e minimalismo - está a explicação deste batismo, segundo Ludwig Schlesinger.

Em 1905, há uma revolução, na Rússia, da qual Lenine participa, fugindo, logo depois, a Paris. São os mais apertados anos de sua vida os que vão de 1905 a 1912. Publica, durante o tempo, o "Proletário" e conspira com Zinovief, Kamenef e outros. Estuda muito. Freqüenta o curso de Durkhein, na Sorbona. Passa dias inteiros na Biblioteca Nacional.

Em 1912 vai para Cracóvia. Havia-se fundado em Petrogrado (leia-se Leningrado) uma folha bolchevista: Pravda, que quer dizer verdade e justiça. (De Cracóvia o contacto era mais fácil).

Explodindo a guerra, ele é preso pelo governo austríaco, como russo. Mas logo depois é mandado, em liberdade, com passaporte, para a Suíça, como "derrotista". Então ele se pôs a dizer: - Toda defesa da pátria é chauvinismo. Cumpre, no mundo inteiro, transformar a guerra dos povos em guerra civil.

Bom discípulo de seu mestre, queria aproveitar da perturbação para outra perturbação. Da guerra para outra guerra. Perturbação e guerra sociais.

Sua visão era realista e nítida. Em 1916, ele dizia a Pierre Lafue:

- Vocês ainda acreditam nos revolucionários das descrições de Turguenef. Nós, porém, somos marxistas e não poetas. A revolução não é um idílio. Cumpre declarar-se cada um. Quem não a quer inteira é seu inimigo.

Uma noite vieram dizer-lhe coisas espantosas: descontentamentos, duzentos mil grevistas, perturbações e, finalmente. .. "soviets" em Petrogrado!

Deixar a Suíça imediatamente, rumo à terra, foi sua decisão. E a Alemanha vai proporcionar-lhe garantias para melhor chegar a Petrogrado.

Iam vários companheiros comunistas. Pouca informação e muita incerteza sobre os acontecimentos. Por isso, a recepção formidável, - popular e oficial; com "Internacional" e com Marselheza tipicamente "matada" à russa; com flores e ovações, - que tiveram, na estação, foi uma surpresa emocionante para eles.

Lenine, temperamento caldeado numa vida intensa, forte, dura, de homem uniorientado, não se deixou ficar embalado vagamente. Como lhe pedissem, que falasse, os marinheiros de Cronstadt, ele foi logo dizendo que o governo os enganava; que era preciso paz, pão e terra... e que vivesse a revolução universal!

Homem ousado. Quando, em 1903, no congresso de Londres, ele desmembrou o partido, ele, moço, insurgido contra velhos chefes, muitos disseram que fazia loucura e se estava enterrando. (Mas ele conquistava a chefia do partido). E agora, mal chega a Petrogrado, barreteado pelo governo provisório, suas primeiras palavras são uma investida franca, sobretudo no que se referia à paz. Porque a mentalidade dominante era "defensista”. Os próprios marinheiros que lhe haviam pedido falasse, contra ele se puseram quando souberam que a Alemanha o havia ajudado a vir para a Rússia.

Mas Lenine era tipo de líder. E começou a bater-se: - todo o poder aos soviets. A terra para os camponeses. A paz para todos nós.

O chefe do governo provisório era o filho do antigo diretor de Lenine, quando Lenine estudava no ginásio de Simbirk. Era, chefe, agora, mas, ao tempo, era menino de escola. Chamava-se Kerenski.

Os meses se passaram. Quando, em outubro, - 25 de outubro de 1917, (7 de novembro pelo nosso calendário) - se tratou de constituir a mesa dirigidora dos trabalhos de um congresso geral dos soviets, foi dado o golpe definitivo: Lenine, Trotski, Kamenef, Lunatcharski, Mme. Kollontai - foram eleitos. Estavam batidos os mencheviques. Estava delineada a ditadura. Ia começar, para a Rússia, a grande odisséia.

Decretou-se logo paz com a Alemanha, distribuição das terras aos camponeses e formação do conselho dos comissários do povo.

A tragédia ia proceder-se com aquela frieza sanguinária, absurda, desumana, incompreensível a uma mentalidade ocidental. E à medida que ia devastando, Lenine acreditava estar construindo uma nova sociedade.

Em 1918 ele foi vitima de uma social-revolucionária da direita, Fanny Kaplan. Quatro tiros, no momento em que ele ia entrar no seu automóvel. Sua compleição forte resistiu e ele vai continuar Lenine até 1924. A 21 de janeiro, às seis horas da tarde, um ataque o fulminou. Às seis e cinqüenta, com 54 anos de idade, ele morreu.

Na Praça Vermelha, (o nome é do tempo dos czares) ergueram-lhe um mausoléu poliédrico e maciço, em cujo frontão esculpiram: LENINE.

Que se apagará primeiro: seu nome, esta afirmação social de agora, - ou o seu nome gravado no granito?

Esperemos e digamos com Poletaief:

Est-il une médaille où les traits de Lénine
Soient fidèlement gravés?
Ne cherchez point: il faut que les siècles burinent
Le profil inachevé...

(Apud Pierre Chasles - Vie de Lenine)

*****

Lenine foi um superhomem nietzshiano, um homem representativo de Emerson ou um herói de Carlyle, no sentido de energia superior, de força atuadora capaz de desviar o curso da humanidade.

Fica-nos, entretanto, parecendo que ele foi um engano de nacionalidade, um erro dos tempos, um descuido de revisão do destino, antes de deixar desenrolarem-se os fatos da história.

Mesmo para o marxismo, ele não devia ter surgido na Rússia. E para a evolução humana ele não devia ter aparecido agora.

Só o tempo, juiz das coisas, dará a ultima definição sobre ele.

Desde o dia "em que Satanás entrou no seu corpo", aos 17 anos, até o dia 21 de janeiro de 1924, ele foi uma força agindo para um fim. Como Napoleão ou como Mussolini, ele não foi um intelectual em si. O pensamento para ele valia unicamente como fonte de trabalho transmissível a uma obra a realizar-se, um gerador de energia construtiva. Como Mussolini ainda ele era "amoral": não se 'orientava por princípios. Tinha fins a realizar, eis tudo. Destruia hoje, pela ação, o que ontem havia afirmado com palavras. E desfazia, no outro dia, o que fizera no anterior, quando o achava necessário ao seu intento. Com uma normalidade, uma frieza, uma lógica nua, de homem incomplexo.

Seu unilinearismo levou-o ao erro da comunização integral, num país justamente como é a Rússia, - de povo inerte, ignorante, místico, decalcado numa tradição de servilismo secular. Quis fazer andar uma Rússia insuficiente, despreparada, complexa, desconexa, de nível geral inferior, com uma aplicação de princípios que pressupõem eficiência, nivelamento ou estandardização superior, compreensão social, etc.

Aliás, saindo de Lenine, o erro vem de seu mestre. A utopia marxista está em imaginar a terra um paraíso, no dia da comunização universal.

Sem estandardizar o homem, o comunismo integral e feliz é impossível. E, por enquanto, creio não haver dados, nesta hora da evolução humana, com que se possa construir a afirmação de que é possível a uniformização moral do homem.

Lenine errou por causa de sua estrutura intelectual reta e crua. Mas, fanático de seu ideal, ele voltou atrás, a preparar melhor o terreno. Começou por querer lançar de uma vez o edifício. Quando notou a impossibilidade, recuou prudentemente. Temos exemplo disto na Nep. E se ele ainda vivesse hoje, sabe Deus em que ponto estaria com sua Rússia estraçalhada.

Lá vive ela, sob a decantada ditadura do proletariado, aliás, ditadura do Partido comunista, a alma satânica que informa o regímen governamental do país.

Pleiteando liberdade, igualdade e fraternidade, - conseguiram os bolchevistas implantar ali uma tirania negra, repugnante para todos os nossos melindres libertários. E quem mantém a situação é a força bruta.

A questão relativa a como reger o pais, escreve Trotski, se decide, não mediante referências a parágrafos constitucionais, senão mediante o emprego de todas as formas de violência...

É o realismo selvagem.

Anulando pela perseguição sistemática e crua, a parte mais valiosa da sociedade russa, que, apesar da lamentável corrupção da nobreza, sempre tinha alguma cultura e iniciativa, o bolchevismo ditou seus princípios para um proletariado retardado, incompreendedor, incapaz de se adaptar ao marxismo.

O que em Rússia se devia ter feito agora era uma espécie de Revolução Francesa, com abolição e expropriação dos grandes latifúndios, e entrada em um regímen democrático. Neste caso, Lenine devia ter vindo mais tarde, noutro tempo, depois que, possivelmente, o comunismo estivesse experimentado em algum país mais adiantado. A Alemanha, por exemplo, que é o berço de Marx.

"A Rússia é um país camponês e dos mais atrasados da Europa. O socialismo não pode vencer, nela, diretamente e de uma vez", disse Lenine.

O resultado foi o comunismo conseguir a mais vasta e dolorosa das desorganizações sociais de que se lembra a história. A destruição tumultuária de um país já de si e dantes irregularmente organizado. Um caos, um foco de fermentação, de misérias, de degradação, cujo panorama é capaz de comover ao sentimentalismo a mentalidade mais austera, de fazer brotar humanidade mesmo em corações muito escarpados.

E parece haver uma sinceridade feroz no Partido comunista. Verdade é que, quando fala com o mundo, ele adota uma linguagem de optimismo esquisito, numa caricatura do optimismo ianque, gordo e de máquinas. Dentro de casa, porém, discutem com muita franqueza os problemas que os assoberbam.

Ou isto é uma inconsciência e insensibilidade horrorosa ou é o fanatismo da idéia fixa.

A dedicação absoluta é a característica típica do partido comunista russo. Quase todos os autores (que tenho lido) sobre a Rússia bolchevista, ao falar do partido, comparam-no a uma ordem religiosa. E não a uma ordem qualquer, mas logo aos jesuítas. A admissão é precedida de rigoroso noviciado, que pode durar até cinco anos, conforme o grau de burguesia do catecúmeno. O ingresso faz-se com apadrinhamento de homens já filiados ao partido e que se responsabilizem pela possível infidelidade do afilhado.

A dedicação é admirável. Um técnico do partido trabalha lado a lado, na mesma competência, com um técnico sem partido, ganhando menos do que este. Impulsiona-o, no fundo, a responsabilidade de membro. E consola-o a idéia misticista de que tudo é dele, será dele, sendo o técnico um estranho.

Não vou pormenorizar aqui a situação atual do antigo império dos czares. Leiam-se os inúmeros livros dos que visitaram aquele país. Há, possivelmente, em alguns, o exagero de quem combate o estado de coisas ali vigente. Mas a verdade de misérias sobra tanto que, mesmo tentando-se clarear as cores, o quadro continuará por demais negro.

Leiam-se os livros de Panait Istrati. Velho comunista, ele fora convidado, em 1927, a assistir os festejos do décimo aniversário do regímen. Passadas as festas, ele dispensou a hospedagem oficial e viajou pelo país, buscando estudar, por si, toda a realidade russa. Seus três volumes, sob a epígrafe Vers l'autre flamme são um desmascaramento a toda a farsa oficial do trágico otimismo dos responsáveis pela situação. São um protesto desiludido de um velho marxista, contra a degradação e embuste que é toda a aplicação do comunismo, ali. Por eles se verá como ficou, o país reduzido à mais estranha escravidão e miséria, com uma revolução social que prometera um paraíso ao proletário. Nenhuma liberdade. Só existe a opinião dos chefes, de que todos participam. A literatura única, a ciência única, a educação única é a comunista. Uma censura terrível. A G. P. U., sucedânea da Tcheka, está sempre disposta a fazer desaparecer ou, pelo menos, a mandar para a Sibéria, quem eles queiram achar que é inimigo do regímen. Um professor que ensine, não a religião ou deísmo vago, mas a filosofia de Platão ou Kant, o mínimo que se lhe faz é permitir que se exile do país.

A penúria extrema, as crises sintomáticas de fomes medonhas, são as resultantes da desorganização conseguida. Se o ideal comunista fosse a pobreza franciscana, como acentua Manuel Ribeiro, os métodos empregados estariam sendo de eficácia maravilhosa.

“A sociedade soviética, fala Istrati, apresenta, à vista do observador, matizes infinitamente menos diferenciados do que a sociedade ocidental. E a sociedade mais igualitária do mundo. E sociedade composta dos sem-teto, dos sem-pão, dos mendigos, dos desesperados (diariamente há, em Leningrado e Moscou, uma dúzia de suicídios) mas não se vêm ali milionários, grandes proprietários, usineiros, nem grandes cortesãs”.

Os salários são mesquinhos. O proletário trabalha doze horas dor dia. As famílias se amontoam, às duas e às três, num só e miserável quarto.

O aspeto moral do comunismo russo é que, talvez, porém, mais horripile ao ocidental.

No seu materialismo absoluto, no seu intento completo de animalização, o bolchevismo quer arrancar da Rússia a alma humana e reduzir o filho de Adão a qualquer coisão não-sei-o-quê. Todo sentimento engrandecido pela civilização ocidental é vicio, para eles. Amor, piedade, solidariedade, - flores da civilização, - tudo anulam e proscrevem. Querem desenraizar do espírito do povo, até o mínimo resquício de cristianismo. Lenine achava errado coibir sistematicamente a religião. Preferia o sarcasmo, a propaganda materialista, a criação de ambiente asfixiador, onde a religião se estiolasse. Transpôs para um tom regional a frase de seu mestre "a religião é o ópio do povo", dizendo que "a religião é a vodka ordinária, a sivudka com que o povo se embebeda, para esquecer os próprios sofrimentos".

E a materialização organizada, erigida em ideal.

Há milhares de anos que o homem se vem consumindo na ânsia do mais nobre, do mais perfeito, do superior, do infinito; ânsia em que o nutre não sei que fonte perene de propulsão para o alto. E agora, numa inversão crua, ele quer é descer prosaicamente para dentro de sua matéria ordinária, afirmar-se num anulamento de horizontes, funcionar, viver indiferenciadamente, como seu cão ou seu jumento.

Parece-me que Waldo Frank não tem razão, no seu admirável livro Nouvelle Découverte de l'Amérique, quando aconselha reconhecer-se a "santidade da profissão de fé soviética", explicando que ela é capital "porque tende a levantar a base da existência humana acima das preocupações alimentares". E ele continua: "O animal põe toda a sua energia no cuidado de nutrir seu indivíduo ou sua espécie. A humanidade é ainda animal. O homem que se gaba de que seus negócios lhe tomam todo o tempo é comparável à vaca, a pastar todo o tempo. A nação que declara solenemente "time is money", que só inventa, reza e respira com a obsessão da riqueza a adquirir, é uma alcatéia de lobos vorazes" (p. 285).

Muito bem. Waldo Frank isto escreveu condenando a sua terra ianque e elogiando a Rússia. Mas, em vez de contraste, creio que há uma semelhança muito grande, uma identidade de fins e finalidades entre o capitalismo norte americano e a intenção comunista russa. Se o capitalismo se baseia na produção, - Fala T. de Ataíde, - o comunismo é também um "regímen de pura produção, apenas mais intensa e mais racional". Se o capitalismo é a grande propriedade, o comunismo é a propriedade enorme; se o capitalismo é a máquina, o comunismo também o é. E a grande inveja da Rússia continua sendo a Norte América de todos os defeitos censurados por Waldo Frank. - "Americanizem-se", teria dito Lenine ao morrer.

Para implantação dessa ideologia, torna-se gigantesca e surda a luta contra a massa popular, naturalmente inadaptável a toda esta transformação impossível. Marxiza-se a massa proletária das fábricas. Mas como ateizar a massa camponesa, o peso da população russa? Supersticiosa, mística, tradicionalizada por séculos, ela constitue o centro do xeque em que vive o bolchevismo. Ainda há pouco, Staline dizia que, ou se resolvia o problema dos campos ou o comunismo se veria na contingência de falir.

Sentindo ser impossível transmudar a mentalidade atual, o partido deitou todas as suas esperanças nas novas gerações. Mas, justamente, por não sei que capricho medonho, a página mais dolorosa do bolchevismo tem sido o abandono da infância, na Rússia. Leia-se o livro de Zenzinov, antigo membro dos soviets de Petrogrado, Les Enfants Abandonnés en Russie Soviétique, para bem se avaliar o que sofrem as crianças russas.

É problema de miséria inédito na história da humanidade, conseguido pelo comunismo.

Não posso transformar esta parte da tese em estatística, mas não posso também deixar de abrir aqui sobre tão doloroso problema, uma impressão amarissima.

O livro de Zenzinof é um registro monstruoso. E toda a sua documentação é oficial, é apanhada em publicações da imprensa comunista.

O grande ponto negro da miséria foi a fome de 1921-23. Numa população, ao tempo, de 130 milhões de habitantes, os dados oficiais calcularam em 30 milhões (e os não oficiais em 40 milhões: um Brasil inteiro) o número da massa atingida pelo flagelo. Foi nesta epoca que o problema infantil se avolumou com proporções incríveis. A sra. Krupskaia (viúva Lenine) asseverou que o número de crianças abandonadas subiu a oito milhões (toda uma Minas Gerais) em 1922-1923, logo após a fome grande. Num país desorganizado e comprimido sob um regímen, o prolongamento do mal e a prolatação de suas couseqüências havia de ser enorme. A vida em bandos de “animais famintos” deixou um profundíssimo sinal naquela infância. Aprenderam todos os vícios, todas as baixezas, entregues a todos os desesperos instintivos. Viveram de privações e depredações, abandonados da higiene, em bandos promíscuos, alastrados de males venéreos..

Bem sei que não se pode supor que tenha desaparecido completamente, na golfada de toda esta miséria essencial, o sentimento rudimentar de comiseração, o instinto animal, deixando acontecer tudo isto. Bem sei que se não pode tudo imputar a crime, a pecado do comunismo e que há, uma força de circumstâncias fatais capaz de anular os melhores esforços humanos. Mas, se nem tudo foi pecado do comunismo, pelo menos foi tudo pelo pecado de comunismo.

Lenine disse a fartar que "o socialismo é irrealizável num país iletrado" que "socialismo e analfabetismo são duas coisas incompatíveis". Desanimado de reformar e adaptar ao regímen a velha mentalidade russa, voltou as atividades do partido para sobre a infância e a juventude.

Tomou a criança para o estado.

Vendo, porém, - muito nitidamente, - que a família era um foco de contra-influência comunista, na alma ifantil, destruiu então a família, muito logicamente. O casamento não existe. O amor, a afetividade humana é uma balela, um coaxar de rãs. O homem e a mulher unem-se, como queiram, quando queiram, com quem queiram, numa função animal... e o filho é do governo, para a educação. Falido, porém, em sua obra geral, o estado é incapaz de cuidar devidamente da criança.

Em 1928, a sra. Krupskaia (viúva Lenine) escrevia no Pravda um artigo sobre o assunto educação. Cito apenas o título do artigo, "A estabilização do analfabetismo”, porque ele fala bastante, por si mesmo.

Para terminar esta triste resenha, traduzo (de Zenzinov) um trecho tomado por ele a um número da Komsonolskaia Pravda, de 25 de janeiro de 1929. E tomo uma transcrição quase ao acaso:

"Segundo os algarismos do último recenseamento, há na U. R. S. S. para uns trinta milhões de crianças entre oito e dezesseis anos. Sobre este total, 17.459.000 - ou sejam 60 % - ficam sem escola. Os documentos da comissão encarregada dos menores delinquentes provam que 75% dentre eles têm pais e que 50% frequentam estabelecimentos escolares. Os meninos, que vivem em uma má atmosfera (pai ébrio, discussões, brigas), são atraídos pela rua, pelos mercados, onde aprendem a roubar e a vagabundar. O governo, o partido, a Komsomol lutam contra isto mas com muito pouca energia. O que, tudo, nos obriga a confessar quanto vão mal as coisas, na questão da infância. Não se pode ficar assim. Cumpre voltar nossas atenções para as crianças".

*****

Lenine gostava de dizer que devia esperar-se a ocasião de sacudir a árvore para caírem os frutos maduros. (Os mencheviques preferiam esperar o dia dos frutos caírem, de si). Chegado o momento, - a grande revolução, - Lenine sacudiu a árvore. Sacudiu e está sacudindo. Mas a verdade é que os frutos não estavam maduros ou, pior ainda, a árvore social russa não tinha frutos. Vivia sem uma nutrição de seiva capaz de a fazer frutificar. As sacudidas abalaram violentamente a árvore. Agora é preciso tratar, a ver se produz. Antes, ao menos, a árvore vivia.

Devia mudar-se o processo de cultura, é verdade, mas Lenine escolheu um que era prematuro. Foi por demais radical Estará ai um erro de remédio. O organismo não o suportava.

Apesar da linguagem otimista de Staline, ao afirmar que as indústrias se desenvolvem, que o operário se sente dono de tudo.

A miséria campeia furiosa, pelo país. A vida geral descambou para um nível áspero, rude, inferior e amargo. A brutalização moral é horrível. O alcoolismo devasta o povo. O desmantelo social é assustador. O problema da infância dizimada, destruída, lançada a todos os desvios que conduzem à desumanização, põe uma nota pungentíssima na tragédia.

Mas o partido anuncia que toma seriamente a peito a proteção do proletário e a salvação da infância. Vota rublos a disposição deles, quando doentes, para que vão aos sanatórios do Cáucaso e do Mar Negro.

Tudo isso daria a impressão do médico que prostrasse toda uma sociedade, já fraca e cheia de males, para depois a socorrer, em parte mínima, e parecer estar em grande obra de benemerência e renovação. Aplicar drasticamente a uma geração, remédios que a torturam esterilmente, com que seus membros aos milhares são liqüidados, - é não levar em conta que cada homem tem direito a uma parcela de felicidade ou, quando nada, ao mínimo de incômodos. A vida deve valer qualquer coisa. E, mais do que a vida, uma convicção, uma maneira moral e intelectual de ser. Impor esta maneira de ser, pela violência, resulta em improfícuo sacrifício. Só seria admirável - com vistas ao futuro – caso não houvesse outros caminhos. Ora, outros caminhos havia, mesmo para a ideologia marxista. Há, em Marx, muito evolucionismo social. A tão vincada luta de classes devia seguir o seu processus normal.

Lenine, porém, foi radical, foi absoluto, foi imediatista, foi absurdamente revolucionário. Quis precipitar a história, - se é que a humanidade caminha no sentido marxista.

Isto é coisa que se não faz impunemente. Há de ser um crime, uns poucos ousados sacrificarem uma nação inteira. Um homem anular milhões de homens. Uma personalidade apagar milhões de personalidades. Uma vida destruir milhões de vidas. Tudo inutilmente. Tudo por um fanatismo rude e sincero. Como se está fazendo com aquele pedaço de humanidade que é a Rússia.

*****

Esta tese devia abranger também o capitalismo científico moderno (Ford) e o cristianismo social (Pio XI) com escala pelo sindicalismo italiano (Mussolini). Vejo-me entretanto, obrigado a procrastinar a elaboração destas duas últimas partes.

Belo Horizonte, agosto de 1931.

 


BIBLIOGRAFIA:

CHASLES, Pierre. Vie de Lenine. Plon

COSTA, E. Karl Marx. Lisboa.

FORD, Henry. Minha vida e minha obra.

FRANK, Waldo. Nouvelle découverte de l'Amérique.

GARÓFALO. A superstição socialista.

ISTRATI, Panaît. Vers l'autre flamme. [I. Après seize mois dans l'URSS; II. Soviets, 1929; III. La Russie nue].

LASKY, Harold. Comunismo. Colección Labor (em espanhol)

MENOTTI DEL PICCHIA, A crise da democracia.

PIUS XI: “Quadragesimo anno”, in Acta Aposlicae Sedis.

RÁO, Vicente. Direito de família dos soviets.

RIBEIRO, Manuel. Novos horizontes.

SCHLESINGER, Ludwig. El Estado de los Soviets. Colección Labor.

TRISTÃO DE ATAÍDE. Esboço de uma introdução à economia moderna.

TRISTÃO DE ATAÍDE. Preparação à Sociologia.

VAYO, Álvarez del. A Nova Rússia.

ZENZINOV, V. Les enfants abandonnés en Russie Soviétique. Plon.

 

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